segunda-feira, 30 de julho de 2012

O declínio da Europa


Num dia em que faltaram notícias ou opiniões de interesse, vale a pena olhar para outubro do ano transato, quando o jornalista Fernando Sobral publicou o artigo «A Revolução está nas Ruas?» no «Jornal de Negócios. Texto que permanece quase inteiramente atual na sua pertinência, ao abordar a menoridade para que caminha a Europa, quando potências emergentes ganham espaço nas rotas do comércio mundial:
É sobretudo do declínio da Europa que se fala. De pouco crescimento e de cada vez mais desemprego. De cada vez menos Estado Social. Do cada vez maior envelhecimento da população europeia. Da falta de um modelo para o Velho Continente, cada vez mais encolhido entre os países emergentes e uns Estados Unidos, que se preparam para regressar como potência política, económica, militar e cultural. O fim da época em que Hollywood se refugiou na Banda Desenhada está próxima. E a Europa acomoda-se a viver mais pobre, mesmo que a classe política não consiga explicar isso aos seus cidadãos.
De facto, de Durão Barroso a Passos Coelho, os políticos europeus não têm uma única ideia consistente para infletirem o rumo do continente. Incapazes de se abstraírem das estafadas receitas neoliberais, vão reincidindo nos erros sem compreenderem como os verem na origem dos resultados desastrosos verificados em todos os indicadores macroeconómicos disponíveis.


Parte do problema é essa: como explicar aos votantes que a sua vida vai continuar a degradar-se? Em Londres não é preciso irmos muito longe para percebermos esse lento deslizar: no Marks & Spencer  há cada vez mais refeições rápidas e baratas, para tudo e para todos. Há comida italiana, indiana, chinesa, japonesa. As  pessoas, antes de entrarem no comboio da estação de Victoria, enchem o saco. Muitos não conseguem viver no centro porque é caro. Muitas profissões, de polícias a enfermeiros, buscam sobretudo lugar compatível nos arredores para não terem de pagar os caros transportes. As lojas estão quase sempre em saldo. Mas também aí se percebe que a época da roupa barata e razoável, que vinha da China e outros países da Ásia, está a terminar. O que é mais barato é simplesmente mau. Um novo modelo económico e de vida está a nascer das cinzas da primeira fase da globalização. E a Europa ainda não parece ter entendido.
Como de costume nos textos de Fernando Sobral o diagnóstico é correto, mas falta o grão de asa de dele partir para o anúncio do que se segue. E aqui há duas possibilidades diametralmente opostas: ou a instituição de uma ditadura financeira comandada pelos fortalecidos oligopólios para tal representados por políticos oportunistas e sem escrúpulos. Ou uma revolução democrática, que devolva ao Estado o papel de regulação de que nunca se deveria ter demitido.
Não é preciso aqui anunciar para qual delas vai a nossa preferência...

Livro: «Rio de Sangue» de Tim Butcher (1)


O blogue tem vivido muito de textos alheios lidos em jornais e cuja divulgação poderá ajudar a entender melhor as tendências por que se move a realidade.
Iniciamos, agora, idêntico propósito com livros que, de algum modo, possibilitem o aprofundamento desse objetivo.
Como sempre deveremos ter no conhecimento a ferramenta indispensável para melhor nos tornarmos protagonistas de uma época em que convém aos poderosos, que nos limitemos ao papel de espectadores.
O livro escolhido para iniciar este propósito foi escrito há cinco anos por Tim Butcher, então correspondente do «Daily Telegraph» em África, e teve por tema a odisseia a que meteu ombros ao imitar uma das mais famosas expedições britânicas do último quartel do século XIX: a de Stanley por um trajeto entre as margens do Lago Tanganica e a foz do rio Congo. O título: «Blood River».
Mais do que uma aventura, a proposta de Butcher permitiu-lhe descrever as realidades sociais, políticas e económicas explicativas do tremendo caos em que se converteu tal região.
E, muito embora, a realidade africana nos pareça ainda mais distante neste tempo de obsessões com a crise das dívidas soberanas europeias, a essência globalizada do mundo de hoje não a dissocia, mesmo que colateralmente, de quanto vamos vivendo.
Por outro lado o relato de Tim Butcher também encontra eco em experiências pessoais, quando me vi preso numa enxovia de Douala, na Costa do Marfim, por um caso de recusa ingénua de alinhamento com os esquemas de corrupção locais, ou quando me vi obrigado a fugir do mercado ao ar livre de Ponta Negra, no Congo Brazaville, para evitar o assalto de um grupo disposto a cercar-me conjuntamente com o outro colega branco, que aí me acompanhava na compra de um sobressalente necessário ao navio aonde então era oficial.
Dois momentos, que poderiam ser acompanhados de outros igualmente emocionantes, que deram para perceber quanto é fácil em África sentirmo-nos completamente desprotegidos face a um ambiente em que a regra principal é não existir qualquer regra em que confiar.
Coragem é um atributo, que não falta ao jornalista inglês, quando decide iniciar a viagem: os primeiros exploradores que se aventuraram pelo Congo, no século XIX, levaram com eles pequenos exércitos, equipados com as mais recentes armas de fogo europeias e os melhores medicamentos para enfrentarem o ébola, a lepra, a varíola e outras doenças endémicas mortais. No meu caso, a única proteção que levava comigo era um canivete e uma embalagem de toalhetes de bebé. (pág. 13)´
Começa em Kalembe, no leste do Congo, cidade portuária nas margens do Tanganica, que ele descreve como destroço doentio situado no país mais assustador e mais atrasado à face da Terra. A mais de três mil quilómetros de distância da costa atlântica aonde conta dar por finalizada a sua experiência.

domingo, 29 de julho de 2012


Foi um dos flops desta semana: esperava-se que se chegasse a um acordo sobre o comércio de armas convencionais na ONU. Mas os suspeitos do costume - Coreia do Norte, Irão, Síria, Estados Unidos, China, Rússia - além de outros não tão óbvios (Índia, Indonésia e Egito) fizeram-no fracassar.
A propósito desta lamentável derrota, diz o editorial do «Público»: o negócio de armas convencionais, as que alimentam as guerras mas também matam milhares em cidades ou subúrbios sem guerra alguma, continuará sem regras nem freios.
Internamente uma notícia não muito surpreendente foi a da liderança de Alexandre Soares dos Santos como o mais rico português. Pudera: quem esmifra fornecedores e produtores, explora sem pudor os seus empregados e vende ao mais elevado preço possível tudo quanto coloca nas prateleiras do «Pingo Doce» - sem, pelo meio, fabricar o que quer que seja, porque o único objetivo é potenciar o negócio de intermediário, pode assim mais do que sextuplicar a fortuna de 330 milhões de euros já declarada em 2004.
Outra história da semana finda, e abordada na edição de hoje do «Público», foi a da carta de Paulo Portas aos militantes em que volta, uma vez mais, a virar os trabalhadores do setor privado contra os funcionários públicos. Comenta o politólogo António Costa Pinto, que os principais partidos, quando chegam ao poder e sentem um resvalar do apoio social, usam esta técnica para tentar encontrar clusters de apoio às suas políticas. (…) Há uma cultura de guerra de invejas que costuma ser usada e que dá frutos.
A concluir retenhamos alguns aspetos mais interessantes da crónica de Frei Bento Domingues, ainda no mesmo jornal, e subordinada ao tema »Pão para todos». Não tem a truculência de D. Januário Torgal, mas assume-se como mais uma voz da Igreja Católica contra este estado das coisas: A gentinha que reina na política europeia, servida por troikas iluminadas, vai continuar a fingir que acredita nas receitas ideológicas de um capitalismo financeiro desenfreado, para o qual as pessoas são um aborrecimento. A pior das corrupções políticas é a difusão de um veneno como se fosse um remédio milagroso.
Mais adiante, o articulista apresenta alguns factos elucidativos quanto a uma distribuição cada vez mais desigual da riqueza produzida a nível mundial:
· nos paraísos fiscais, onde se aloja, 17 biliões de euros ou o equivalente ao PNB dos EUA e do Japão, não há crise.
· neste momento, 1,4 mil milhões vive atualmente com cerca de 1 euro por dia ou menos; 1,5 mil milhões de pessoas no mundo não têm acesso à eletricidade e 2,5 mil milhões não têm tratamento de esgotos. Quase mil milhões passam fome.
· as três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores a toda a riqueza dos 48 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas;
· 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza do que 3 biliões de pessoas, o que equivale a 45% da humanidade.
· Resultado: 1,2 biliões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria.
A concluir: estamos a chegar ao fim da matriz energética baseada em produtos fósseis - petróleo, gás e carvão -,  o que obriga a procurar fontes alternativas e limpas e, mesmo assim, serão insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização.

sábado, 28 de julho de 2012

O topete desta gente é infinitamente grande!

A tomada de posse do atual Governo foi há pouco mais de um ano. Muito embora os portugueses sintam ter sido há já uma eternidade, tão violentos têm sido os efeitos da sua ação junto da maioria, não só dos que votaram contra ele, mas também a seu favor.
Essa sensação de isolamento não resulta apenas da quase impossibilidade de ver os seus ministros a comparecerem em cerimónias públicas, pela certeza de serem enxovalhados com insultos. Porque os cidadãos já não se limitam a repudiar as políticas erradas, mas também os compadrios que levam os Catrogas, os Borges e os Arnauts a prebendas ignominiosas, sem falar das trapalhadas sempre associáveis a esse exemplo de falta de quaisquer escrúpulos em que se transformou Miguel Relvas.
Daí que o dossier RTP, que ele pretende concluir aceleradamente antes de arrumar os papéis e regressar aos negócios obscuros, deve ser travado com determinação, porque como diz Daniel Oliveira no «Expresso» serei, até ao último segundo, contra a privatização de um canal da RTP porque serei contra a venda de um lápis que seja se o vendedor do que é meu for Miguel Relvas. E nem preciso de explicar porquê. Todos sabem o que lhe falta. Até ele.
Embora muitos comentadores mediáticos ainda se esforcem por justificar o injustificável, vão crescendo as vozes que dizem, preto no branco, o que já possui a evidência de um dogma.
É o caso de Fernanda  Câncio no «Diário de Notícias»: Para um primeiro-ministro que, com um ano de mandato, já logrou a proeza de ter falhado em tudo aquilo a que se propôs, com primazia para "o acerto das contas", que desdisse tudo o que era o seu discurso pré-eleições, cuja principal medida orçamental para este ano e seguintes é ilegal e que se depara dia após dia com o efeito da descredibilização, o fechamento na retórica providencial, que é também e sobretudo uma forma de vitimização, parece ser o último recurso.
Mas, ciente do fracasso iminente de tudo quanto vem defendendo, Passos Coelho, Portas e Cª vão, segundo Carvalho da Silva no «Jornal de Notícias», aumentando as advertências de que se as coisas correrem mal noutros países e no plano europeu, eles não podem responder pelo insucesso das políticas que nos vêm impondo. Ora, não têm faltado alertas e os chamados fatores externos são exatamente o resultado de "os outros" estarem a fazer as mesmas políticas que nós.
Só subsiste uma dúvida: qual será a reação dos líderes do PSD  e do PP quando, face à realidade incontornável, que já arrasta os países do norte da Europa para o vórtice da crise, estes decidirem libertar-se dos seus axiomas ideológicos e apostarem nas soluções apresentadas pelos mais sensatos dos seus senadores, como reflete o texto do quase sempre pessimista Viriato Soromenho Marques: A economia germânica está a declinar pelo sexto mês consecutivo. A capacidade de exportar está a cair, não só para a Zona Euro, devido à austeridade, como para a China, devido à desaceleração da economia de Beijing.
Se isso vier a suceder, irão Passos, Portas & Cª arriscar a mentira de sempre terem sido contra a austeridade e defendido o crescimento criador de emprego?
Não espantaria: o topete desta gente é infinitamente grande!


"Avejão" - AVIS RARA - Gaiteiros de Lisboa

sexta-feira, 27 de julho de 2012


Depois de duas semanas de ausência o «Ventos Semeados» regressa com maior vitalidade e na expetativa de contribuir para estimular a capacidade de indignação de quem o lê para com as políticas seguidas pelo atual Governo de marionetas comandado pela odiosa troika.
Essa vitalidade resulta do efeito regenerador do descanso, da descoberta de outras gentes e outros locais. Que é fundamentalmente uma necessidade e não um luxo como o entende o discurso político preponderante.
Um direito que os mais recentes indicadores do Instituto do Planeamento e Desenvolvimento do Turismo (IPDT) reconhece estar vedado à maioria dos cidadãos: ali se reconhece que mais de metade dos portugueses não vai gozar férias este Verão. E da minoria que vai fazer férias, metade ficará em casa.
Ou seja, só um quarto dos portugueses é que vai realmente de férias. Comparado com 2011, são menos 22% a passar férias fora de casa. E menos 33% do que em 2010.
Tais números levam Daniel Oliveira a escrever no «Expresso», que estamos a viver um evidente recuo civilizacional: Esse recuo mede-se na vida das pessoas.
Na impossibilidade de terem filhos e saberem que lhes podem garantir o mínimo de conforto.
Na incerteza de que haverá um Serviço Nacional de Saúde que garanta apoio médico a todos.
Na lenta destruição de uma Escola Pública que garanta que os filhos dos mais pobres não estão condenados a herdar a condição social dos pais.
Numa precariedade que impossibilita o mínimo de planeamento de vida e que torna certa a inexistência de uma reforma que garanta dignidade na velhice.
E no regresso da ideia de que as pessoas não são mais do que máquinas de produção, peças de um mercado-de-trabalho, e que o descanso, os fins-de-semana e as férias são coisas de privilegiados.
Esta perspetiva sombria encontra eco ainda mais pessimista noutros comentadores avisados. No «Diário de Notícias» escrevem dois deles: Baptista Bastos e Viriato Soromenho Marques.
O primeiro culpabiliza diretamente quem votou em Passos Coelho para primeiro-ministro: presumíamos que, com a democracia, a sociedade melhoraria na forma e no conteúdo. O «homem novo» foi um embuste político, cultural e moral. Tudo piorou, até se chegar à degradação atual. Passos Coelho e o seu Governo são uma consequência direta, não um incidente à espera de acontecer. Fomos nós quem o permitiu. O voto comporta estas surpresas e estas contradições. Mas é o que há.
O segundo não abre espaço para nenhuma esperança para o euro: reina o silêncio dos cobardes na maioria das capitais europeias. O de Lisboa é inqualificável. (…) Por este caminho, este será o último verão da Zona Euro. O último verão antes de uma nova, perigosa e incerta geografia política europeia, cujas dores de parto não pouparão ninguém.
Enquanto aguardamos por formas ainda mais terríveis de pauperização da maioria dos portugueses, sujeitos a desigualdades cada vez mais gritantes em relação aos mais ricos, novas suspeitas de atividades pouco claras rodeiam o inquilino de Belém, quando é o Governo quem decide pelo respetivo genro para ficar com o Pavilhão Atlântico. Apesar da sua aparente má fama junto de numerosos e aflitos credores.
Mas até a legalidade mais inatacável suscita fenómenos indignos, como ocorre com Alexandre Soares dos Santos declarado pela revista «Exame» como o homem mais rico de Portugal.
E, no entanto, ele corresponde á quinta essência do intermediário, que tanta má fama tinha na época do 25 de Abril por constituir o tipo de negociante oportunista, que aperta o mais possível os produtores, os fornecedores e os seus empregados para conseguir as mais elevadas percentagens de lucro junto dos seus clientes.
Embora o retalho garanta muitos dos principais megamilionários a nível internacional, jamais deixará de constituir o paradigma do vale tudo para garantir dividendos maximizados, depois apresentados como resultantes de um qualquer mérito digno de encómios.
Outro exemplo de oportunismo, que age na sombra para dar o golpe na altura certa, é o assumido por Paulo Portas. Sem sujar propriamente as mãos nas decisões políticas mais polémicas do Governo, ele vai deixando, aqui e ali, as críticas aos próprios cúmplices, preparando o momento certo para lhes desfechar o golpe fatal, aquele em que fundamenta esperanças antigas de vir a chefiar os destinos do país.
É isso mesmo que fica implícito nas palavras de Pedro Silva Pereira no «Económico»: A epístola que o líder do CDS e ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros dirigiu esta semana aos militantes populares, por ocasião do 38º aniversário do partido, confirma a estratégia que Paulo Portas escolheu desde o início: estar no Governo com um pé dentro e um pé fora.
Já o disse e repito: a existirem eleições legislativas antecipadas, será o CDS a suscitar a queda do governo em que se coligou ao PSD.
E enfim, a terminar, neste dia cheio de sinais negativos, ainda nos chegaram imagens terríveis da Groenlândia, com os glaciares a quase se fundirem na totalidade em inquestionável  demonstração dos efeitos do aquecimento global.
Andamos tão preocupados com a política e a economia europeia, quando a maior ameaça parece vir do criminoso alheamento das maiores potências mundiais aos efeitos alarmantes da sua busca pelo crescimento dos respetivos PIB’s.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A angústia de um pobre homem acossado


Não fossem as suas responsabilidades no criminoso empobrecimento dos portugueses e Pedro Passos Coelho seria alguém de quem se deveria ter alguma pena.
Senão vejamos: anda um rapaz ambicioso a colar cartazes e a palmilhar o país como jotinha na expectativa de vir a ter um lugar de relevo na história do país e de cuidar das suas contas bancárias e da dos amigos, e logo lhe cai a tarefa de governar nesta altura.
Há um ano estava convicto de nada poder falhar: lera uns livros de autoajuda, participara numas quantas sessões de coaching para se convencer da exequibilidade do seu sonho, contava com um técnico de finanças de certezas e competências inabaláveis e conseguira arregimentar o parceiro da direita, que saíra das eleições mais fraco do que julgara provável.
E afinal aquilo que negara a Sócrates - a responsabilidade das causas externas como razão para as debilidades das contas públicas - acaba por lhe rebentar fragorosamente nas mãos.
Daí para a frente tem sido sempre a piorar: em desespero de causa tenta agarrar-se às calças de Merkel, mas ela é capaz de ter mais afeição por outros animais domésticos. E os resultados prometidos por Gaspar saem sempre desmentidos pela ingrata realidade: é o défice a piorar em relação aos tempos do mal amado antecessor apesar de toda a austeridade, é o desemprego a aumentar mês após mês sem sinal de abrandar, apesar da fuga desesperada de uns quantos para as Áfricas, as Franças e os Brasis, é ainda o seu lugar-tenente desmascarado nas habilidades em que sempre soubera colher proveito e eximir-se às responsabilidades.
Depois, é a imprensa a mostrar-se-lhe desfavorável e os apupos da rua a obrigarem-no a entrar por portas esconsas nos edifícios públicos a visitar.
Por muito que se queira iludir com a suposta eficácia das organizações comunistas e sindicais, o seu semblante carregado demonstra a inquietação de quem se sente demasiado pequenino para a ciclópica tarefa a que quis lançar-se.
Na sua crónica para o «Diário de Notícias», Baptista Bastos repete o que vem dizendo há algum tempo: O vendaval de protestos já não se enquadra, somente, nos partidos políticos. O que pode ser perigoso, como rastilho para acidular ações inorgânicas, com consequências absolutamente imprevisíveis.
A lógica do indistinto afirma uma retórica que tende a fazer desaparecer as referências e a pulverizar as normas.
Não somos, redutoramente, um "país de costumes brandos e hábitos morigerados", como quis e impôs Salazar, com a censura, a polícia política e sicários estipendiados nos serviços e nos órgãos de comunicação social. 
Na sua fraqueza indisfarçável, Passos Coelho bem gostaria de ter disponível uma resposta musculada. É o apanágio dos fracos: sonharem com o silenciamento dos protestos por via das polícias de choque. Daí que, ainda não há muito tempo, mostrasse inveja pelo modelo político constatado em Singapura, cidade-estado há muito dominada por um clã de ditadores. Ou seja, como lembra João Cardoso Rosas no «Diário Económico», uma "democracia de fachada" que procura a sua legitimação pela criação de bem-estar e não mediante o respeito pelas liberdades civis e políticas (mas, como é óbvio, só cria bem-estar para alguns).
Esta mundividência avessa à política democrática tem vários problemas.
Por um lado, revela a debilidade intelectual de quem nos governa e cujas credenciais democráticas são abaladas ao primeiro choque.
Por outro lado, mostra o absoluto irrealismo em que estamos (ou estão) mergulhados: a Europa não é a Ásia e, aqui, a solução para os nossos problemas só poderá ser política e terá de passar pela participação democrática.
Será imprevisível prever quanto tempo este Governo prosseguirá na sua apagada e vil tristeza, tanto mais que as notícias relacionadas com a licenciatura de Miguel Relvas vêm, novamente, colocá-lo na posição do acossado.
E eu, que venho apostando há muito na forte probabilidade de ser Paulo Portas a puxar o tapete ao compincha, constato a preocupação do CDS em se ir demarcando do discurso da austeridade.
Muito embora António José Seguro afiance a displicente preparação de uma alternativa para 2015, achando curial que o governo cumpra inteiramente o seu mandato, será bom que vá preparando o Partido Socialista para retomar as rédeas da nação mais cedo do que esperaria.
Até porque vão surgindo outros indícios eloquentes de estar a preparar-se o fim antecipado deste ciclo: de facto, como se entende o despedimento do casal Moniz/Moura Guedes do «Correio da Manhã», senão como a necessidade dos paulos fernandes começarem a virar a casaca, libertando-se do pesado fardo de quem fora útil para precipitar a queda de José Sócrates? Roma continua, de facto, a não pagar aos assassinos dos seus generais!
Mas, como nem tudo é negativo, o CERN anunciou esta quarta-feira de manhã, em Genebra, a descoberta de uma partícula totalmente nova que pode ser o bosão de Higgs, entidade subatómica cuja procura dura há quase 50 anos.
A ser verdade vivemos hoje a grande data científica do início do século XXI por validar uma das mais controversas explicações da matéria de que é feito o Universo. E comprova-se a efetiva existência dos buracos negros, aonde se concentra parte significativa da massa  libertada pelo Big Bang.
Mas esta descoberta, que é exclusivamente teórica e não é passível de vir a ser rentabilizada em breve sob a forma de uma qualquer patente, está ligada a uma forma de investir no conhecimento inviável desde Setembro de 2008.
Quantos dos investidores nas futuristas instalações científicas de Genebra manteriam essa participação se a decisão fosse tomada hoje em dia?
A injustificada aposta no capitalismo puro e duro poderá interessar bastante às oligarquias financeiras, mas só poderá merecer total desaprovação por quem procura respostas mais avançadas para as grandes interrogações científicas levantadas no século passado.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Tudo no Governo é improvisação


As semanas vão passando  e o fundo do poço a que julgáramos já ter chegado, revela-se-nos de uma profundidade inimaginável e inatingível. Porque, quando já nos sentíamos num mau contexto, ele logo se agravou, piorando sempre na direção do insuportável.
Com Sócrates, os comentadores políticos pagos pelos jornais e televisões para se multiplicarem em banalidades, entendiam como única explicação a suposta inépcia do político hoje exilado em Paris.
Estranhamente (ou obviamente que não tanto), com Passos, Gaspar, Portas, Relvas & Cª dão mirabolantes piruetas para iludir a incontornável verdade: se a crise económica europeia contribui muito para o atual cenário de catástrofe - ilustrada nos mais recentes indicadores do desemprego e de quebra no PIB - conta-se em grande medida com o completo fracasso das políticas por eles seguidas.
Lapidar, o jurista Tomás Vasques publica no «i» um texto esclarecedor sobre o desempenho do governo de direita:
Um ano após a aplicação do programa do governo e das “indicações” da troika de credores, o “caso” português, apontado pelos seus mentores, sobretudo pela senhora Merkel, como um exemplo de “sucesso”, estoirou nas mãos dos seus executantes.
Estava escrito nos manuais: confiscar salários e prestações sociais, sem dó nem piedade; reduzir os custos do trabalho, como se as pessoas fossem apenas um número impresso no cartão de contribuinte; aumentar os impostos, para além de todos os limites admissíveis, só podia conduzir a uma redução drástica da procura interna, ao estrangulamento da nossa débil economia e ao desemprego galopante.
O empobrecimento e a miséria, ministrado em doses cavalares, não dão bons resultados, como o relatório da execução orçamental deu a conhecer – um défice de 7,9%, nos primeiros cinco meses deste ano. Os números são impiedosos e não deixam margem para insistir no erro: a receita ficou a mais de 2 mil milhões de euros de distância do previsto no Orçamento.
Se em tempos muito recentes, tais luminárias ainda se atreviam a classificar de colossais os desvios do governo socialista, que palavras deveriam honestamente utilizar para qualificar os decorrentes da sua fracassada gestão?
Um comentador do «Jornal de Negócios», que mostrara pouca complacência para com a equipa de José Sócrates - Fernando Sobral - vem agora associar a de Passos Coelho à dos ditadores de pacotilha da América latina do século passado:
Começa a ter-se a sensação que tudo no Governo é improvisação. A patética eleição para a administração do Metro do Porto mostrou no seu penúltimo ato a inexistência do ministro da Economia. Quando é o Estado que não permite a eleição, porque no Governo cada ministro defende um "boy" e ninguém se entende, é porque estamos a chegar a um bananal.
Para os milhares de jovens desempregados, para os licenciados forçados a aceitar empregos precários e mal pagos, para os investigadores em fase de doutoramento com bolsas a desoras, deve ser sentida como uma ofensa essa corrida ao pote por parte da clientela laranja e do CDS, que ainda se atreve a sugerir-lhes a emigração ou o empreendedorismo como alternativa. Quando os seus proponentes nunca saíram da zona de conforto propiciada por uma carreira política medíocre, mas remunerada com o dinheiro de todos os contribuintes. Que só podem lamentar, que ele sirva para eles emitirem disparates mentecaptos.
Como lembra daniel de Oliveira no «Expresso», como é possível algum tipo de "empreendedorismo" se os melhores se forem embora?
Como esperam vencer a nossa crise demográfica se os jovens viverem na mais absoluta das precariedades?
Como esperam que eles garantam uma boa formação para si e para os seus filhos, se cometerem a loucura de os ter, a receberem 4 euros por hora?
Como será a nossa velhice se, para viverem, os nossos filhos dependerem da ajuda das nossas magras reformas, se as viermos a ter?
Enfim, como poderá esta sociedade ser sustentável se continuarem a esmifrar até ao tutano uma geração que se preparou para o desenvolvimento de um País que afinal decidiu regressar ao século XIX?
Para João Pinto e Castro, no «Jornal de Negócios», assistimos, impotentes, a uma caricaturização do modelo democrático, incensado no seu formalismo mais inócuo para esconder a emergência de um novo tipo de poder totalitário:
Quase meia década decorrida desde o início da crise financeira, não só ela permanece sem fim à vista, como se assiste a uma intolerável operação de revisão da história recente tendente a ilibar os responsáveis e a culpar as vítimas.
Pior ainda, o poder político efetivo é progressivamente retirado aos povos e transferido, pela mão dos bancos centrais, para os círculos financeiros cujo descontrolo nos trouxe até aqui. Já não escandaliza a ideia de meter a democracia na gaveta.
Até alguns dos colunistas mais insuspeitos de simpatias para com as esquerdas, como é o caso de José Maria Brandão de Brito, já começam a reconhecer o óbvio:
Creio que hoje, na Europa, ninguém se pode manter liberal conservador, à margem dos acontecimentos que nos apoquentam e vão destruindo.
Ninguém se pode manter adepto da austeridade mãe de todos os progressos e equilíbrios, nem pode existir quem não admita, mais ou menos convictamente, perdas parciais de soberania a favor do progresso comum, defendendo a necessidade de reforçar os sistemas de controlo e de regulação que respeitem o método comunitário.
***
Do dia de hoje ainda sobram alguns sinais reveladores de como a realidade, longe de se mostrar estática, não deixa de se mover: internamente prosseguem as investigações à mais que suspeita licenciatura de Miguel Relvas, que pediu à admissão à Lusófona em Setembro de 2005 e se viu dotado de diploma um ano depois.
Ao mesmo tempo outro exemplo de arrivismo político, Macário Correia, viu o Supremo Tribunal Administrativo retirar-lhe o mandato de autarca de Faro como penalização das suas ilegalidades, quando presidia à Câmara de Tavira.
Além fronteiras parecem confirmar-se as suspeitas de homicídio na morte de Yasser Arafat, através de envenenamento com plutónio e a casa e o escritório de Sarkozy são objeto de buscas policiais devido ao seu envolvimento com o caso Bettencourt.
A concluir, um crime contra o património cultural da humanidade: a destruição de mausoléus centenários em Tombuctu por parte dos islamitas, que conquistaram essa região do Mali.