segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O dia da Maioria Ruidosa

Havendo ainda muitos comentadores da Direita a preverem a improbabilidade de uma maioria absoluta para o Partido Socialista nas próximas legislativas, será de crer que a eleição de António Costa nas Primárias de ontem venha a desmenti-los.
É que se andavam uns populistas a carpirem lágrimas em nome do distanciamento entre eleitores e eleitos, a resposta dos militantes e simpatizantes do PS demonstrou que é tudo uma questão de competência e credibilidade, reduzindo o espaço dos marinhos e pintos à espreita da sua oportunidade!
Como reconheceu marcelo rebelo de sousa, à direita, a eleição de António Costa constitui um pesadelo difícil de enfrentar, porque, já não bastando a erosão de um exercício governativo impopular, tem passos coelho a contas com um passado não tão imaculado quanto pretendera de si vender, e portas irrevogavelmente ligado às invertidas decisões do verão de 2013.
À esquerda do PS o futuro também se anuncia pouco risonho como se constata na má disposição com que Jerónimo de Sousa encarou a mudança deste domingo. Se os seus indefetíveis estarão sempre garantidos, os que se tinham disponibilizado para servir de «compagnons de route» por insatisfação com Seguro, tenderão a deixar o PCP no labirinto da sua incapacidade para negociar políticas progressistas com exequibilidade dentro das atuais circunstâncias históricas.
Quanto ao Bloco, ao Livre e a outros sucedâneos  estarão fadados para não escaparem à sua natureza grupuscular, com as lógicas sectárias, que os tendem a segmentar até à irrelevância.
E, no entanto, quanto poderia ganhar o Partido Socialista se alguns dos seus mais capacitados militantes se dispusessem a imitar os do MES que, logo após o 25 de abril de 74, decidiram enriquecê-lo com personalidades tão determinantes quanto vieram a ser Jorge Sampaio ou Ferro Rodrigues.
O 28 de setembro deixou de ser lembrado pela manifestação da maioria silenciosa que, em 1974, procurou infletir o rumo da Democracia em Portugal. O 28 de setembro de 2014 foi o dia da ruidosa maioria, que se prepara para dar substância a uma grande maioria capaz de alimentar o enorme investimento em esperanças que a consubstanciou ao longo destes quatro meses...

Um dia raro, por motivo absolutamente claro!

Aceitemos, então, as canções do Sérgio Godinho como banda sonora dos nossos gestos e pensamentos. Temos o brilhozinho nos olhos desde que iniciámos a participação na campanha para as Primárias do Partido Socialista. Quando quisemos sacudir a tristeza imposta por quem nos quis convencer quanto a não haver outro caminho, outra alternativa.
De repente, o ar compungido que durava desde a manifestação do «Que se Lixe a Troika» de março de 2013 - quando integráramos o desalentado exército que percorrera as ruas do país apenas para dar expressão à sufocada indignação - dava espaço à esperança perante algo de novo a anunciar-se dois dias depois das eleições europeias nos quererem convencer de que tudo continuaria a ser assim, sem jamais vir a ser diferente.
Durante semanas andámos nas ruas a mobilizar quem se identificava com essa mesma necessidade de mudança, e contactámos a amigos e conhecidos para engrossarem o caudal de um rio, que avançava impetuoso para a foz.
É claro que surgiram meandros mais apertados e obstáculos aparentemente intransponíveis capazes de inquietarem as certezas na anunciada vitória. Até porque, muitas dessas dificuldades, provieram de comportamentos pouco edificantes de quem deveria ter a responsabilidade de tudo conduzir com lisura e elevação.
Pessoalmente sempre tive grande confiança no desiderato, porque fui reencontrando rostos há muito perdidos na voragem dos tempos e que partilhavam a mesma vontade em sacudirem a inércia de repouso para se afirmarem na urgência da reviravolta. Por isso, às vezes, os textos aqui publicados tiveram de ver morigerados as tentações de excessivo triunfalismo.
Ainda assim, a dimensão de quantos participaram e  votaram em António Costa, excedeu o que antecipava como possível. Porque, de repente, sentimos a agradável  surpresa de 15 de setembro de 2012, quando tivéramos a sensação de invadirmos Lisboa para dizer não à TSU e pouco ter faltado para reviver o espírito do assalto ao «palácio de inverno».
Daí uma ainda mais superlativa alegria! Partilhada ao fim da noite no Forum Lisboa com quem ali quis estar presente em mais um grande momento da nossa Democracia.
Porque, voltando às canções do Sérgio Godinho, sentimo-nos no primeiro dia do resto das nossas vidas. Com tudo em aberto para confiarmos na exequibilidade de voltarmos a ter um governo como eles devem sempre ser: «do povo, pelo povo e para o povo». O exato oposto deste ainda vigente mas ontem declarado à beira do fim depois de ter feito desse mesmo povo o seu inimigo em nome dos interesses ditados de fora.
Por tudo isso ontem foi, de facto, um daqueles dias raros como os que Godinho cantou no seu «Domingo no Mundo»:
Por motivos talvez claros
o prazer é o que nos torna
os dias raros
 De facto, por motivo absolutamente claro!

domingo, 28 de setembro de 2014

Disparates ... e objetivos bem mais intencionais!

1. Há uns anos atrás o agora autarca de Loures, Bernardino Soares tinha-nos dado uma verdadeira pérola opinativa na forma de um elogio enfático à qualidade da democracia na Coreia do Norte.
Perante o ridículo a que então se expôs um dos seus principais dirigentes, julgaríamos que o Partido Comunista mostraria maiores cuidados em emitir opiniões controversas, completamente absurdas face ao que é o senso comum. Mas enganámo-nos: eis que Miguel Tiago, um dos seus mais conhecidos deputados, veio agora afiançar que o aquecimento global é uma falácia da «pseudociência» e que o Protocolo de Quioto mais não é do que uma maquinação capitalista.
Podemos, afinal, estar mais descansados: o disparate continua à solta pelo grupo parlamentar do PCP!

2. Disparate pegado também é, segundo Jean Quatremer do «Libération» o que os países ocidentais, e sobretudo os EUA, têm feito nas suas intervenções sucessivas no Médio Oriente e no Norte de África.
Se pensarmos no que resultou das sucessivas intervenções no Afeganistão, no Iraque, na Síria ou na Líbia - novas organizações terroristas e sociedades mergulhadas no caos - só podemos concluir que para grandes males, piores remédios…
O que dá para temer quanto à presente estratégia para combater o Estado Islâmico. É que sem o concurso da proscrita Rússia - uma das principais interessadas em combater esse tipo de ameaça, o Ocidente fica circunscrito à sua reiterada insuficiência estratégica...

3. Não tanto disparate, mas algo bem pior por constituir o verdadeiro objetivo de quem está a tratar de o garantir, é tudo quanto se passa em torno da TAP: no estranho fluxo de avarias e de problemas laborais, na manifestação de diversos interessados em comprá-la e no projeto para serem os contribuintes a pagarem os custos da errada aposta na Manutenção no Brasil, prepara-se uma apressada privatização, que prejudicará seriamente os interesses nacionais.

Miguel Sousa Tavares tem razão quando, a tal propósito, escreve no «Expresso»: “os portugueses sabem bem como acabaram todas e cada uma das privatizações que nos venderam como um benefício para os consumidores - da produção à distribuição de eletricidade, passando pelo telefone fixo, pelo gás, pelos combustíveis e, em breve pelos correios, as privatizações significaram sempre duas coisas garantidas: pior serviço prestado e preços mais altos. Com a TAP sucederá exatamente o mesmo, sem tirar nem pôr.”

4. Os mais recentes capítulos da história da Tecnoforma leva Fernando Madrinha a comentar no «Expresso»: “soubemos que um deputado não declarou, quando eleito, que exerceria as suas funções em regime de exclusividade, mas, findo o mandato, invocou esse regime para aceder ao subsídio de reintegração”.
Até pode acontecer que toda esta embrulhada entre em banho maria por obra e graça da conivência das instituições e dos jornais e televisões com um governo, que leve até ao fim do mandato a concretização do plano de privatizações ainda remanescentes. Mas fica definitivamente comprometida a imagem de passos coelho enquanto político mais imaculado não há.
Como lídimo representante de uma cultura de enriquecimento ilícito desenvolvida sobretudo nos governos de cavaco silva à pala dos fundos europeus, passos coelho não se distingue doravante dos dias loureiros, que tiveram proveito e nunca foram judicialmente investigados a fundo pelos negócios em que se envolveram e com os quais enriqueceram...


sábado, 27 de setembro de 2014

Duas opiniões e uma previsão...

Estamos a poucas horas do início das eleições primárias do Partido Socialista, cujo resultado irá alterar profundamente o panorama com que iremos enfrentar as legislativas do próximo ano.
Pegando no «Expresso» vale a pena citar o que três dos seus principais comentadores escrevem sobre a derrota anunciada do ainda secretário-geral.
Começando por Miguel Sousa Tavares, ele refere que “se havia alguma coisa ainda que faltava saber sobre António José Seguro, ficámos elucidados: não é apenas uma questão de vazio político absoluto ou do mais triste populismo, é uma questão de ter ou não um mínimo de grandeza, de não se comportar como alguém a quem querem roubar o brinquedo.”
Nicolau Santos diz o mesmo por outras palavras: “Um líder forte e carismático, ao menor sinal de que a sua liderança estava a ser desafiada, iria rapidamente para o terreno, sem medo, para resolver a contenda. Seguro optou por ganhar tempo e inventar umas eleições primárias, que têm desgastado e dilacerado os socialistas”.
E, por fim, Daniel Oliveira conclui que “Costa vai vencer porque é efetivamente melhor do que a confrangedora mediocridade de Seguro e está em melhores condições para derrotar Passos Coelho”.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Os desafios difíceis que se seguirão

No último dia da campanha para as Primárias do Partido Socialista o foco voltou a estar dirigido para passos coelho.
Dos portugueses, que o ouviram dar explicações sobre a sua ligação à Tecnoforma e ao Conselho Português para a Cooperação, quantos ainda ficaram com a imagem «impoluta», que ele tanto quis fazer crer com o seu choradinho do remediado?
Quantos ainda creem que essa empresa e essa ONG mais não serviam do que a forma hábil para recolher subsídios comunitários e distribuí-los pelos amigos e aliados políticos?
E haverá quem, apesar da reprovação que a qualquer um devem merecer as denúncias anónimas, não terá formulado o desejo secreto de que o tal Vasco se viesse dar a conhecer com provas mais concretas das suspeitas antes anunciadas?
Será possível que as circunstâncias favoráveis e a manifesta habilidade com que passos coelho soube vencer as grandes contrariedades do seu mandato - nomeadamente no momento da saída de gaspar e da revogável irrevogabilidade de paulo portas - não se voltem a repetir e ele se veja cingido a associar-se ao seu amigo relvas como facilitador de negócios, que é decerto a sua mais óbvia vocação.
Não deixa de ser curioso que Mário Soares ande a prever há já alguns meses, que este outono seria problemático para o governo no Poder! Porque a confirmar-se a sagacidade do fundador do Partido Socialista, estaremos perante um desafio ainda mais exigente para António Costa. Porque, em poucas semanas, terá um Congresso para vencer e um programa de governo para fazer aprovar. Com a forte probabilidade de contar já com rui rio na liderança do PSD, e que será osso bem mais duro de roer do que o desacreditado passos coelho...

O bouquet de flores de António José Seguro

O Henrique Monteiro do «Expresso» está esfuziante com o acordo conseguido na Concertação Social entre o Governo, os patrões e a UGT. E, por isso mesmo prega a coça possível - já que não tem estatura nem estatuto para mais do que umas linhas na edição diária do jornal - para verberar a CGTP por não aceder à colaboração com tão vergonhosa conclusão.
Sindicalista que sou há mais de trinta anos, sinto-me envergonhado com a conduta de Carlos Silva enquanto suposto representante dos trabalhadores, que pagam quotas para por ele se verem representados.
Se podemos verberar aos sindicalistas da CGTP o facto de parecerem muito mais interessados em servir a agenda do PCP do que os trabalhadores (e quão isso tem sido evidente com o inefável Mário Nogueira!), os sucessivos secretários-gerais de UGT têm ido de mal a pior enquanto colaboracionistas ativos dos interesses dos patrões contra os dos que para eles trabalham.
Não deixa de ser, por isso irónico, que João Proença e Carlos Silva sejam flores do bouquet de apoiantes de António José Seguro, o tal que se propõe separar a política dos negócios. Ora estes dois supostos sindicalistas mais não têm feito do que beneficiar os detentores desses negócios em detrimento dos que para eles apenas representam custos incómodos e não colaboradores motivados e dignos do maior respeito.
Mas o compadrio da UGT ainda se torna mais repugnante quando se traduz num aumento pífio de 20 euros, parte dos quais será pago pelo Estado a título de redução da TSU a que os patrões estavam obrigados. Ou seja, os 18 milhões de euros que o Estado abdica de receber dos patrões, terão de ser pagos pelos contribuintes, que arcam pois com os custos de um «acordo» eleitoralista, destinado a ajudar o PSD  e o CDS a encararem as eleições legislativas do próximo ano com sucessivos pregões de trombetas que dirão até à exaustão, que terão descongelado o salário mínimo, que Sócrates havia congelado.
Que a UGT e Carlos Silva se tenham prestado a esta triste figura diz muito da desgraça, que seria termos António José Seguro e os seus apoiantes a  personificarem o que seria uma «oposição socialista» à continuidade da vitória da direita. Porque são as próprias sondagens a dizê-lo e só os seguristas não querem ver: se em 2015 a escolha fosse entre passos coelho e António José Seguro, os eleitores premiariam o primeiro, porque para terem a continuidade de uma mesma política antes preferem o original do que a sua cópia.
Por isso mesmo não há como não dar razão a Mário Soares, quando propôs que, por patriotismo, Seguro já deveria ter-se demitido. Porque, independentemente do que suceder no domingo e a partir de segunda-feira, o desenlace da sua visão egocêntrica da política só pode acabar mal.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Quando a partir de piratas se pode falar da atualidade!

Às vezes há séries televisivas, que se ajustam com particular acuidade a quanto estamos a viver num dado momento. Foi o que senti esta semana ao ver o último episódio de «Crossbones», a série da NBC apresentada durante este Verão nas televisões norte-americanas e que um dos canais por cabo nos permitiu acompanhar quase em simultâneo.
Para os que não tiveram o prazer de a ver, a história conta-se assim: durante o século XVIII, na minúscula ilha caribenha de Santa Campana, funciona uma República de Piratas dirigida por Edward Teach, cuja alcunha é o Barba Negra, e é interpretado por John Malkovich.
Embora ninguém lhe conteste a liderança, todos os cidadãos da ilha são ardentes defensores da cultura de igualdade e de fraternidade, que entre todos impera. Por isso mesmo, mais do que um líder autocrático, Teach, também conhecido por Comodoro, comanda pela sageza e pela capacidade estratégica em definir os objetivos corretos para que todos prosperem. Muito embora sejam evidentes os sinais da brutalidade e cupidez, que lhe norteiam a personalidade.
Tudo se complica quando, em vez de dar primazia à capacidade de angariar novos recursos para os seus cidadãos, atacando navios ingleses ou espanhóis, Teach deixa-se conduzir pelos seus desejos pessoais de afirmação perante aquele que definiu como o seu inimigo de estimação: o governador da Jamaica, William Jagger.
Quando ele passa a pensar fundamentalmente no seu inchado Eu em menosprezo pelos interesses e valores da sua comunidade está condenado. Tanto mais que, quando tem à vista a enorme riqueza de uma vulnerável frota espanhola, decide esquecê-la em proveito de um combate final com Jagger, que atrai à ilha para o poder derrotar.
Só que o saldo é desastroso: os ingleses perdem, Jagger é morto, mas a própria comunidade de Santa Campana fica devastada, reduzida a um punhado de sobreviventes.
No final o médico da ilha, Tom Lowe, toma a decisão de derrubar Teach, impedindo-o de continuar a fazer mal a quem sobreviveu a tal batalha. Assumindo-se como aquele que verdadeiramente retomará os valores da igualdade e fraternidade, que nunca deveriam ter sido secundarizados pela ambição pessoal de um líder sem as qualidades para o ser.
A longa descrição da história decerto não impediu quem a leu de ver o paralelo com a história recente do Partido Socialista: temos uma instituição política com uma história notável em prol da igualdade e da fraternidade entre todos os cidadãos e, infelizmente, deixámo-la ter sido tomada de assalto por um líder incompetente, que sempre olhou mais para o umbigo do que para o objetivo prioritário de dar melhor qualidade de vida aos cidadãos do seu país.
Como dizia António Costa no debate desta semana, António José Seguro terá alimentado a ambição de vir a ser primeiro-ministro desde pequenino não importando por quem ou como. E que terá criado, entretanto, o seu Jagger de estimação em José Sócrates, que viu sair da mesma região do país para ter sucesso onde ele foi marcando passo.
Até que a sua cegueira terá posto em causa o futuro dos seus concidadãos, possibilitando uma vitória eleitoral a uma Direita, que deveria ter entrado em 2014 a ser o mais execrada possível pelo eleitorado a quem tantos danos causou.
António Costa faz, pois, o que Tom Lowe assume na série: torna-se no líder alternativo como verdadeiro representante da tal cultura de igualdade e fraternidade, que estão na raiz da fundação do Partido Socialista. E por isso irá ganhar na eleição de domingo!
Mas resta uma inquietação: quando julgávamos, que o Comodoro não sobrevivera ao combate final com o vencedor Tom Lowe, encontramo-lo na última cena a arrastar-se com determinação numa praia deserta da ilha. Sentindo-se-lhe a vontade de «continuar por aí».
E os socialistas têm todas as razões para se inquietarem com os danos que o ego ferido de Seguro ainda poderão vir a produzir no futuro...

Quando os interesses da Igreja e da Esquerda coincidem...

Até por não pertencer ao universo dos crentes de qualquer religião tenho-me privado de comentar o que quer que seja com os sinais oriundos do Vaticano desde que o Papa Francisco substituiu Bento XVI.
Comecei intimamente por desconfiar dele tendo em conta a colaboração da igreja argentina com as juntas militares, que ali semearam o terror nos idos anos 80 - e foram contraditórios os testemunhos sobre as suas atitudes nessa época! - mas sou forçado a reconhecer que vou-me inclinando cada vez mais para uma posição de simpatia para com as provas por ele dadas ao longo do seu Pontificado. E o sucedido nesta última semana em Espanha vai nesse mesmo sentido.
Recordemos então, que o governo de Zapatero havia criado legislação sobre o aborto em linha com os padrões europeus mais avançados, cumprindo o pressuposto da total separação entre os preconceitos religiosos e os Estados. Ora, desde o início da tomada de posse do governo Rajoy, que a Igreja espanhola andou a pressionar no sentido da revogação dessa legislação, recuando-a para o carácter punitivo do aborto prevalecente na época franquista. E para tal muito contribuía o ministro da Justiça Gallardon.
Nas últimas semanas, e porque Rajoy titubeava perante as sondagens comprovativas da enorme desaprovação do eleitorado espanhol a essa revisão da Lei, o cardeal Antonio Rouco organizou enormes manifestações, que inundaram as ruas de Madrid de fundamentalistas do seu conceito preconceituoso sobre o assunto.
Foi, pois com surpresa, que, sem explicações, o Vaticano ordenou a imediata passagem á reforma do seu máximo representante em Espanha e a sua substituição pelo bem mais tolerante bispo Carlos Osoro. O Papa dava assim um sinal eloquente sobre a sua condenação a um excessivo proselitismo dos católicos para com os que não são, desaprovando assim a imposição ilegítima dos seus valores aos que não os professam.
Francisco já percebeu aquilo que tarda a ser entendido por muitos dos seus bispos: que a única possibilidade de sobrevivência da Igreja Católica nos nossos dias será o seu decidido regresso aos conceitos sugeridos pelo Vaticano II em que cabe à instituição o papel ecuménico de conciliar todos os credos e raças e assumir o notável papel por ela exercido nas áreas sociais de apoio aos mais pobres e oprimidos.
Numa altura em que o maior génio científico dos nossos dias - Stephen Hawking - reafirma que a Ciência não encontra qualquer prova da existência de Deus, conceito com o qual é incompatível, as religiões tendem a não ter boa imprensa nos próximos anos não só por causa dos crimes jihadistas das organizações terroristas islâmicas, mas também pelo crescente aumento de tensões entre os fundamentalistas hindus da Índia para com os demais credos ali professados, e agora acolitados num governo, que lhes serve de suporte moral.
Mas não é apenas perante as formas mais extremadas de fanatismo religioso, que o Vaticano tem de revelar uma estratégia inteligente, já que conta igualmente com a concorrência dos muitos cultos evangélicos, que se aproveitam da impossibilidade de, até aqui, a Igreja Católica ainda não ter dado passos decisivos relativamente ao papel das mulheres no seu seio ou à não menos candente questão do matrimónio dos seus padres.
Pode-se, pois, dizer que o Papa Francisco, ao mesmo tempo que anda a cuidar da sobrevivência da sua instituição milenar, também constitui por ora o compagnon de route para uns quantos valores particularmente acarinhados pela Esquerda do nosso tempo. E só por isso já merece ser olhado com uma atenção que o anticomunismo primário de João Paulo II ou o intelectualismo inquisitorial de Bento XVI não justificavam…
Que tudo isto se tivesse saldado pela demissão do ministro Gallardon e o abandono da revisão da Lei espanhola sobre o aborto só justifica esta crescente simpatia por tal personalidade! 

A máscara do senhor honesto está em abrupta queda!

Por muito que passos coelho consiga sair airosamente das ilegalidades da década de 90 a respeito de fraude fiscal inerente à não declaração dos 5 mil euros mensais recebidos da Tecnoforma ou por violação do estatuto de incompatibilidades da Assembleia da República para receber um subsídio de reintegração a que não teria direito, não sairá propriamente ilibado na opinião pública.
É evidente que os seus defensores dirão sempre que um crime prescrito não é juridicamente considerado enquanto tal, mas a ética coletiva considerará tratar-se de expediente ilegítimo para dissociar passos coelho daquilo que não é: honesto!
Desde que conhecemos os contornos das atividades de relvas e de passos coelho na empresa que recebeu subsídios comunitários para formar quem viesse a gerir a fantasmática rede de heliportos da zona Oeste - matéria ainda em fase de investigação em Bruxelas! - já tínhamos argumentos para associarmos o primeiro-ministro à mesma cultura que deu origem a alguns dos mais preponderantes e recompensados amigos de cavaco.
Muito embora a má fama tenha sido sempre colada a políticos socialistas - e as recentes sentenças condenatórias para com Armando Vara e para com Maria de Lurdes Rodrigues bem demonstram como a Justiça continua a ser zarolha - encontramos uma impunidade quase constante em tudo o que diz respeito à corrupção de políticos de Direita apesar da dimensão das suas ilegalidades se revelar abissalmente maior.
E, no entanto, este tipo de comportamentos agora denunciados não se distancia em nada de outras provas evidentes de desonestidade demonstradas à saciedade nestes três anos: a forma como se comprometera a não aumentar impostos, a não promover desemprego na função pública ou  não fazer cortes nas pensões esbarrou com a realidade e, sobretudo, com os seus preconceitos ideológicos, e ele tudo negou do que antes prometera. Se isto não é desonestidade, o que será?
E, no entanto, passos coelho cultivou a imagem de castigador contrariado, que confrontava os seus despesistas concidadãos com os custos das loucuras pelas quais tinham endividado o país.
Fazendo figura de pai austero perante filhos traquinas, criou essa “gravitas”, com que fazia parecer credível um discurso continuamente falacioso.
Nas semanas mais recentes havia quem estivesse a conjeturar a provável escolha de um candidato de direita fraco para as presidenciais de 2016 para que ele próprio se pudesse perfilar como incontornável vencedor na eleição seguinte.
Mas eis que as reportagens jornalísticas trazem notícias de casos concretos de comportamentos reprováveis para com os interesses públicos e em exclusivo benefício pessoal.
A confirmarem-se as contradições insanáveis em que ele se parece enredar no labirinto de supostos esquecimentos e de mentiras será fundamental, que elas sejam evocadas sempre que o virmos manifestar a vontade em voltar a gerir os destinos do país. Porque levaremos anos a recuperar da política de terra queimada, que deixará de herança a quem vier a liderar o governo que se seguirá…
E confiemos que a própria conjuntura internacional inviabilizará os seus anseios presidenciais se eles se vierem a manifestar: é que na sua habitual audição na Comissão de Assuntos Económicos do Parlamento Europeu, Mario Draghi já veio anunciar a oposição às estúpidas orientações provenientes de Berlim e os tempos correm de feição  para que se adotem novamente as receitas neokeynesianas na macroeconomia europeia… enviando para o olvido os ainda cultores de Heyek ou de Friedman!


quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Não é que andei vestido com um pólo comprometedor?

Ontem de manhã cometi uma gafe quase imperdoável: apesar das inundações da véspera e do céu muito nublado, arrisquei sair para a rua com um pólo de manga curta, que costuma dar-me conforto. O pior aconteceria depois, quando a minha cara metade apontou para a pequena inscrição ao nível do peito: «Porto Seguro»
- Já viste o que andas aí a anunciar?
Confesso que fiquei comprometido, porque nunca associaria aquela peça de vestuário, comprada no município baiano, com qualquer mensagem política, e muito menos a um candidato que execro.
Em desespero de causa ainda imaginei afixar ao lado daquela inscrição uma folha A4 contendo em letras garrafais: «MAS EU APOIO ANTÓNIO COSTA!», mas desisti. Há erros para os quais é aconselhável viver com eles do que enfatizá-los com a sua inábil correção.
O episódio pessoal seria esquecido como questão de pormenor num dia alimentado por vivências bem mais relevantes, se não assistisse esta noite ao terceiro debate entre António Costa e António José Seguro, que nem os mais empedernidos apoiantes do segundo nos comentários televisivos puderam escamotear ter-se saldado por uma humilhante derrota.
Miguel Pinheiro, que aos comandos da revista «Sábado» sempre deu provas ao dono da Cofina de ser fiável antissocialista, exprimiu lapidarmente o resultado, quando a propósito do inaudito ataque aos fundadores do Partido, disse ter Seguro cometido um suicídio político em direto.
E, de facto, qual será o estado de alma dos que ainda apoiam Seguro, quando forem votar no próximo domingo? Irão cientes de estarem a contribuir para uma causa perdida ou sentirão a dúvida instalar-se quanto às convicções, que foram alimentando durante estes quatro longos meses? Se instados a assumirem o apoio a Seguro afixando-o nas suas camisolas, teriam suficiente coragem para assim se exporem à vergonha de alinharem com quem demonstrou uma tal quantidade de razões para nunca merecer ter sido ou vir a ser secretário-geral do Partido Socialista?
Na entrevista concedida à repórter da RTP Informação à saída dos estúdios onde ocorrera o debate, António Costa manifestou alguma surpresa pelo tipo de personalidade, que Seguro revelou ao longo de toda esta campanha. E eu não posso estar mais de acordo: sempre que se pusera a possibilidade de votar para secretário-geral nos últimos três anos, decidi ora votar no candidato alternativo a Seguro (na altura foi Francisco Assis), ora alhear-me de tal eleição (como sucedeu para o mais recente Congresso!). Mas alguma vez imaginaria que António José Seguro mostraria tanta falta de escrúpulos, que nunca tivesse abdicado das calúnias e dos mais abjetos argumentos populistas para conseguir manter o poder, que julgara conquistado?
No debate António Costa comentou que, enquanto sempre se comportara em todo o seu percurso político, como avançando para o que o Partido lhe solicitara (e entre esses desafios poder-se-iam contar as difíceis eleições para autarca em Loures ou em Lisboa quando se tratou da eleição para o seu primeiro mandato enquanto presidente da câmara), nunca Seguro se arriscara em empresas semelhantes, apenas parecendo obcecado pela ambição pessoal de vir a ser primeiro-ministro.
A verdade é que ser ou não ser primeiro-ministro não é uma questão de egos, mas de qualidades e capacidades. Costa comprovou-o e por isso merecerá uma grande vitória no dia 28. Quanto a Seguro só posso dizer que vejo uma boa razão para a chegada do outono: pelo menos durante uns largos meses o pólo com a inscrição de Porto Seguro ficará arrumado num armário sem me sujeitar a mais tristes figuras. Porque, para o próximo verão, quando o voltar a envergar, já ninguém o associará a um político medíocre que, durante algum tempo, andou a fazer de líder da Oposição...