terça-feira, 30 de junho de 2015

A única coisa, que temos a temer é o próprio medo!

Durante as próximas três semanas a regularidade com que aqui venho será condicionada por estar de férias das rotinas habituais e viver, uma vez mais, o privilégio de exercer o mester de avô a tempo inteiro.
Mas os tempos não permitem, que nos distraiamos dos acontecimentos quotidianos e de como eles poderão afetar-nos coletivamente. Por isso irei aqui anotando algumas notas pessoais ao sabor do que vou conseguindo ver, ouvir e ler.
1. Comecemos por cavaco silva. Sei que não é bonito bater em mortos, mas quando se ouve o disparate de minimizar a saída da Grécia do euro, considerando que tudo se resume à questão algébrica de os dezanove membros atuais passarem a ser dezoito, podemos concluir que, além de economista mais vocacionado para a contabilidade autista dos números, ele continua sem qualquer estratégia política, que vá para além da mesquinha intenção de ser servil com os que considera poderosos (merkel & Cª) e acintosamente arrogante com os que julga na mó de baixo.
Para a História ficará a mancha de os portugueses terem eleito, para primeiro-ministro e presidente da república, um indivíduo, que faz lembrar o título do romance de Musil: um homem sem qualidades.
2. Não tenho aqui deixado qualquer dúvida sobre para que lado pendo no conflito aberto entre o governo do Syriza e os credores entroikados. E acredito, pelo que tenho ouvido a muitos camaradas socialistas, que as declarações lamentáveis de muitos antigos e atuais dirigentes do meu Partido, tratando Tsipras e o seu governo de bando de irresponsáveis, só permite concluir sobre o desfasamento dos autores de tais diatribes com os valores dos que, em 1973, o fundaram.
O estado atual da social-democracia e do socialismo democrático compreende-se bem, quando vemos Mário Soares, em tempos posicionado ao centro dentro do PS, hoje a ultrapassar todos pela esquerda. Não porque tenha mudado alguma coisa nas suas convicções, mas porque muitos dos que dirigem, ou dirigiram recentemente o PS - mormente a ala segurista de má memória! - tomaram como suas as teses e os valores da direita.
O que se passou na Grécia foi isso mesmo: o PASOK, que durante tantos anos conseguira assumir-se como o maior partido representativo da classe média grega e dos que eram mais desfavorecidos, aclamou como secretário-geral o balofo Venizelos, cuja única preocupação foi transformar-se em bengala do entusiasmo austeritário da Nova Democracia. Será de espantar que o eleitorado socialista tenha mudado para o Syriza, que reivindicou políticas perfeitamente enquadráveis  na lógica socialista e social-democrata, que o PASOK abandonou?
Embora como reformado esteja na linha da frente dos que têm mais a temer com o caos que o Grexit prenuncia, desejo que o Não saia vencedor incontestado do referendo de domingo. E, depois, que as merkels & Cª ganhem, enfim, juízo para não terem de voltarem a ser chamados à razão por Obama, Putin e Xi Jinping, como sucedeu este fim-de-semana.
Para já justifica-se a pertinência do que Roosevelt disse no seu discurso de investidura, em 1933 e que Tsipras citou anteontem nas redes sociais: : “Nestas horas críticas, é preciso  ter presente que a única coisa que temos a temer é o próprio medo.”

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Juízes, magistrados e o estado da (in)Justiça

O caos no setor da Justiça tem sido o que se sabe, desde a reforma do mapa judiciário, que afastou geograficamente milhares de cidadãos de tribunais onde possam ver satisfeitos os seus direitos, até ao Citius, que foi a machadada definitiva numa área do Estado onde já estavam em roda livre os interesses corporativos de juízes e magistrados, que bem gostariam ser melhor remunerados e terem maior liberdade para agirem a seu bel prazer.
Que tenham visto defraudadas as suas expectativas por um governo, que tudo fizeram por apoiar através de acusações absurdas e penas escandalosas a alguns ex-ministros socialistas - depois utilizadas como ferramenta propagandística na luta política! -, abre o apetite para ver o que se seguirá: anunciada a rutura com a direita no poder, na pessoa de paula teixeira da cruz, será que será iniciada agora a caça aos iminentes ex-ministros laranjas?
O que parece adiada é a incapacidade em sobreporem-se aos poderes executivo e legislativo e passarem a mandar no país.
Para já, com José Sócrates ainda está tudo na mesma: escolhido como alvo emblemático da ira corporativa - ou não tivesse sido quem possibilitou tirar aos juízes algumas das suas mais excêntricas regalias - continua a ver violados todos os seus direitos.
Na semana passada os seus advogados invocaram o ter sido excedido o prazo de 18 meses para concluir o inquérito  - duração máxima prevista pelo Código do Processo Penal no início de 2015 - para pedirem a mais do que justificada libertação do ex-primeiro-ministro, já que a investigação foi iniciada a 19 de julho de 2013.
Mas joana marques vidal fez, uma vez mais, orelhas moucas à legalidade, avalizando a vigarice empreendida por rosário teixeira, quando pediu às autoridades suíças para atrasarem o envio da documentação pedida por ele em carta rogatória e que ficou meses no congelador de Genebra de forma a poder justificar o alargamento do tal prazo de investigação por esse período ter, a seu ver, parado a contagem do tempo.
Apesar de se dizer respeitador da separação entre poderes, António Costa, enquanto próximo primeiro-ministro, muito terá a legislar para que se corrijam os alibis com que os carlosalexandres justificam as suas perversas habilidades. E que potenciam graves erros de Justiça! 

domingo, 28 de junho de 2015

Três perguntas de um operário letrado

“Tantas histórias, tantas perguntas”. É assim que se conclui «Perguntas de um Operário Letrado», um dos mais conhecidos poemas de Bertolt Brecht, que começa com a questão sobre quem terá verdadeiramente construído Tebas, a das sete portas.
Desassombrado, o operário lembra que nos livros terão sido os reis a mandá-la construir, mas quem carregara as pedras para a tornar possível?
É, dentro desse mesmo espírito, que vale a pena olhar para os acontecimentos dos últimos dias e lançar perguntas, cujas respostas decerto nos seriam bem proveitosas.
Comecemos pelo escândalo conhecido este sábado na edição semanal do «Expresso»: numa indisfarçável decisão de favorecimento a amigo, passos coelho mandou reabrir a embaixada portuguesa da Unesco em Paris para aí encontrar lugar apetecível para o seu chefe de gabinete, Gilberto Jerónimo.
Ora, paulo portas tomara a decisão racional de fechar essa embaixada porque, já havendo a embaixada lusa na capital francesa, não se justificavam os custos adicionais de uma outra representação diplomática sedeada na mesma cidade.
Tendo em conta que já o anterior chefe de gabinete fora nomeado, meses atrás, para a embaixada em Madrid, que diferença existe entre estas manifestas decisões de passos e as de miguel macedo, já constituído arguido por ser, igualmente, pródigo a favorecer os amigos?
Passemos ao segundo escândalo da semana: o arrasador relatório do Tribunal de Contas sobre a gestão de marco antónio costa, quando serviu de lugar-tenente a meneses na Câmara de Gaia.
Os números escalpelizados pela auditoria em causa não deixa margem para dúvidas, muito embora o dono da máquina laranja assevere tratar-se de meras suspeições sem nada de concreto a comprová-las.
Será? Por muito menos do que isso o ministério público tem José Sócrates preso em Évora há mais de sete meses. Não serão as provas contra marco antónio bem mais comprovadas do que as inventadas contra Sócrates? Que espera carlos alexandre para pôr o antigo autarca de Gaia atrás das grades?
Menos divulgado, mas não menos importante por constituir uma afronta inaceitável contra os representantes do povo português na Assembleia da República, está a recusa de carlos costa em entregar aos deputados da Comissão de Economia o relatório da auditoria interna que avaliou a atuação do regulador no processo BES. O homem de mão de passos coelho no Banco de Portugal alegou sigilo bancário. Mas a pergunta que fica é esta: que informações estão inseridas nesse documento e que carlos costa não quer dar a conhecer? Até que ponto continuaria a manter a pretensão de cumprir mais um mandato na instituição se se soubesse o que quer sonegar ao conhecimento dos cidadãos?

E agora Josés da União Europeia?

Embora o zé (durão barroso) já tenha perdido o tacho em Bruxelas, deixou lá muitos outros Josés, que veem a festa acabar, como acontecia ao personagem do poema de Carlos Drummond de Andrade, ainda há pouco por mim aqui citado e que torno a convocar por razões acrescidas: é que a luz apagou/ o povo sumiu, / a noite esfriou.
Por muito que os dezoito ministros, que continuaram a reunião do Eurogrupo sem Varoufakis parecessem ter por si a força, a realidade arrisca-se a ser bem diferente: tanto quiseram puxar a corda que ela se rompeu. E pode-se bem imaginar que a força de dezoito fá-los recuar bem mais do que aquele que se ia aguentando do outro lado.
Agora, esses Josés, que se chamam merkel, schäuble, dijsselbloem ou tusk, dificilmente poderão continuar a zombar dos outros, tão sem discurso ficaram.
não veio a utopia / e tudo acabou / e tudo fugiu / e tudo mofou.
Face à jogada de antecipação de Tsipras, os Josés ficaram agora entregues às suas incoerências e aos seus ódios.
Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta; 
De nada valeu a draghi lembrar que o caminho para onde empurravam os gregos implicaria um desiderato de efeitos imprevisíveis.
Sozinho no escuro / qual bicho-do-mato, / sem teogonia, / sem parede nua / para se encostar, / sem cavalo preto  / que fuja a galope, / você marcha, José! / José, para onde?
E é isso mesmo que até os mais insuspeitos comentadores da situação preveem: para a União Europeia, e para o euro em particular, esta rutura não prenuncia nada de bom.
Com o caos a sobrepor-se à racionalidade, que costumava caracterizar os líderes europeus de outros tempos, serão imensos os perigos para a Democracia e para a qualidade de vida dos que vivem no Velho Continente.
Mas que não se permita atribuir a culpa ao Syriza, a Tsipras ou a Varoufakis. Tendo por si a evidência de soluções, que falharam estrondosamente, eles só exigiram a implementação de uma alternativa outrora aplicada com excelentes resultados - quer nos tempos do New Deal, quer nos do Plano Marshall.
A marcar este momento histórico fica o excelente cartoon de António no «Expresso»: esse touro grego já fustigado por bandarilhas, que enfrenta valorosamente lagarde e merkel vale por milhentas palavras, que aqui acrescentemos para caracterizar a situação...


sábado, 27 de junho de 2015

A tenebrosa manobra dos movimentos pró-"vida"

Na mesma semana em que a TVI nos deu um exemplo eloquente do que é ser cristão no melhor sentido - o doutor que fez de sua casa o abrigo de gente sem abrigo, seja por estar desestruturada, seja por ter saído da prisão, e nunca lhes olhou para os “pecados” como condição para os ajudar - tivemos o exemplo do que é essa condição de crente no pior sentido: no que quer impor aos outros os preconceitos, que em si escolheu voluntariamente abrigar.
A proposta de achincalhamento das mulheres decididas a abortar, que vai a votação a 3 de julho, é o que os fanáticos dos chamados movimentos pró-vida sabem ser, por ora, possível viabilizar: inclui o pagamento de taxas moderadoras, a obrigatoriedade de uma consulta de pressão psicológica e a imposição da assinatura da mulher na ecografia ao feto de que se pretende livrar. Medidas, que até a insuspeita teresa leal coelho reconhece tratar-se de uma “pena acessória”, como se praticassem um crime.
As tenebrosas isildas pegados têm muita vontade em que nasçam crianças não desejadas, mas são-lhes indiferentes os sofrimentos por que elas passarão quando futuramente enfrentarem desafios demasiado exigentes para as capacidades afetivas e/ou económicas das famílias onde nascerão enjeitadas.
Gente horrível, essa, que quer obrigar mulheres desesperadas a acrescentarem humilhações às preocupações que já as terão levado a procurar quem as ajude a aliviar o seu difícil fardo...

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Quando são os outros a baterem-se por nós...

Não há como negar a realidade: mesmo auferindo de remunerações superiores às pagas aos portugueses, os pensionistas gregos foram sujeitos a uma violenta redução do seu nível de vida, que torna inaceitável qualquer sacrifício adicional.
Desde que a crise começou já sofreram cortes por cinco vezes. Se em 2009 o valor médio de uma pensão de reforma era de 1350 euros, hoje reduziu-se para 833 euros mensais, com 45% a auferirem valores inferiores a 665 euros.
Numa economia que viu o seu PIB reduzir-se 25%, fazendo galopar o número de desempregados, esses reformados são, em muitos casos, a única fonte de rendimento de famílias numerosas, que incluem os filhos e seus conjugues, mais os netos.
É por tal razão que Tsipras e Varoufakis recusam a chantagem e os ultimatos dos credores. Depois de terem sido os arautos de uma esperança reconquistada com a derrota dos colaboracionistas, eles não abdicam da defesa da honra e da dignidade do povo que os elegeu.
E, muito embora, de forma indecente,  os partidos da Internacional Socialista lhes tenham virado as costas e os cidadãos dos outros países, igualmente a contas com espartilhos semelhantes, não tenham vindo manifestar-se ruidosamente para as ruas das capitais europeias, continua a ser uma evidência que os gregos estão a lutar denodadamente pelos nossos próprios direitos.
Conseguissem os credores impor a tal reestruturação, que exigem ao Sistema de Segurança Social grego, e maior força ganhariam para impor idêntica “solução” aos portugueses.
E vontade não lhes falta como o demonstra o “estudo” encomendado agora por mota soares para que ficasse “demonstrado” o que quer provar: que “não há alternativa à decisão já tomada por maria luís albuquerque de tirar 600 milhões de euros aos já depauperados reformados. Muito embora esse trabalho seja tão fraudulento nos seus pressupostos, que só pode convencer quem perdeu já qualquer sentido crítico e está disposto a acreditar em qualquer história da carochinha, que os ministros deste (des)governo lhes vão contando.
É por isso mesmo que, como reformado, faço votos para que, amanhã, custe o que venha a custar, Tsipras mantenha a postura de antes quebrar que torcer...

Está na hora de premiar os amigos...

Uma das decisões de última hora tomadas pelo governo de passos coelho antes de ser corrido para o merecido caixote do lixo, foi a entrega à Fundação do Pingo Doce de uma renda significativa sob a forma da concessão do Oceanário nos próximos trinta anos.
Recordemos que, em 2014, os lucros conseguidos por esse equipamento ascenderam a 1,49 milhões de euros, o que justificou o cálculo de uma privatização com um encaixe da ordem dos 40 milhões de euros para o Estado. Afinal, a família soares dos santos acabou por ter um desconto de 40% nessa previsão inicial, pagando agora 24 milhões por um negócio, que sabe ser bastante rentável.
Cumpre-se, assim, mais um passo no esforço ideológico de privar o Estado de outras receitas regulares, que não as advindas dos impostos, de forma a justificar-lhe a reduzida dimensão, sobretudo nas áreas sociais.
Com uma cereja no topo do bolo: quando o negócio já se revelar esgotado e o edifício necessitar de manutenção, os concessionários entregam-no ao Estado para que seja ele a arcar com tais despesas.
Se isto não é uma prova de políticas danosas para o bem público não sei que outras melhores se poderão evocar!

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A Oeste nada de novo

Como a forte contenda entre o governo grego e as instituições entroikadas continua sem resolução, vale a pena desfocalizarmo-nos dela e darmos atenção a outros sinais de mudança na política internacional. Neste texto em concreto, fixemo-nos no que se passa nos States, onde o recente massacre de nove pessoas numa igreja da Carolina do Sul voltou a trazer a lume o racismo larvar que persiste na sociedade americana.
De nada valeu ter Obama durante dois mandatos na Casa Branca, já que o ódio aos negros só momentaneamente pareceu cingir-se aos polícias, sobretudo aos que esqueceram a realidade dos nossos dias: estamos sempre a ser potencialmente filmados enquanto andamos no espaço público.
Para quem esquecera a existência de movimentos mais ou menos aparentados com o Ku Klux Klan, os crimes da semana passada serviram de alerta.
Como contraponto positivo do sucedido vale a pena sublinhar o embaraço de três dos mais crapulosos candidatos à nomeação republicana, denunciados por terem recebido donativos para a sua campanha das mãos do guru do jovem assassino. E, numa atitude higiénica, a bandeira dos Confederados - que recuperara destaque em diversos Estados com direito a ser hasteada em edifícios oficiais - voltou a ser execrada, pelo menos na Carolina do Sul.
Não devemos, porém, cingir-nos aos problemas internos na terra do Tio Sam. É que os sinais de agravamento de algumas  estratégias imperialistas voltaram a ser anunciadas.
Por exemplo o Senado aprovou o Tratado comercial com a União Europeia, que constitui uma séria ameaça à economia de muitos países europeus - nomeadamente o nosso! - incapazes de competirem com regras preparadas e discutidas para melhor servir os interesses das multinacionais americanas.
Noutro caso muito discutido em França esteve a denúncia pela Wikileaks da contínua espionagem da sinistra NSA sobre tudo quanto faziam os últimos presidentes gauleses: Chirac, Sarkozy e Hollande. Nem os supostos aliados se livram da bisbilhotice interesseira dos serviços secretos comandados a partir de Washington D.C.
Significando perigos aparentados com os tempos mais obscuros da Guerra Fria, os EUA também pretendem estacionar armamento pesado nos países da NATO com fronteiras próximas da Rússia.  Trata-se de uma provocação a que Putin não deixará de dar resposta, mas que sobe mais um patamar no clima já tenso naquela região, sobretudo desde que a Casa Branca e Bruxelas decidiram incentivar, e provavelmente financiar, todas as insurreições suscetíveis de colocar o Kremlin à beira de um ataque de nervos.
E, porque o imperialismo não conhece limites nem fronteiras o Pentágono decidiu transformar duas ilhas do arquipélago das Marianas, no oceano Pacífico, em campos de treino para preparar  invasões com navios e aviões e fogo real. Claro que os habitantes locais não acharam nenhuma graça à ideia e lembraram à comunidade internacional os crimes ecológicos em perspetiva: essas ilhas são rodeadas de recifes de coral que formam ecossistemas raros e frágeis e, nelas, habitam várias espécies protegidas, como grandes morcegos-da-fruta, aves, lagartos e caracóis.
Racismo, agressões militares e económicas, espionagem: passados seis anos desde que Obama passou a residir na Casa Branca não se pode dizer que algo de substancial tenha mudado na política americana, quer interna, quer externamente...

quarta-feira, 24 de junho de 2015

As malhas que o império tece

Não podemos ignorar o quanto a classe dos juízes tem tido uma intervenção ativa e nada inocente na vida política portuguesa dos últimos anos.
Hostilizando ativamente o Partido Socialista, que tem tido diversas decisões judiciais sucessivamente tomadas contra alguns dos seus antigos membros do governo de José Sócrates, essa corporação apostou fortemente na possibilidade de garantir a satisfação do Estatuto há muito reclamado pelos seus membros durante a presente legislatura. Não só conseguiria melhorar significativamente os níveis de remuneração como acentuaria a tendência judicialista anunciada pelo anterior líder da sua Associação, que anunciou a iminência de uma supremacia política da classe sobre quem exerceria o poder executivo e legislativo.
Compreende-se, pois, o quanto se sentem defraudados com a indiferença da ministra (paula teixeira da cruz) às suas reivindicações, queixando-se de “desconsideração intolerável”. Por isso anunciaram, agora, o corte definitivo de relações.
Paradoxalmente vão ter, muito provavelmente, de prosseguir negociações com um governo socialista, que terão procurado a todo o custo evitar…
São as malhas que o Império tece...

Vandalismo ao estilo tea party

Todos os dias vão surgindo noticias de decisões apressadas, assumidas pelo governo no sentido de tornar irreversíveis, em todos os setores da atividade que controla, as estratégias ideológicas, que lhe estão na natureza.
Embora sem a visibilidade da TAP ou das concessões dos transportes públicos a empresas privadas, é igualmente danosa para o interesse coletivo a decisão do Ministério da Saúde em desativar, até 31 de julho, quatro laboratórios de saúde pública.
O que o ministério da saúde pretende, através da deliberação tomada pelo secretário de estado leal da costa, é o desmantelamento de uma rede de organismos criada nos anos 70 e incumbida de acompanhar continuamente a qualidade da água distribuída para consumo humano, para piscinas ou em zonas balneares, identificar a origem de eventuais surtos de infeções com origem alimentar ou do tipo da legionella e monitorizar a evolução dos índices de tuberculose na população.
Trata-se de mais um episódio lamentável do ódio desta equipa ministerial por tudo quanto represente o Estado, onde quer que ele se manifeste na sua responsabilidade reguladora.
Já nem se trata da antiga direita conservadora, que fazia tudo para que o mercado maximizasse os seus lucros, mas tinha a consciência da importância de uma intervenção forte do Estado na aferição da qualidade e do controle dos bens e serviços comercializados. Temos em passos coelho uma verdadeira postura de extrema-direita puxando da pistola e disparando, quando se identifica algo que tenha a ver com instituições públicas. O tenebroso Tea Party não age de maneira distinta desta.
É crível que, nos longos meses ainda em falta até às eleições, esta horda de vândalos irá causar muitos mais estragos sob a complacência de quem, em Belém, assiste indiferente à destruição de quanto sucessivas gerações esforçadas andaram a construir...

terça-feira, 23 de junho de 2015

Pesadelos balcânicos

Escrevo a altas horas da madrugada, quando passos coelho e cavaco silva estão provavelmente a ter sonhos turbulentos, senão mesmo pesadelos com quanto viveram nesta segunda-feira do seu desencantamento.
Estava tudo tão bem encaminhado para partilharem com schäuble o regozijo pela definitiva condenação dos irreverentes helénicos, quando o chato do draghi ganhou ascendente na maioria dos que compareceram nas cimeiras de Bruxelas, lembrando-lhes o quão imprevisível poderia ser o desenlace do anunciado default.
Já ninguém terá estado disposto a escutar os protestos da tropa fandanga do paralítico alemão, porque a palavra de ordem passava a ser a de chegar a acordo a todo o custo.
De repente os tais «cofres cheios» perderam toda a razão de ser enquanto arma de arremesso na campanha eleitoral e a atoleimada referência de cavaco à impossibilidade de exceções às regras europeias ficou registada como mais uma redundância ao que há muito se concluiu: se a sua primeira passagem pelo poder, enquanto primeiro-ministro, fora uma tragédia, o regresso enquanto presidente está a ser uma farsa patética.
Por muito que a imprensa, despudoradamente de mãos dadas com o governo, insista até à náusea na derrota de Tsipras, supostamente rendido aos ditames troikeiros, a maioria dos que irão às urnas em outubro terão ciente uma conclusão evidente: a exemplo da irredutível aldeia de Asterix, os gregos insurgiram-se contra a tosca versão imperial dos nossos dias e, mesmo sem poções mágicas, trataram de a fazer recuar.
Quem disse que não existiam alternativas? 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Ateu, graças aos deuses...

Tenho uma profunda admiração pela pessoa e pela obra de José Saramago. No dia em que o vi galardoado com o Prémio Nobel vivi uma das (felizmente muitas!) alegrias da minha vida. Por isso vêm-me, amiúde, à memória as suas palavras, quer lidas nos seus livros, quer escutadas nas suas entrevistas.
Um dos temas em que sinto uma grande identidade com o que ele pensava é no capítulo da religião. Ateu por convicção - e, sobretudo, devido à falta de provas evidentes dos pressupostos espirituais em que assentam os diversos credos - acredito profundamente que a humanidade viveria muito melhor se, em vez de semearem o ódio em nome dos seus perigosos deuses, os homens e as mulheres deste mundo apostassem na defesa intransigente do bem comum, dos direitos essenciais devidos a todos os seus iguais e começassem por pôr em causa a lógica predadora em que assenta o regime económico que nos oprime.
Quando vejo a reportagem televisiva sobre a reunião anual das Testemunhas de Jeová no Estádio do Restelo começo por relativizar a importância de ver tanta gente alienada em algo de tão pueril. A dar vontade de lhes mandar aquela divertidíssima personagem inventada pelo Nuno Markl para Nuno Lopes a interpretar na série «Os Contemporâneos», em que um «Chato» mandava os outros trabalhar.
Dir-me-á a consciência interior: é gente que não faz mal a ninguém e usa o seu direito à liberdade de crer no que acredita.
Certo? Mas, quando se pensa que toda essa gente é capaz de deixar morrer um filho, um progenitor, um conjugue, só porque proíbe os serviços médicos de lhes aplicarem a transfusão de sangue, que lhes poderia salvar a vida, começamos a compreender o quão perigosos podem ser.
Não o serão na mesma dimensão dos católicos, que queimavam judeus nas fogueiras da Inquisição ou dos jiadistas orgulhosos dos pescoços cortados em frente às câmaras, mas não deixam de implicar o seu rol de vítimas mortais.
Olhe-se para todo o planeta e são muitos os países europeus, africanos e asiáticos onde é particularmente perigoso não integrar a religião dominante. E é terrível o efeito devastador do proselitismo de certos fanáticos - que se designam como «missionários» ou «pregadores» - que envenenam as consciências alheias e as fazem tomar propósitos assassinos até então em si desconhecidos.
Um bom exemplo deste perigo verifica-se no Uganda onde três norte-americanos ligados à sua mais reacionária direita religiosa foram proferir dezenas de conferências, que estão a ter um profundo impacto no agravamento da legislação contra a homossexualidade, fazendo com que qualquer réu a quem seja imputada tal acusação tenha por sentença certa a condenação à morte. Um deles, Scott Lively é o autor de um vómito em forma de livro («The Pink Swastika») em que atribui aos homossexuais a invenção do nazismo e dos seus atos mais atrozes.
Sei que é utópico, mas espero ver alcançado um patamar civilizacional onde a superstição - religiosa ou esotérica - tenha sido reduzida à sua dimensão anedótica...

Não é defeito, é feitio!

Este fim-de-semana, na Convenção Regional do PS em Portimão, António Costa insurgiu-se contra a forma como passos coelho mostra “total indiferença e desfaçatez sobre a vida das pessoas que sofrem, e sobre as quais fala”.
Continua a ser um mistério perceber o que ainda falta para que o ainda primeiro-ministro seja brindado com manifestações de repúdio em que seja a palavra «mentiroso» a que melhor se adequa à sua personalidade.
Aqueles que promoveram movimentos de professores e de outros setores facilmente mobilizáveis pela sua propaganda para, nos tempos do governo anterior, utilizarem abundantemente esse desqualificativo, mostram-se agora bastante moderados na forma como prosseguem a sua atividade protestatória.
E, no entanto, ao longo destes quatro anos, passos coelho tem sido fértil em mentiras, sobretudo quando sente aproximarem-se as datas de consulta às urnas. Não admira que lhe tenha dado novamente uma aguda e intensa propensão para aquilo que já não é defeito, mas óbvio feitio.
Perante o autêntico insulto à inteligência de quem o ouviu na Assembleia da República, passos coelho asseverou nada ter implementado que prejudicasse os mais desfavorecidos. Para lhe “clarear a memória” lembrou António Costa: “O rendimento social de inserção [RSI] foi cortado em 44% às crianças. (…) Uma pessoa recebia no máximo 189,5 euros de RSI. Qualquer outro adulto da família recebia até 70% disso e cada criança até 50%. Em 2012, o Governo reduziu o valor máximo para 178,15 euros. Qualquer outro adulto da família passou a receber até 50% disso e cada criança até 30%.”
E o que dizer das 170 mil pessoas que perderam esse RSI? De um dia para o outro terão passado a viver tão bem, que deixaram de dele necessitar? Só passos coelho acreditaria na possibilidade de nos fazer crer em tal “milagre”.
Noutra patranha que tem utilizado regularmente, passos coelho nega ter mandado os jovens para a emigração e até se gabou de irlandeses e espanhóis terem optado muito mais por essa aparente solução.
António Costa tratou de lhe fazer o desenho, que o desmascara: “A emigração na Irlanda aumentou 7%, na Espanha 32% e em Portugal 126% (…) Mas que contas são essas, senhor-primeiro-ministro?”,
Perante a velha estratégia de repetir uma mentira mil vezes para que alguns ingénuos nela acreditem, importa denunciar sem tréguas o desvario sem escrúpulos da coligação da direita desiludindo-a da alucinação de evitar a tremenda derrota, que merece!

sábado, 20 de junho de 2015

Querem tomar-nos por parvos!

Uma das vigarices que foi vendida pelo (des)governo para iludir os portugueses quanto às vantagens da venda da TAP foi a de se chegar a um ganho adicional com a privatização se o resultado operacional pudesse alcançar proximamente os 280 milhões de euros. Algo que jamais foi atingido na longa história da companhia, nem mesmo em circunstâncias mais favoráveis.
Chegou-se a um tal descalabro ético por parte dos que integram o executivo de passos coelho, que já nem preocupação existe em disfarçar o que já todos compreenderam ter-se tratado de um processo mais do obscuro. 

Eppur si muove ... na Justiça em Portugal

Do longo acórdão subscrito pelo juíz desembargador José Reis a respeito do recurso recusado esta semana no Tribunal da Relação, a sua conclusão sintetiza o carácter ilícito da situação em que se encontra José Sócrates: Não se pode justificar a excecional complexidade com a indicação, de forma desgarrada e difusa, de uma enxurrada” de factos [alguns de muito duvidosa relevância criminal] e a omissão de outros que são nucleares”.