domingo, 30 de junho de 2019

O combate entre a Civilização e a bestialidade


Esta foi uma semana em que poucos terão passado ao lado da terrível fotografia de Oscar e Valeria enlaçados junto à margem do Rio Grande depois de nele se terem afogado. Seguiu-se a discussão entre quantos acharam ser inaceitável que, mesmo pelos melhores motivos, se publicasse uma imagem tão insuportável e quantos consideraram legítima a sua utilização como forma de expor a desumanização de Trump, Salvini & Cª, efetivos responsáveis pelas inúmeras e quotidianas mortes de quem apenas procura melhor forma de se sustentar e dar futuro aos filhos.
Confesso a minha inicial reserva sobre a publicação da macabra imagem, mas cheguei ao fim-de-semana definido sobre qual a opção mais correta, sobretudo ao ver um energúmeno a dela dizer cobras e lagartos, elogiando os métodos do pseudo Mussolini italiano e dos países do leste europeu, logo procurando causar medos primários sobre um suposto afluxo de latino-americanos à Europa como resposta à eficácia trumpiana em impedi-los de chegar ao território norte-americano. Aconteceu essa odiosa prestação na edição de sábado do «28 minutes» no canal ARTE com a representante da Amnistia Internacional e a escritora Leila Slimani a quase não conseguirem conter a indignação com o que ouviram, só faltando que se levantassem e lhe dessem merecida coça.
Estamos numa época em que os Direitos Humanos continuam a ser desrespeitados e não há como impedir gente eleita por eleitorados mentecaptos de os espezinhar continuamente. Por isso mesmo é necessário chocar, confrontar quem vota em criminosos com as consequências das suas escolhas. Dando-lhes os rostos das vítimas, quando ainda se alimentavam de vãs esperanças e não podiam imaginar quanto seriam trágicos os seus súbitos desenlaces. Talvez nalguns soe um rebate de consciência e sintam o imperativo humanista iluminar-lhes a turva mente. Porque só recuperando os valores da fraternidade, da solidariedade, aliados aos da liberdade e igualdade, se conseguirá devolver à espécie humana a expetativa de uma sociedade verdadeiramente civilizada...

quinta-feira, 27 de junho de 2019

O que custa remediar o que estragado ficara


Não é preciso fazer estudos de engenharia para retirar da observação da realidade uma conclusão de senso comum: destruir algo é fácil, recuperá-lo ou restaura-lo custa muito mais. Sendo assim os quase quatro anos e meio de que Passos Coelho e Paulo Portas dispuseram para, com a conivência de Cavaco Silva, destruírem o país, não se compadecem com os três e meio já assumidos pelo atual governo para recompor os cacos em que deixaram muitos setores da economia, mormente os que decorriam do setor público por eles entendido como inimigo a abater.
Não se podem aceitar as alegações dos defensores desse tenebroso passado quanto a já ter havido tempo para remediar o que quase ficou irrecuperável. Na Saúde só agora foi possível devolver a dimensão orçamental praticada quando era Sócrates o primeiro-ministro. E nos transportes andam-se agora a reabrir  as oficinas da CP em Guifões para aumentar a capacidade de manutenção e reparação das carruagens necessárias para melhorar o serviço prestado por uma empresa pública que, por vontade de Passos & Portas, estaria entregue atualmente ao setor privado. Com sentido estratégico o governo acaba, igualmente, de anunciar a intenção de fazer nessas recuperadas oficinas a montagem dos 22 novos comboios, entretanto encomendados. Não será difícil crer que, depois de terem sabotado o transporte ferroviário para melhorarem as condições em que os privados os pudessem adquirir, Passos & Portas tenham o desgosto de o ver valorizado nos próximos anos retirando-lhes razões para continuarem a bater-se pela sua privatização.
Noutra área da governação, a da Segurança Social, também se anda a recuperar o descalabro em que o governo anterior a deixou, com a redução drástica do seu número de trabalhadores. Agora são tratados diariamente 850 pedidos de pensões e o número dos que estão à espera de decisão diminuiu para 42 mil.
Não é só no que depende do Estado, que a situação tende a melhorar. Do sector privado veio a notícia da rendição da Corticeira Fernando Couto ao reintegrar Cristina Tavares, a operária que despedira depois de odioso assédio moral. É por sentirem que os tempos não lhes correm de feição, que os patrões das empresas privadas andam a mostrar-se menos execráveis, porventura pensando que lá virão (para eles) melhores dias.
Esperemos que aguardem sentados por muito tempo porque é tempo de recuperar o Humanismo como valor fundamental a ser respeitado a nível global, seja com os refugiados salvos do Mediterrâneo, e que o horrendo Salvini desejaria ver afogados em vez de lhe baterem à porta, seja contra Trump a quem a candidata democrata Kamala Harris inculpou pela morte de Martinez Ramirez e da sua filha Valeria bem como de todos quantos estão a sucumbir às nefandas restrições para alcançarem os Estados Unidos.  A recuperação da importância da dignidade, das aspirações e capacidades humanas em detrimento dos interesses dos monopólios e outros titereiros do capitalismo selvagem, constitui a maior prioridade dos tempos atuais.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Bofetadas inesperadas e falácias em prol do ensino privado


Esta manhã estava na veterinária para que me vacinasse o gato e, na sala de espera, a televisão estava ligada para a SIC Notícias. O tema tinha a ver com os tempos de espera nas lojas do cidadão e era um fartar vilanagem entre o locutor de serviço e Paulo Baldaia, ambos a aproveitarem todas as oportunidades para cascarem no governo. Até que se ouviu a voz de um espectador do Cadaval que veio dizer o inesperado para os dois: esforçavam-se tanto em maldizer o governo, em acentuar tudo quanto estava mal e, afinal, porque não mostravam o mesmo empenho em valorizar o muito de bom que se está a fazer?
Os dois engasgaram. Sentiram-se incomodados mas logo prosseguiram por diante. É que, de facto, as televisões primam por só enfatizarem o que ainda é problema, sem darem a devida importância ao que se está a resolver.
Por exemplo, na Investigação Científica em que Portugal gastou mais 168 milhões de euros em 2018, segundo os resultados do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, onde se acrescenta ter a despesa total correspondido a 1,37% do PIB. É claro que a comunidade científica precisa de bem mais e só assim cumprirá o desígnio planeado por Mariano Gago para transformar o país num efetivo protagonista na conceção e criação das mais avançadas tecnologias nos anos vindouros. Mas, depois dos cortes decididos por Passos Coelho nos quatro lamentáveis anos de desgovernação, o que o atual executivo faz tem muitíssimo valor.
Risível é, por outro  lado, um estudo encomendado pela Fundação da Sonae, que conclui sobre a quase exclusiva entrada para os cursos universitários de maior prestígio pelos estudantes oriundos das famílias mais favorecidas. Deveras? Foi preciso fazerem um estudo científico para chegaram a tão óbvia conclusão?
E, no entanto, ele deu o pretexto ao diretor do «Público» para vir a terreiro defender o ensino privado. Senão atenhamo-nos ao seu editorial: «Acreditar que o sistema público de ensino seja capaz, por si só, de resolver o problema da igualdade de oportunidades é uma utopia que o tempo e a realidade se encarregaram de provar. Mas se é impossível apagar os efeitos que a pobreza, a desestruturação das famílias ou  a iliteracia deixam nos alunos com menores índices de aproveitamento escolar, estes são dois  temas que a  escola pública e o Estado tinham o dever de debelar.»
O argumentário de Manuel Carvalho  é mais do que falacioso. Ele não ignora que a divisão da sociedade em classes de rendimentos desiguais cria efeitos correspondentes em todas as vertentes da sociedade, mormente no acesso à educação. Não basta mudar o ensino público, porque é da aproximação da sociedade a um modelo socialista, que decorrerá a alteração do que o estudo em causa vê como negativo.
No Chile o governo neopinochetiano quis privatizar todo o ensino para perenizar o sistema elitista de só os filhos dos ricos chegarem às mais prestigiadas universidades, remetendo os dos pobres para graus de educação, que nunca lhes permita ascender socialmente. Era essa a razão porque as direitas tanto se bateram pelos subsídios do Estado aos colégios privados que, conclui-se agora, encerram na sua grande maioria por terem constituído um obsceno sugadouro das receitas do Estado não demonstrando capacidade para alcançarem verbas suficientes para se sustentarem às próprias custas. E com o inconveniente de prepararem os petizes de acordo com os conservadoríssimos preceitos dos seus proprietários, muitos deles ligados aos setores mais reacionários da Igreja Católica.
Ao denegrir o ensino público Manuel Carvalho anseia pela oportunidade de trazer de volta a guerra perdida pelas direitas em 2016. Mesmo não tendo ilusões quanto ao facto de só com a improvável derrota das esquerdas nas legislativas ressurgirem as condições para reacender essa chama...

Uma eloquente resposta antinazi


Ou estive distraído ou a notícia não chegou aos jornais e televisões nacionais embora mereça ser referenciada: em Ostritz, pequena cidade alemã oriental, um festival de rock neonazi foi sabotado de forma inteligente pela ação conjunta das autoridades policiais e da população local. Ficou posta em causa a intenção dos simpatizantes hitlerianos em replicarem a estratégia dos admirados antecessores, que conseguiram chegar ao poder ao som de marchas patrióticas e de muito álcool.
Na sexta-feira a polícia apreendeu 4200 litros de cerveja e outros 200 litros no sábado. Por seu lado os moradores compraram as 200 caixas remanescentes nos supermercados da cidade. Segundo um ativista o plano de boicote ao festival foj organizado com uma semana de antecedência impedindo os neonazis de acederem a bebidas alcoólicas durante o evento. E para darem as «boas vindas» aos forasteiros afixaram cartazes com imagens de excrementos, que proclamaram como sinónimos do tipo de ideias por eles assumido.
O resultado foi eloquente: enquanto no ano passado haviam comparecido 1200 energúmenos, desta feita eles não chegaram a seiscentos.
E tão-só saíram da cidade com o rabo entre as pernas logo ali se iniciou um contra festival tendo a integração dos refugiados e a convivência inter-racial como leitmotiv e cerveja obviamente à descrição.
Muito pudesse ser mais consequente uma proibição efetiva das atividades da extrema-direita há que ponderar se a resposta dada pelos habitantes de Ostritz não terá revelado maior eficácia para o futuro...

terça-feira, 25 de junho de 2019

A celebração de uma nova «escritora»


Poupar-se-iam alguns eucaliptos, com efeitos benéficos para o ambiente, se os editores evitassem a edição de alguns livros cujo desiderato próximo será o de acabarem numa unidade de reciclagem de papel ou, pior, nalgum aterro sanitário. É o que sucederá ao livro agora lançado por Assunção Cristas com pompa e circunstância, mas a cujo publicitado evento compareceram apenas alguns indefetíveis fiéis, entre os quais o inevitável Pedro Mexia.
Houve também quem se juntasse à festa por acreditar na possibilidade de o tempo voltar para trás. Sabe-se que não, mas Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque prendem-se a tal ilusão, que implicaria recauchutarem pretéritas coligações com a novel «escritora».
Parece que o otimismo foi a tónica do discurso da festejada. Compreende-se! A tão breves semanas das legislativas, e com as sondagens a preverem reiterado desastre, só a patética imitação do montypythoniano cavaleiro, que prometia chacinas dos inimigos enquanto ia perdendo os braços ou as pernas, pode valer a Cristas antes da inevitável demissão. Calou-se quanto a ver-se primeira-ministra, mas valem-lhe as esperanças alimentadas pelo seu pensamento mágico. Ou as mentiras descaradas, porque não é que afiançou jamais ter posto em causa o otimismo de António Costa? Como disse?

Os patatis e os patátás de uns atrevidos bitaiteiros


Marcelo não gostou dos números do INE sobre o excedente orçamental de 0,4% do PIB nos três primeiros meses do ano, mesmo fingindo que sim. Ele bem sabe como tais indicadores funcionam como estímulos no eleitorado para reconduzir os socialistas no comando da governação, reduzindo-o à função de corta-fitas e de selfieman. Por isso veio lesta a alfinetada, que todos os telejornais interpretaram como tal. Que sim, os números eram bons, blá-blá-blá, mas Marcelo avisava o governo sobre patati-patatá...
À noite, na TVI, Centeno deu-lhe o troco. Já a formiguinha tem catarro? Que sabe Marcelo dos mistérios dos números com que os responsáveis pela Economia e pelas Finanças lidam no dia-a-dia? Como se atreve a debitar uns bitaites sobre o que ignora totalmente?
Felizmente que o Ministro é um homem cordato, porque outros, mais emotivos, saberiam bem para onde mandarem o atrevido.
Não foi só Marcelo quem levou para contar. Pior terá ficado o ex-analista do FMI, Olivier Blanchard, a quem, nos últimos dias, os his master’s voice da imprensa nacional deram imerecido palanque para emitir umas larachas sobre a situação portuguesa. Do que dele ouviu veio outro ignaro do assunto, Miguel Sousa Tavares, repescar requentados argumentos julgando-os adequados para enlear Centeno. O instante seguinte lembrou o dos carneiros, que vão à tosquia: o insolente enfiou o dito cujo entre as pernas e lá foi pregar para outra freguesia.
As aparições de Centeno nas televisões saldam-se sempre pelo mesmo resultado: a competência do ministro é tão evidente, que os ambiciosos interlocutores veem-se obrigados a bater em retirada a lamberem as feridas. Só espanta o masoquismo com que vão dando o corpo ao manifesto sabendo o troco com que regressam da peleja.
Lá diz o ditado popular: quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão. Marcelo e Sousa Tavares dão mostras de o esquecer...