quarta-feira, 26 de junho de 2019

Bofetadas inesperadas e falácias em prol do ensino privado


Esta manhã estava na veterinária para que me vacinasse o gato e, na sala de espera, a televisão estava ligada para a SIC Notícias. O tema tinha a ver com os tempos de espera nas lojas do cidadão e era um fartar vilanagem entre o locutor de serviço e Paulo Baldaia, ambos a aproveitarem todas as oportunidades para cascarem no governo. Até que se ouviu a voz de um espectador do Cadaval que veio dizer o inesperado para os dois: esforçavam-se tanto em maldizer o governo, em acentuar tudo quanto estava mal e, afinal, porque não mostravam o mesmo empenho em valorizar o muito de bom que se está a fazer?
Os dois engasgaram. Sentiram-se incomodados mas logo prosseguiram por diante. É que, de facto, as televisões primam por só enfatizarem o que ainda é problema, sem darem a devida importância ao que se está a resolver.
Por exemplo, na Investigação Científica em que Portugal gastou mais 168 milhões de euros em 2018, segundo os resultados do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, onde se acrescenta ter a despesa total correspondido a 1,37% do PIB. É claro que a comunidade científica precisa de bem mais e só assim cumprirá o desígnio planeado por Mariano Gago para transformar o país num efetivo protagonista na conceção e criação das mais avançadas tecnologias nos anos vindouros. Mas, depois dos cortes decididos por Passos Coelho nos quatro lamentáveis anos de desgovernação, o que o atual executivo faz tem muitíssimo valor.
Risível é, por outro  lado, um estudo encomendado pela Fundação da Sonae, que conclui sobre a quase exclusiva entrada para os cursos universitários de maior prestígio pelos estudantes oriundos das famílias mais favorecidas. Deveras? Foi preciso fazerem um estudo científico para chegaram a tão óbvia conclusão?
E, no entanto, ele deu o pretexto ao diretor do «Público» para vir a terreiro defender o ensino privado. Senão atenhamo-nos ao seu editorial: «Acreditar que o sistema público de ensino seja capaz, por si só, de resolver o problema da igualdade de oportunidades é uma utopia que o tempo e a realidade se encarregaram de provar. Mas se é impossível apagar os efeitos que a pobreza, a desestruturação das famílias ou  a iliteracia deixam nos alunos com menores índices de aproveitamento escolar, estes são dois  temas que a  escola pública e o Estado tinham o dever de debelar.»
O argumentário de Manuel Carvalho  é mais do que falacioso. Ele não ignora que a divisão da sociedade em classes de rendimentos desiguais cria efeitos correspondentes em todas as vertentes da sociedade, mormente no acesso à educação. Não basta mudar o ensino público, porque é da aproximação da sociedade a um modelo socialista, que decorrerá a alteração do que o estudo em causa vê como negativo.
No Chile o governo neopinochetiano quis privatizar todo o ensino para perenizar o sistema elitista de só os filhos dos ricos chegarem às mais prestigiadas universidades, remetendo os dos pobres para graus de educação, que nunca lhes permita ascender socialmente. Era essa a razão porque as direitas tanto se bateram pelos subsídios do Estado aos colégios privados que, conclui-se agora, encerram na sua grande maioria por terem constituído um obsceno sugadouro das receitas do Estado não demonstrando capacidade para alcançarem verbas suficientes para se sustentarem às próprias custas. E com o inconveniente de prepararem os petizes de acordo com os conservadoríssimos preceitos dos seus proprietários, muitos deles ligados aos setores mais reacionários da Igreja Católica.
Ao denegrir o ensino público Manuel Carvalho anseia pela oportunidade de trazer de volta a guerra perdida pelas direitas em 2016. Mesmo não tendo ilusões quanto ao facto de só com a improvável derrota das esquerdas nas legislativas ressurgirem as condições para reacender essa chama...

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