segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Um novo dia inteiro e limpo

 

Que melhor homenagem para a frustrada Revolução do 31 de janeiro de 1891, que esta saborosa maioria absoluta para o Partido Socialista?

Aceitando, por uma vez, o que António Barreto subscreve na sua despeitada reação à notícia, os socialistas ficam, de facto, sem desculpas para o que vier a acontecer nos próximos quatro anos, salvo se surgir nova pandemia ou a guerra na fronteira ucraniano-russa efetivamente se concretizar. Mas, sem esses condicionalismos será certo que António Costa não necessitará de desculpas para mudar o país, tanto mais que começam a chegar os milhões do PRR, que potenciarão essa mudança. E cumprindo aquilo que já se verificara nas suas pretéritas eleições para a câmara municipal da capital: depois de uma primeira vitória por modesta maioria relativa, seguiu-se uma outra mais robusta até a terceira ter redundado numa maioria absoluta.

As direitas, que tanto gostam de acenar com exemplos a seu favor com este tipo de lógica, não terão imaginado, que o veriam demonstrado em todo o seu esplendor nesta manhã primaveril de um inverno só do nosso descontentamento por vermos este sucesso mitigado pela eleições de doze racistas para o Parlamento. E, numa das poucas coisas acertadas ditas por Catarina Martins no discurso de derrota já um único deputado com essas características  seria sempre um a mais.

Apetece recordar os versos de Sophia, quando falava do tal dia inteiro e limpo capaz de dar seguimento às nossas melhores aspirações. E eu, que enraizado otimista, crera inicialmente nesta possibilidade, e depois dela descrera por ver tão intensa a campanha destrutiva das televisões, das sondagens e dos outros suspeitos do costume, volto a reiterar essa veemente confiança em António Costa, ciente de nos estarem prometidas muitas alegrias nos anos vindouros. 

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

(Quase) ninguém morre por Rui Rio perder as eleições

 

Rui Rio tem razão: lá porque vai perder as eleições, (quase) ninguém morrerá por isso. E o Zé Albino poderá contar com os mimos do dono com uma frequência que lhe poupe o ar deprimido. Mas segunda-feira significa um novo ciclo na política portuguesa, que não terá similitudes com os seis anos mais recentes.  Terá falhado a grande coligação entre patrões, televisões, ordens profissionais e alguns sindicatos para dar a ideia de ter caído um governo «desgastado». Mas o próximo terá de estar melhor blindado contra este tipo de coligações negativas, mesmo alicerçado nos mesmos  parceiros que começarão por lamber as feridas de verem os grupos parlamentares reduzidos a metade ou ainda a menos do que isso. E essa será a grande questão que as direções do Bloco e do PCP terão de ponderar: valerá a pena manter tensa a corda sempre pronta a rebentar - para gáudio das direitas, que não abandonarão as múltiplas estratégias para demolirem o castelo de cartas adversário! - ou compreenderão que a lógica do quanto pior melhor acabou por virar o feitiço contra o feiticeiro?

As esquerdas têm de aproveitar os próximos anos para enfrentarem com eficiência os custos do aumento das taxas de juro, aproveitando os milhões do PRR para dinamizarem a economia e melhorarem a qualidade de vida dos portugueses, mormente dos que têm-se deixado iludir pelos cantos de sereia das direitas sem compreenderem como isso significa darem tiros nos pés.

Recuperar o eleitorado e orientá-lo mais firmemente para um projeto progressista: a tarefa que as esquerdas devem dividir entre si, cabendo ao Bloco e ao Livre a fixação dos mais jovens, ao PC a dos mais velhos e ao Partido Socialista o dessa indefinível classe média, que só esquecerá as falácias liberais se as perspetivas do ascensor social voltarem a ser-lhe mais risonhas. É tarefa complicada e difícil, que não se compadecerá com os acordos de cavalheiros sugeridos por Augusto Santos Silva, ou com os sonhos húmidos de Sérgio Sousa Pinto, mas se houver lucidez em quem manda nos partidos das esquerdas talvez possamos regozijarmo-nos com as frustrações de quem, nas direitas, terá olhado para a praia tão perto e correntes fortíssimas dela as terão apartado. Restando-lhes então comparecer nas missas pela alma desse defunto CDS, que poderá não sobreviver a esta provação, acabando por ser a única vítima a desmentir o tal comentário de Rui Rio sobre a benignidade da sua derrota. 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Uma espécie de médico e monstro

 

Andam as televisões ocupadas com as variações dos discursos de António Costa, ora pedindo a maioria absoluta, ora prometendo o diálogo com quase todas as forças políticas no rescaldo eleitoral, quando ostensivamente ignoram o fenómeno em curso com Rui Rio.

Singularmente vem de um habitual detrator do primeiro-ministro - o diretor do «Público» Manuel Carvalho - o toque a rebate sobre quem é verdadeiramente o seu principal opositor: “se Rui Rio tem um mérito, é o de não esconder o que é. O Rui Rio sorridente e com gatinhos acabará na primeira contrariedade.

Com ele no governo, o “rigor” vai apertar a liberdade de crítica e de expressão, vai colidir com a separação de poderes, vai, enfim, tornar a vida pública do país mais tensa e áspera.

É legítimo que muitos eleitores defendam essa via — até porque Rio, sendo um líder duro e avesso à contestação, nem questiona os fundamentos da democracia, nem do Estado de direito. Mas é igualmente bom que o avaliem à luz da sua história na política, pelo que de facto é, e não apenas pelos sorrisos, pela bonomia ou pela mansidão que tem exibido durante estas semanas.”

Rui Rio tem contra si todos os tiques ditatoriais, que demonstrou quando era presidente da câmara do Porto, não sendo tão desajustado quanto muitos fizeram crer o epíteto com que Rosa Mota o brindou. Porque sabemos bem como ele perseguiu jornalistas, ostracizou os agentes culturais e premiou quem merecia as suas ambíguas simpatias.

Daí que seja evidente a mentira, que se esconde por trás desse fácies sorridente, até aparentemente afável, com que se mostrou no programa de Ricardo Araújo Pereira. Essa é a versão «Doutor Jekyll» com que pretende iludir os eleitores até domingo. Na semana a seguir, perca ou não as eleições - para nosso bem esperemos que aconteça a primeira daquelas hipóteses! - será a versão Hyde, que voltará a tomar conta da sua pessoa. E já sabemos como tem afinidades eletivas com o Chega cujo apoio não menosprezaria acaso se visse em condições de com ele repetir a caldeirada dos Açores.

Depois de terem sentido a tentação de o apoiarem, alguns jornalistas estão a dar mostras de saberem o tipo de veneno, que ingerirão se ele sair vencedor. E até o insuspeito Bernardo Ferrão já não se coíbe de lembrar o monstruoso passado de uma personalidade definitivamente oposta à do médico afável, que quer tratar a «saúde» dos portugueses.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Sondagens ... apenas sondagens!

 

Para uns quantos o dia tem sido condicionado pela nova sondagem da Aximage, que se junta à da Pitagórica quanto à possibilidade da vitória do PSD nas eleições de domingo.

Desta feita não tenho o feeling da rua para aferir até que ponto se nota ou não essa viragem no eleitorado, mas quero crer que ambas as previsões não se confirmarão nas urnas. Excluo já a hipótese de uma maioria absoluta - a campanha anti-António Costa promovida pela coligação entre os partidos das direitas, o Bloco, a CDU e, sobretudo, as televisões, tem sido eficiente para quem o não quer ver primeiro-ministro - mas quero acreditar que a maioria do povo português consegue ser mais sensato do que os partidos que votaram contra o Orçamento e puseram em causa uma dinâmica de transformação positiva do país, que o PRR viria consolidar.

Se o impensável suceder Catarina Martins e Jerónimo de Sousa poderão competir com os seus émulos franceses pela disputa do troféu de «esquerda mais estúpida da Europa». Pelo contrário se estas sondagens apenas constituírem um susto bem poderão aprender as lições, que já em 2010 tinham esquecido e consolidá-las melhor para não voltarem a franquear as portas às direitas com os seus levianos fundamentalismos.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

A última lição de Mireille Jospin

 

Cumpre-se um ano sobre a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa e continuo a ter mais mal que de bem dele dizer. Se não lhe atribuo particulares culpas na presente crise política - essas endosso-as quase por inteiro ao Bloco e ao PCP - lamento deveras o seu papel como obstáculo a uma legislação em prol da eutanásia que, até pela minha idade, sinto urgentemente necessária.

Aquela que mereceu oposição de Belém e do Palácio Ratton não coincide propriamente com a por mim pretendida. Para que seja respeitado o direito a dispor do próprio corpo não considero imprescindível ter uma doença em fase terminal para ver contemplado esse anseio. Continuo a assumir como exemplo Mireille, a mãe do ex-primeiro–ministro francês Lionel Jospin que, depois de um longo passado de lutas cívicas, desde a de resistente à ocupação nazi até às causas pacifistas, achou-se enfim com direito a descansar. E sem nada mais ter de justificar conseguiu-o aos 92 anos no seu apartamento de Yvelines, não tardam a passar vinte anos.

Para esse derradeiro combate conseguiu o apoio da filha Nöelle, já que o filho não conseguiu levar o progressismo até aceitar a última causa por que a progenitora se bateu.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Um homem pequenino (muito pequenino!) em Lisboa

 


1. Não será preciso muito para que Carlos Moedas confirme ser um erro de casting à frente dos destinos dos lisboetas. É certo que poderá enganar muitos durante algum tempo com algumas das medidas previstas no seu primeiro orçamento: o Programa Recuperar +, os transportes públicos gratuitos para jovens e idosos, os descontos de 50% no estacionamento, um plano de saúde gratuito para idosos carenciados, a instalação da Fábrica de Empresas no Hub Criativo do Beato e a devolução de 3% do IRS aos residentes de Lisboa. Tudo medidas populistas, próprias de um demagogo sem visão quanto ao que a cidade necessita. Porque os grandes investimentos previstos por Fernando Medina até 2030 serão descontinuados, mormente a expansão do metro de superfície até à zona ocidental da cidade ou cortes nas casas de renda acessível e na manutenção das casas dos bairros municipais.

Tudo isso se sabe pela comunicação social, já que as forças da oposição não tiveram acesso prévio ao orçamento previsto para o ano em curso e muito menos foram ouvidas numa qualquer negociação para opinarem quanto às suas prioridades. Os tiques de ditadorzeco não parecem reduzir-se a meros trejeitos.

Seria, pois, justificável que o voto contra da maioria na Assembleia Municipal representasse o primeiro travão às ambições arrivistas de Moedas, mas os socialistas decidiram absterem-se em nome do sentido de responsabilidade e da maturidade democrática que ele, porém, não tem demonstrado. Mas compreende-se que, nas atuais circunstâncias, a prioridade seja conferida aos objetivos a serem alcançados nas legislativas em detrimento dos que se justificarão exequíveis daqui a um ano quando novo orçamento terá por enquadramento o sentimento dos munícipes relativamente ao veneno que, imprevidentemente, ingeriram e já sem darem a Moedas a oportunidade para, num exercício de vitimização procurar dividendos que agravem o cenário atual.

Na realidade ele não perde pela demora...

2. Outro homem pequenino nas notícias é o líder do Chega que vem confirmando tudo o que dele pior se possa adjetivar nestas semanas de campanha eleitoral.

Geralmente nada me leva a subscrever as palavras do diretor do «Público», mas a forma como conclui o seu editorial de hoje, faz-me com ele concordar quase em tudo exceto num relevante pormenor. É que ele diz: “Até prova em contrário, Ventura não passa de um populista radical que lidera um micropartido. Tratemo-lo como tal.”

Ora dele já não necessitamos de mais provas: é um traste e de tal condição não se livra! 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

“Brilhantismos” pouco recomendáveis

 

Embora há muito o tente compreender ainda não tive provas inequívocas dos motivos, que levam as publicações da Cofina a multiplicarem-se em transcrições das conversas gravadas a mando do ministério público sobre tudo quanto tem acontecido em torno do antigo Grupo Espírito Santo e do Novo Banco, que lhe serviu de residual sucedâneo. Mero interesse comercial para aumentar tiragens? É possível, mas não coincide a perspetiva ideológica de quem publica esses materiais com a lógica de capitalismo selvagem neles evidente? Ou contradições entre interesses capitalistas, que beneficiam da ida ao fundo de um concorrente para melhor consolidarem os seus rendimentos, estão por trás de tais revelações?

A verdade é que, a ser esta última a explicação, podemos sempre beneficiar da lógica de zangarem-se as comadres para que saibamos as verdades. É assim que a conversa entre o antigo braço direito de António Ramalho e quem lhe sucedeu nessa condição - o mesmo Rui Fontes, que dirigira as operações de capital de risco do BES, lesivas dos interesses de quem nelas perdeu boa parte das poupanças, e  agora administrador no Novo Banco! - revela-se particularmente interessante por aquele considerar um saque ao fundo, e operação pouco ética, a imputação ao mecanismo de capital contingente dos prejuízos com a venda da sucursal de Espanha em 2021.

Está em causa a estratégia da Lone Star em esgotar em apenas três anos a verba exigida aos contribuintes portugueses para lhe servir de almofada financeira na viabilização do Novo Banco e que já custou mais de 7,9 mil milhões de euros aos nossos bolsos.

Não é que as práticas da Lone Star surpreendam: quando Carlos Costa, enquanto governador do Banco de Portugal, e Sérgio Monteiro, ex-secretário de Estado de Passos Coelho, escolheram-na para tomar conta do Novo Banco, eram conhecidas as suas práticas de abutre sobre as presas, que caíam na sua alçada. Mas as revelações colaterais trazidas a lume sobre os repetidos comportamentos da equipa de gestão liderada por António Ramalho no relacionamento com Luís Filipe Vieira abre um aparente vasto leque de possibilidades para a confrontar com a justiça a começar pela forma como o CEO revela o desprezo pelos deputados da Comissão Parlamentar e a forma de os ludibriar. Que isso seja matéria bastante para justificar a imediata retirada das suas condições deontológicas para manter-se no cargo é evidente e esperemos que o BCE o confirme. Mas, numa altura em que outro “brilhante figurão” das finanças lusas - Horta Osório - é corrido do Crédit Suisse por se ter julgado acima das obrigações a todos exigíveis em tempo de pandemia, conclui-se existir uma reiterada postura dos administradores dos bancos portugueses em considerarem-se elite com código de valores à parte e que a ninguém deve prestar contas. 

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Maioria absoluta: why not?

 



Sei que sou um inveterado otimista e, por isso mesmo, tenho conhecido algumas deceções inesperadas, que não põem em causa o acerto maioritário do que previa como expectável. Reconheço ter extremado esse otimismo, quando apostei as minhas fichas em Corbyn na Inglaterra ou em Elizabeth Warren nos Estados Unidos e os vi saírem ingloriamente de cena sem o sucesso, que lhes desejava (mais do que prognosticava!).

Vem isto a propósito do telefonema de um amigo que, na semana passada, me questionava sobre o que antevia como resultado eleitoral em 30 de janeiro. E, sem grande tibieza, afiancei-lhe logo a forte aposta na maioria absoluta do PS, remetendo para folclore eleitoral aquilo que vinha sendo dito sobre um confronto renhido entre os dois principais partidos na liça. E o facto de, pela primeira vez sem eufemismos, António Costa ter dito preto no branco ser esse o resultado que deseja só vem ao encontro da ideia de haver crescente expetativa em quem organiza a campanha eleitoral socialista, em como tudo se conjuga nesse sentido, como aliás as sondagens diárias vêm tendencialmente perspetivando.

A importância da estabilidade colhe grande apreço nos eleitores que, à esquerda, sentiram-se zangados com a opção do Bloco e do PCP para coligarem-se às direitas e derrubarem o governo ainda em funções. E ao centro não é crível que esse segmento sociológico prescinda do equilíbrio demonstrado por um primeiro-ministro, que soube encontrar as mais sensatas estratégias para melhorar os indicadores económicos e sociais do país nos últimos seis anos e, sobretudo, para limitar a pandemia aos custos minimizados, que o enorme esforço de vacinação implicaram.

Há, é claro, os eleitores de direita, que congregam quantos já auferem rendimentos privilegiados e os querem ver maximizados  e os outros, os de limitado QI, que são capazes de acreditar nas mais desconchavadas patranhas. Para esses é desnecessário gastar mais latim, porque são incuráveis, incorrigíveis e, infelizmente, não inimputáveis.

Daí que encare com confiança o cenário do dia 31 de janeiro. Porque, na pior das hipóteses, acredito na continuidade de uma geringonça, que tanto representou o nosso contentamento durante anos e só opções irracionais de quem lhe quis pôr um prego no caixão, a devolveram à condição de «espetáculo que segue dentro de momentos». Porque, se perderem votos e deputados, que alegarão Catarina Martins e Jerónimo de Sousa para bloquearem uma solução que, se cerceada novamente, abrirá os portões à direita e ao seu parceiro mais extremado?

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A ignorância e desonestidade de Rui Rio

 

Nos últimos dias Rui Rio tem visto não só o fosso entre o PSD e o PS alargar-se nas sondagens - acabando-lhe de vez com as veleidades relativas a uma eventual réplica da “anomalia Moedas” verificada nas autárquicas! - mas também sucessivas demonstrações da sua ignorância e desonestidade intelectual. A primeira revelou-a no candente tweet  em que julgava beliscar António Costa por este se aprestar a cumprir o seu voto no Porto uma semana antes da data aprazada para as legislativas. Com aquilo que tentou passar como «humor», Rio revelou nada saber sobre as possibilidades de se antecipar o voto em mobilidade com ele a ser descarregado na área de residência do eleitor. A segunda com o badalado caso do custo da passagem aérea da TAP para voos até São Francisco, que tem explicação mais do que sensata para aquilo que apresentou como desaforo.

A corroborar essa evidente desonestidade acresce outro comportamento atribuível a Rui Rio por estes dias: imitando o ladrão, que tenta fugir gritando rua fora que era outro o delinquente, e ali se movimenta mais adiante, ele procura desencavilhar-se do projeto laranja para a revisão constitucional, que não só diz claramente a vontade de pôr a classe média a pagar os cuidados tendencialmente gratuitos do Serviço Nacional de Saúde, como também pretende fazer passar por inócua a possibilidade de pôr os portugueses a comprarem PPR’s em vez de descontarem para a Segurança Social como se não fosse essa a forma de rapidamente  privatizarem esta última.

Não seria difícil levar a maioria dos eleitores a compreenderem o logro em que incorreriam se votassem em Rui Rio, acaso não contasse este com o apoio explícito ou mais ou menos encapotado de todos os telejornais e da maioria dos comentadores televisivos. Se Passos Coelho era muito mais óbvio enquanto lobo na pele de cordeiro, Rio não está muito mais defendido da hipótese dela se ir desguarnecendo da sua verdadeira índole e ela ficar melhor exposta aos que ainda lhe dão votações próximas dos 30%. E então nem mesmo esse ser levado ao colo nas televisões lhe pode valer... 

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Um debate com um claro vencedor

 

Às vezes não tenho juízo nenhum, como passo a explicar: há muito que deixei de acompanhar o comentário político nas televisões por o saber demasiado enviesado à direita, ou não seja evidente a predisposição dos donos das televisões e seus titerados diretores da «informação» sobre os conteúdos, que querem ver maioritariamente difundidos. 

Autismo ideológico? Poderão acusar-me de tal, mas sinto-o ao invés como um previdente exercício de salvaguarda da sanidade mental perante tanta coisa dita e redita com carga tão preconceituosa de ideologia das direitas, que poderia molestar o meu delicado estômago.

Ontem, porém, decidi fazer exceção à regra do costume tão evidente me pareceu o KO técnico a que António Costa submeteu Rui Rio na hora e pouco de debate, encostando-o amiúde às cordas com argumentos gratos à maioria dos portugueses em que me incluo e tornando-o numa espécie de saco de boxe incapaz de ripostar ao óbvio: por exemplo a confessada intenção do PSD em pôr a classe média a pagar os serviços a que possa recorrer no SNS ou a violação do princípio de independência entre o poder político e a justiça por conta do controle dos Conselhos Superiores de juízes e magistrados.

Como iriam os detratores do costume virar a realidade do avesso e apresentar uma realidade alternativa sobre quanto ficara à vista?

Tenho de concluir que a minha imaginação anda de facto pelas ruas da amargura, porque ouvi coisas, que julgaria improváveis à luz do mínimo de decência e de honestidade intelectual. Desde Francisco Louçã a Marques Mendes, de Clara Ferreira Alves a Pedro Marques Lopes, de Manuela Ferreira Leite a Poiares Maduro ouviram-se tais barbaridades, que tive de reconhecer quanto andava certo na anterior decisão e melhor vale não perder tempo com quanto possam continuar a  proferir.

Percebe-se, pois, que haja em todos eles a continuada intenção em virarem a realidade do avesso, sobretudo num dia marcado por sondagens capazes de revelarem um Partido Socialista à beira da maioria absoluta, que tornarão risíveis tais participações mediáticas daqui a uma vintena de dias, quando todos poderão voltar a meter a viola no saco e adiarem uma vez mais os seus amanhãs desafinadamente cantantes. E, no meio de tão grosseira campanha antissocialista cabe valorizar o que, de passagem, Daniel Oliveira lembrou: há dois anos as televisões também deram Rio como vencedor do debate frente-a-frente com Costa e depois recolheu o resultado que se sabe. Uma vez mais o líder do PSD parece fadado para pardal a recolher o primeiro milho, que caberá depois por inteiro a quem o merece... 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Pandemia, discursos liberais e atualização do que emite o PCP

 

1. Convenhamos que nunca senti o SARS-CoV-2 tão próximo como agora, quando pessoas próximas de nós vêm sendo por ele afetadas. Ao contrário do que Marcelo proclamou com a sua conhecida “sapiência científica”, a fase endémica ainda está longe de se afirmar, porque é com uma pandemia que continuamos a lidar. Mas, para além de já andarmos acima da média da União Europeia quanto à população com a dose de reforço - e, novamente, a subir na respetiva classificação! - consolemo-nos com o facto de termos uma variante Ómicron menos perigosa, que as anteriores por afetar preferencialmente a garganta e a traqueia em detrimento dos pulmões.

2. Curiosamente tenho lido com maior atenção as crónicas de Maria João Marques no «Público» apesar de a saber paladina do pensamento liberal, algo de que me sinto tão oposto quanto o pode ser um marxista em relação às soluções presentes para recauchutar o capitalismo. Mas como ela faz uma aferição muito sagaz da Iniciativa Liberal vale a pena pegar-lhe na palavra para melhor enquadrar o partido de João Cotrim de Figueiredo no que realmente defende: “O mais caricatural na IL, no entanto, é um partido alegadamente liberal ter, como bandeiras políticas, propostas para a despesa pública: pôr os contribuintes a pagar a educação e a saúde privada dos que assim quiserem. Para a IL, o Estado que faça o favor de ficar ausente em várias áreas importantes. Porém, esse mesmo Estado deve pagar os colégios e as consultas médicas privadas de quem não tem dinheiro para tal, mas não gosta da escola pública nem do SNS. Mais um bocadinho e inventam um voucher-comida para termos acesso uma vez por ano a um restaurante com estrela Michelin — a expensas dos contribuintes, que agora só lá vai quem pode pagar. E a alimentação não fica atrás da saúde e educação.”

3. Jerónimo sai temporariamente de cena e volta a colocar-se o que, há muito, é óbvio para muitos militantes comunistas: se o PCP quer ter algum futuro sem definhar até à grupuscular dimensão dos seus irmãos europeus bem precisa de mudar de liderança e de tipo de mensagem. Rejuvenescendo-a, arejando-a, libertando-a de uma sociedade ainda maioritariamente proletária para assumir outra mais condizente com o tipo de meios de produção detidos pelo capital. E, enquanto tal, usados para salvaguardar as desigualdades entre as elites endinheiradas e todos os demais.  Havendo males que vêm por bem - e decerto quase todos os portugueses desejam ver Jerónimo recuperado da sua cirurgia! - talvez assim se apresse esse encontro do PCP com o atual ciclo político. Quiçá olhando para uma Geringonça 2.0 com uma sagacidade que recentemente parece ter perdido.