terça-feira, 18 de junho de 2019

As receitas imperialistas continuam a ser as mesmas


Há trinta e cinco anos vivi de perto a guerra irano-iraquiana no Golfo Pérsico, quando era tripulante dos petroleiros da Soponata, que iam carregar ramas aos portos da região. Porque vários navios haviam sido bombardeados junto à linha de água, íamos acautelados com um seguro de vida substancial para garantir a subsistência das famílias acaso ocorresse o pior e navegávamos teoricamente protegidos por alguns navios de guerra sauditas incumbidos de nos fazerem chegar em segurança ao terminal de Ras Tanura.
Aqueles dias em que entrávamos no estreito de Ormuz e percorríamos as águas do golfo Pérsico eram de alguma tensão a bordo com os Engenheiros Chefes a decidirem que os Oficiais e os Fogueiros não passassem muito tempo na casa das máquinas porque, a qualquer momento, poderíamos ser confrontados com o pior e de poucos minutos dispormos para arrearmos as baleeiras e nelas escaparmos. Fazíamos uma espécie de condução semiatendida, porque, de hora a hora, um de nós descia até à casa de controle, verificava o estado das pressões e temperaturas das máquinas principais e auxiliares, aferia os níveis nos diversos tanques de combustível, de óleo e de água, e procedia a uma verificação rápida de todos os equipamentos com particular atenção para a necessidade, ou não, de proceder ao esgoto das águas acumuladas nas cavernas.
Felizmente que nenhum navio português esteve envolvido em qualquer incidente, mas a experiência deu para perceber os riscos geoestratégicos inerentes à atividade dos trabalhadores marítimos mercantes. Na altura compreendemos melhor o que sentiam aqueles nossos antecessores, que haviam navegado no Atlântico durante a Segunda Guerra Mundial e não adivinhavam quando poderiam ter algum mau encontro com um submarino alemão.
O que se está a passar atualmente no golfo de Omão não é surpresa sabendo-se a vontade de John Bolton e Mike Pompeo em convencerem Trump dos benefícios de uma guerra contra o Irão. Dão satisfação aos interesses do complexo industrial-militar, que bem sabemos quanto condicionam a política norte-americana há pelo menos seis décadas, quando Eisenhower alertou para os riscos de o deixar agir sem freio.  Mas existe, igualmente, o interesse saudita em que passe para segundo plano a condenação internacional do seu príncipe herdeiro, que ninguém duvida ter sido o cérebro por trás do horrível crime cometido contra o jornalista Jamal Khashoggi. Ora nada melhor do que uma guerra que volte a integrar o reino wahhabita numa coligação ocidental contra os diabolizados ayatollahs. E os ingleses já se apressaram a servir de dama de honor para o casamento entre norte-americanos e os seus melhores clientes em aviões e outro material de guerra.
O problema para Trump e Mohammad bin Salman é que a comunidade internacional está a mostrar-se pouco convencida com os seus argumentos: depois das armas de destruição maciça, que Blair, Barroso e outros crédulos afiançaram existir em 2002, ou do incidente do golfo de Tonquim que, em 1964, justificou o investimento maciço dos norte-americanos no Vietname, há poucos tontos dispostos a servirem de idiotas úteis às mentiras da Casa Branca e do Pentágono.
Muito embora Trump não tenha qualquer sensatez, esperemos que a pressão conjunta da União Europeia, da Rússia e da China baste para lhe tolher a vontade em comportar-se como um cowboy. Até porque, ao contrário de Clinton ou de Obama, que foram tão falcões como Reagan ou os Bush, contam com uma América menos assertiva perante a possibilidade de novos conflitos internacionais.

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