terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Bem gostaria de não ter de ligar ao Trump

1. Trump já conseguiu pôr o planeta contra si: nem nos mais escandalosos momentos históricos das agressões imperialistas contra outros países (Iraque, Líbia, Granada, Jugoslávia, etc) a unanimidade foi tão óbvia, até por algumas delas surgirem a coberto da NATO ou de outros aliados de circunstância.
Temos, pois, que dar razão a Pacheco Pereira, quando o considera um «revolucionário» com os efeitos decorrentes dessa constante vontade de disrupção. Veja-se o caos instalado nos aeroportos ou a confusão nos serviços federais, desconhecedores quanto à forma de aplicarem procedimentos a contrario de todas as suas práticas até aqui.
2. É um reparo que não está a passar em claro: a não inclusão do Egito, Arábia Saudita e Líbano na lista dos países proscritos pela decisão de Trump quanto à proibição de entrada dos seus cidadãos no espaço norte-americano. É que vieram deles os autores dos atentados de 11 de setembro de 2011! Mas tudo fica mais claro quando se sabe serem países onde ele tem negócios em curso.
3. Sorte aziaga para os que apoiam ou querem beneficiar com o trumpismo. Theresa May bem procura tornar-se na sua dócil marioneta, mas logo se vê a contas com ricochetes capazes de a fazerem submergir na inconsequência das suas intenções: não só milhares de britânicos reagem com indignação quanto à hipótese de terem de acolher o ditador em visita de Estado, como a primeira-ministra escocesa encontra clima favorável para, perante as previsíveis consequências do Brexit, pôr a Escócia ao fresco da subordinação à coroa inglesa.
Pretendendo levar por diante uma agenda só racional para as suas sinuosas meninges, Johnson & Farage vão conseguir que o país de sua majestade se reduza, em dimensão e influência, à insignificância dos seus extremistas de direita.
4. Outra vítima da decisão do inquilino da Casa Branca foi um deputado conservador inglês, com dupla nacionalidade iraquiana, que se evidenciara como um dos entusiastas do Brexit. Ele terá sentido na prática o que significa a implementação dos valores que defende ao ver-se impedido de entrar em território americano!
5. Outra vítima da adesão ao trumpismo é a Uber que quis aproveitar-se da greve dos taxistas do aeroporto JFK para a frustrar, ademais aumentando as tarifas praticadas juntos dos  clientes. Denunciada a trafulhice, há um movimento viral a mostrar quem anda a eliminar a aplicação dos seus smartphones.
6. O provérbio português que diz bom de mim fará quem atrás de mim virá, irá ganhar crescente evidência com a sucessão das manifestações de arrogância e prepotência de Trump. Obama que até nem foi um grande presidente - muito embora tenha ficado tolhido nos dois mandatos pelas maiorias adversas no Capitólio - já começou a reagir criticamente contra o sucessor.
Perante a imprevisibilidade, que a errática atuação de Trump, ditada por estímulos incoerentes, acarretará, será previsível o desejo de regresso à normalidade anterior. A quatro anos de distância, e embora desde já anseie pela eleição de Elizabeth Warren para 46º presidente dos Estados Unidos, será crível que haja quem pressione Obama para regressar à Casa Branca.
7. Admiráveis têm sido os advogados, que acorreram aos aeroportos para proporem os seus serviços pro bono aos passageiros ameaçados de sumária expulsão em cumprimento da incendiária decisão de Trump.
Assim como as dinâmicas da sociedade civil americana conseguem efeitos assustadores se direcionadas para o pior, batem todos em generosidade e eficiência quando orientadas para os valores éticos mais elevados.
7. Na crónica de ontem no «Expresso», Daniel Oliveira recordava uma das regras básicas da Democracia a que Trump é alheio: “nenhuma maioria circunstancial tem o direito de limitar a liberdade da minoria ou impedir que novas maiorias se formem”.

Mário Soares e o bom exemplo das esquerdas lusas

1. Em dois momentos do dia voltei a Mário Soares, menos de um mês passado sobre o seu desaparecimento físico.
O primeiro aconteceu-me à tarde, quando estava a concluir a leitura do «JL» de 18 de janeiro e dei com a crónica de Hélder Macedo. Ele conta um episódio ocorrido em Inglaterra durante uma visita oficial, que incluiu uma missa na igreja de Windsor: “Mário Soares, maçon e republicano è moda antiga, manteve-se de pé enquanto a Rainha se ajoelhava. E ela, de joelhos, olhava-o de lado para cima e até lhe puxou pela bainha das calças, a ver se ele entendia.  Mas o nosso Presidente manteve-se ali impávido e sereno, de braços cruzados. O vasto público sem saber como devia proceder.
Um dos diplomatas portugueses era especialista em protocolo e, como o seu Presidente estava de pé, também se levantou. E, seguindo-lhe o exemplo, vários dos outros portugueses presentes. Mas, como a Rainha continuava de joelhos, alguns ajoelharam-se de novo enquanto outros se levantavam. E assim foi acontecendo durante alguns minutos, numa onda de sobe e desce  que animou a missa. Ah, grande Soares!”
O outro momento aconteceu à noite, quando ouvia um programa da Antena 2, o «Ronda da Noite», emitido em 9 de janeiro, em que Luís Caetano reemitiu uma entrevista sua com Mário Soares que, apesar de todas as dificuldades por que estava a passar o país, continuava otimista e confiante num futuro melhor.
Como qualquer homem de esquerda que se preze assim se reafirmava, porque, apesar de momentos em que se possa vacilar, acaba-se sempre por encontrar na espécie humana uma predisposição para mudar a sua vida para melhor. E isso só pode dar confiança a quem nela nunca descrê...
2. Jovens holandeses do Partido Trabalhista - o mesmo a que pertence Djesselbloem - vieram a Portugal conversar com vários responsáveis do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda para tentarem compreender o sucesso da coligação das esquerdas lusas, que tomam como exemplo para possível aplicação no seu país.
Em simultâneo os apoiantes de Benoît Hamon, que acabou de vencer as primárias do Partido Socialista para as presidenciais de abril/maio, também confessaram o entusiasmo com que olham para a experiência portuguesa.
Lenta, mas merecidamente, o governo de maioria parlamentar liderado por António Costa começa a constituir um sério case study para uma Europa ansiosa por encontrar um modelo ideológico de esquerda, que se revele exequível e eficaz…
3. Essa exequibilidade e eficácia continua a medir-se nos indicadores do INE, que não admitem qualquer «verdade alternativa» à indubitabilidade dos seus números: o índice de confiança dos consumidores voltou ao que era há 17 anos, quando o país estava acabara de viver a Expo dedicada aos Oceanos e a taxa de desemprego desceu para 10,2%, como já não sucedia desde abril de 2009, acrescida de criação líquida de postos de trabalho.
Bem pode Passos Coelho agendar oportunidades diárias para aparecer nos telejornais a dizer mal de tudo e de todos, que as realidades não coincidem com o seu sombrio pensamento mágico...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Os sinais que anunciam o futuro das esquerdas

A vitória de Benoît Hamon nas primárias dos socialistas franceses poderá ser, com a designação de Martin Schulz para enfrentar Angela Merkel nas eleições alemãs, um dos dois momentos de viragem na realidade política europeia deste ano, por constituírem potenciais líderes com visões completamente diferentes das que possuíam os que irão substituir nos respetivos partidos. Ganhem ou não os combates a que se propõem, ambos sabem que as alianças preferenciais devem ser feitas preferencialmente à esquerda e nunca à direita e que essa coisa indefinida do «centro» é algo que ninguém hoje pretende. Estamos num tempo em que os eleitorados preferem escolhas entre opções bem ancoradas a um ou outro lado do espectro político num dobre de finados pelas várias designações do que, entre nós, se definiu como o arco da governação.
No caso de Benoit Hamon há também a novidade de um candidato credível para o mais alto cargo político do seu país, levar muito a sério as questões, que não se tardarão a pôr: como responder a um volume de emprego sempre menor por obra e graça da crescente automatização das linhas de produção? Como garantir que o direito ao trabalho, que não é apenas uma questão de sobrevivência, mas também de dignidade pessoal, possa continuar a fazer sentido na sociedade do futuro?
Hamon propõe medidas a aplicar a médio e longo prazo, que passam pela aprovação de um rendimento universal de existência para cada um dos cidadãos e a redução do horário de trabalho para as 32 horas semanais. Havendo poucos empregos de qualidade - e dando aos robôs o primado dos que são repetitivos e perigosos - a sua distribuição por número mais alargado de candidatos significará a possibilidade de limitar os riscos de grandes perturbações sociais.
Curiosamente, e sem nunca comentar o momento atual vivido na esquerda francesa, o economista Thomas Piketty, autor de «O Capital do Século XXI», deu uma entrevista à France Culture em que continua a denunciar o crescimento das desigualdades depois da queda do muro de Berlim, regressando-se a um passado anterior ao século XX. Terá sido neste que diminuíram, significa e temporariamente, graças à Revolução Bolchevique e às duas Guerras Mundiais. A Europa pouco pode fazer para infletir a tendência dos últimos anos, paralisada como se encontra pelo excessivo peso da dívida em alguns dos seus países.
A solução para Piketty passa pela aprovação de um imposto progressivo sobre o património a nível mundial através de um Tratado subscrito, e respeitado a nível global.
Utopia?, pergunta-lhe o entrevistador. Piketty lembra-lhe que os impossíveis de ontem são os exequíveis de amanhã. Quem é que, há vinte anos, acreditava que os suíços iriam deixar cair o sigilo bancário nos seus bancos?
Depois do parêntesis Trump será viável pensar numa reação de sinal contrário, onde as oligarquias financeiras e ligadas ao petróleo terão de ser postas na ordem através de mecanismos regulatórios, que as impeçam de cometer os crimes sociais e ecológicos, que se adivinham nos próximos quatro anos. Nessa altura até poderá vir a ser possível a implementação de uma das propostas eleitorais de Hamon e que já está a ser discutida no Parlamento Europeu: a taxação fiscal dos robôs na produção de bens transacionáveis.
Parece estar em curso um refluxo conservador, traduzido nas ameaças de diversas forças políticas de extrema-direita? É verdade, mas será crível que, como tem acontecido ao longo da História, a moda passe e os tempos que o Billy Bragg denuncia como estando a andar para trás, voltem a acelerar bem para diante... 

domingo, 29 de janeiro de 2017

Despeitados, puritanos e trafulhas

1. Passos Coelho bem poderia ter ficado calado, que passaria melhor despercebido o contraste entre a proatividade de António Costa em comparação com a sua apatia quanto às questões europeias. O atual governo aposta assisadamente na transformação da União Europeia hoje desprezada pelos seus cidadãos, enquanto o anterior conformava-se ao papel de marionete do sr. Schäuble.
Mas, sempre despeitado, nem sempre Passos Coelho o consegue disfarçar, e por isso as críticas à realização da cimeira, que reuniu os países do sul da Europa, dificilmente será apreciada pela generalidade do eleitorado, que deseja manter a ligação ao projeto europeu, mas não a este em particular.
2. Irritam-me são os tiques puritanos de gente do tipo da glosada por Ary dos Santos em célebre poema, que os definia como «feitos em ceroulas».
Conhecemos bem demais o estereotipo em que se inserem: orgulhosa da sua pública virtude, esconde muito frequentemente sórdidos vícios privados.
Perdidas sucessivas batalhas nas chamadas «causas fraturantes», viram agora a Educação como terreno fértil para as suas sinistras ações de censura. Semanas atrás atiraram-se como gato a bofe contra manuais em que tresliam supostos convites à prática do aborto. Agora, feita a conveniente zizania, e porque a viram razoavelmente bem sucedida, atiram-se a um dos livros sugeridos como leitura recomendada aos mancebos e às donzelas de 13 e 14 anos: «O Nosso Reino» de Valter Hugo Mãe.
O pobre do escritor, supostamente culpado de infligir ás criancinhas dolosos crimes de apelo à perversa fornicação, já se veio defender dizendo não se recordar de “ter usado uma perversão tão grande que possa representar a morte do Pai Natal.”
Qualquer progenitor sabe que, os adolescentes têm hoje uma cultura e um vocabulário, eventualmente utilizados apenas entre amigos, e que o fariam corar de vergonha se se deixasse de hipocrisias e deixasse de acreditar nas expressões cândidas por eles tomadas quando entram em casa. Mas os encarregados de educação ofendidos, não só escusam-se cobardemente a dar a cara e a identificação das suas ofendidas pessoas como se revelam torpes farsantes apostados em imporem a agenda falsamente puritana de uma Igreja bolorenta.
3. Nos jornais deste fim-de-semana parece unânime a ideia de ter havido um reforço da maioria parlamentar depois da cambalhota do PSD a respeito da TSU. Colhendo dividendos imediatos pela atrapalhação suscitada ao governo, Passos Coelho já só parece apostado em conservar consigo os indefetíveis porque os demais, aqueles que oscilam entre o PSD e o PS, não ficarão insensíveis ao vale-tudo de que ele agora se arroga.
Por seu lado as esquerdas voltaram a ser alertadas para a necessidade de procurarem os mínimos denominadores comuns em vez de explorarem as máximas divergências em que se dividem.
4. Na imprensa ainda continua viva a auspiciosa  intervenção do já não muito jovem empreendedor da «Padaria Portuguesa» em noticiário da SIC. O mínimo que se pode esperar dos seus habituais clientes é terem a decência de procurarem alternativa noutros concorrentes mais cautelosos a exprimirem a avidez na maximização da exploração dos que para eles trabalham, porque dar substância à oca mundividência do trafulha só os desqualifica.

sábado, 28 de janeiro de 2017

As potencialidades de uma diplomacia proativa

A reunião que decorre hoje em Lisboa, com os principais responsáveis políticos de sete países do sul da Europa, é fértil demonstração de como tudo mudou com o surgimento deste governo. Com Passos Coelho a diplomacia portuguesa era tímida, quase nem se queria fazer notar no grande concerto das nações, porque contentava-se em seguir docilmente as prescrições vindas da Alemanha, acolitadas dos seus parceiros holandês e finlandês.
António Costa não se conforma com uma União Europeia tal qual existe. As desigualdades entre o norte e o sul, a imposição de agendas neoliberais e a permanência de diferentes regimes fiscais são razões para dela sair ou pretender transformá-la.
Há quem não acredite na recriação do projeto europeu, mas Costa segue a máxima soarista de só ser derrotado quem desiste de lutar. E ele luta, mesmo que os políticos dos países do Norte fiquem mal dispostos com estes novos fóruns dos patinhos feios europeus, como sucedeu com o primeiro-ministro holandês na semana transata. Convencendo Hollande, Rajoy, Tsipras e os líderes de Itália, Chipre e Malta a discutirem onde convergem nos interesses e como os podem impor em Bruxelas, Estrasburgo ou Frankfurt, Costa bem poderá estar em vias de confirmar como o seu talento de negociador produz resultados, que outros, por inépcia ou falta de vontade, julgariam impossíveis.

Sabotadores externos e internos

Há quem conteste o êxito do protesto emitido por Mário Centeno na reunião do Eurogrupo ao confrontar os que andaram a prever raios e coriscos para as finanças portuguesas durante 2016 com os resultados oficiais do défice orçamental efetivamente verificado. Lá se viram desmentidos nas previsões catastrofistas devido ao abandono das receitas, que lhes eram gratas e motivaram declarações incendiárias com o objetivo de verem os seus desejos traduzidos em realidades.
Será difícil ouvir de Schäuble ou de Djesselbloem os mais que justificados atos de contrição, mas um e outro poderão nem sequer chegar ao fim do ano nos cargos que desempenham. O holandês tem o seu partido no oitavo lugar das sondagens para as eleições desta primavera e o alemão dificilmente conservará o lugar num novo governo, mesmo que Merkel ganhe, porque a coligação com Schulz dificilmente comportará a sua visão distorcida da realidade europeia.
Para já ficamos agradecidos que metam a viola no saco e se escusem de prosseguir o trabalho de sabotagem da governação de António Costa.
É que, para esse trabalho, podem sempre contar com Passos Coelho como se viu no debate desta sexta-feira. Por muito que os interesses partidários e pessoais lhe sejam tão caros, uma pinga de sentido patriótico impedi-lo-ia de se tornar no propagandista de uma «realidade alternativa» como a de fazer passar o défice de 2016 de 2,3% para 3,4% com argumentos facilmente desarticulados nos seus fundamentos, mas que, entretanto, ecoam em ouvidos inconvenientes.
Sendo fundamental melhorar nas classificações da Fitch e da Moody’s para que os juros da dívida se tornem mais comportáveis, a peixeirada parlamentar só revela a falta de ética, que o move, por fornecer argumentos a quem deles tanto precisa para manter o governo a contas com esse obstáculo.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Quando todos os golpes sujos se perspetivam

Em Passos Coelho admire-se o voluntarismo por ir tentando todas as táticas possíveis para evitar o progressivo crepúsculo, que lhe anuncia a longa noite do seu olvido junto dos eleitores. Ciente de não ter portas abertas para retomar uma vida profissional, que nunca primou pelo brilhantismo - não há assim muitos incautos, que repitam a façanha de contratar esse outro “cérebro iluminado”, como é Maria Luís -  tem de experimentar todos os estratagemas para evitar o desenlace do seu trivial destino.
Vem isto a propósito do debate quinzenal desta manhã em que começou por elogiar António Costa, para logo desferir ataque insidioso destinado a iludir os sucessivos êxitos que os números do INE vêm espelhando sobre a ação governativa. sabendo que o primeiro-ministro podia congratular-se com o défice de 2,3%, o aumento do salário mínimo, a redução da dívida e a queda sustentada do desemprego, Passos teimou em que ele lhe fornecesse o saldo orçamental do ano, quando sabe estar a ser apurado e conferido esse e outros indicadores das finanças públicas. E, porque António Costa, já irritado com o seu desplante, lhe prometeu a divulgação desse número para quando o Diabo chegasse, Passos sentiu-se ufano a entusiasmar a sua bancada, proclamando a «ignorância» do interlocutor a tal respeito.
Após já ter revelado que terá como estratégia o apoio a todas as propostas do Bloco e do Partido Comunista que ponham em causa o governo - que se lixem os princípios, mas nunca as eleições, sempre adivinhadas no horizonte! - Passos pode sentir-se tentado em repetir a técnica que, aparentemente, experimentou com o sucesso propiciado pelas palmas efusivas dos seus próprios deputados. Não será de espantar que, no próximo debate, pergunte a António Costa qual o nome do papagaio, que o seu motorista possui e, perante o desconhecimento da resposta, lhe atire a violenta acusação: O senhor nem sequer tem sensibilidade social para saber o que importa ao seu próprio motorista!». Esperemos pelos próximos capítulos, que mais jogo sujo se perspetiva...

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Um leão com garras menos afiadas do que julga

1. Um provérbio popular muito comum, defende a inevitabilidade de saídas de sendeiro a quem tem entradas de leão. É o que Trump me lembra com esta sucessão de decretos destinados a virar de pantanas a ordem constitucional norte-americana e a dar fé do cumprimento das mais sinistras promessas de campanha.
Há quem o considere ameaça muito séria e têm razão, porque muitas pessoas pagarão direta ou indiretamente os custos das suas políticas. Mas, por outro lado, a inevitável descredibilização dos efeitos dessas políticas poderá suscitar uma vacina eficaz para evitar a tentação do regresso de tal tipo de cromos ao topo de cargos governativos nos países ocidentais. Porque, por mais que queira, Trump não conseguirá ter os meios que Viktor Orban ou Recip Erdogan colocaram ao seu dispor para impor ditaduras em países pouco dotados para evitar derivas totalitárias, e mesmo estes durarão o tempo necessário para que a sua pútrida ação tenha a correspondente resposta contrária.
Portando-se como um menino birrento, que teima nos caprichos, Trump já depara com as negas dos que estão em condições de o desfeitearem nas intenções: o presidente mexicano já cancelou a visita de Estado a Washington, Justin Trudeau avisa só aceitar negociações tripartidas do NAFTA, escusando-se a conciliábulos bilaterais, e o novo mayor de Phoenix, no Arizona, rejeitou colocar a polícia local  ao serviço da política de expulsão de emigrantes decidida pela Casa Branca, mesmo que isso lhe custe financiamentos federais.
Julgando ser capaz de dobrar o mundo, moldando-o de acordo com a sua escala de preconceitos, não imagina as tempestades vindouras causadas pelos ventos que começa a semear…
2. Em França o candidato da direita à eleição presidencial está em apuros, porque se soube do emprego fictício por ele criado para ter a esposa paga principescamente como assistente parlamentar durante oito anos. No total ela terá embolsado meio milhão de euros sem ninguém ter dado pela sua presença no local de trabalho.
À partida será Marine Le Pen a ganhar com esta notícia, que dará razão às denúncias sobre a corrupção dos políticos dos partidos do poder. Mas não perco a esperança de vê-la derrotada por quem com ela se defrontar na segunda volta.
Gostaria que fosse Hamon ou Melanchon, mas muito provavelmente será Macron. Entre uma fascista e um oportunista austericida a escolha é difícil, mas pendo para este por comportar menos riscos para a continuidade das regras fundamentais da democracia. E os socialistas terão o período de nojo do poder para se reinventarem, deitarem às urtigas as tentações terceiradesviantes de Valls e Hollande e apresentando-se em força com candidatura credível para o próximo quinquenato.
3. Animadora é a sondagem da televisão alemã, que dá Martin Schulz em igualdade com Angela Merkel na preferência dos eleitores para o cargo de chanceler.
Tendo oito meses por diante para afirmar a sua candidatura, esmagar os argumentos da extrema-direita, para a qual as trumpices tenderão a ser devastadoras como publicidade negativa, e aproveitar o cansaço por uma Merkel, que não dá mostras de ter discurso mobilizador e convincente, a esquerda alemã poderá ajudar a constituir uma espécie de fénix desta União exangue pelas tropelias dos donos do Eurogrupo e constituir-se como o interlocutor privilegiado da China na definição de regras mais justas para o comércio mundial de que os Estados Unidos e a Inglaterra se dissociam.
4. Uma breve conclusão para dar razão ao otimismo: em Itália o palhaço Grillo dissociou-se do putativo aliado Matteo Salvini, da Liga do Norte, por … ser fascista!
Trump anda a gerar o clima propício a que os fascistas se tornem infrequentáveis até por aqueles com quem pareciam ainda há pouco andar com eles nas palminhas!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Devolver os zombies às catacumbas

1. Há males que vêm por bem! Segundo Manuel Vasquez Montalban, que escreveu saborosa prosa numa apócrifa autobiografia do ditador Franco, este repetia aquela fórmula até à náusea. Quem o rodeava já a não podia ouvir. Mas ela ganha todo o sentido com a revogação da lei que reduzia provisoriamente a TSU para os patrões, e teve o condão de despertar as esquerdas para os perigos de darem Passos Coelho como morto e enterrado. Bem se enganaram ao julgarem-se de mãos mais soltas para se afirmarem perante o governo de António Costa. E este para julgar desnecessárias as discussões de assuntos mais polémicos com os tácitos parceiros, por ter garantido o assentimento do PSD em matérias que, pela sua natureza, nem sequer se atreveriam a por em causa.
A viragem estratégica da frágil liderança de Passos Coelho tem o condão de desdizer aquilo que jornais e televisões davam por garantido: era cadáver adiado á beira de receber a extrema-unção.  Afinal, como nos melhores filmes de George Romero, os zombies recuperaram alento e saíram ao ataque.
Momentaneamente acantonadas nas respetivas posições, cabe às esquerdas, através da reativação do excelente trabalho produzido por Pedro Nuno Santos na contínua ação de contacto e negociação com os parceiros da maioria, evitar recorrências do passo em falso hoje confirmado na Assembleia da República.
Na entrevista ao «Público», Catarina Martins confirma a intenção do Bloco em segurar o governo durante os quatro anos da legislatura. E até se lhe pode dar acrescida razão, quando saúde a aparente precariedade do governo nas circunstâncias atuais: “Atrevia-me a dizer que a democracia ganha com situações mais complexas do que com situações simples, em que se pensa pouco nas consequências do que é feito e se arrasa muitas vezes o que foi feito durante anos.”
É, pois, tempo de haver sensatez nas esquerdas de forma a que, sem grandes danos, se devolvam os zombies às merecidas sepulturas.
2. Na mesma entrevista, Catarina Martins aborda, igualmente, a sempiterna  questão das divergências com o governo sobre o papel de Portugal na União Europeia e na reestruturação da dívida. Essas diferenças de perspetiva levam os Assis ou os Marques Lopes a pressuporem - erradamente! - que haverá bastante mais a unir o PS ao PSD do que aos partidos à sua esquerda.
Tais opinadores iludem a verdadeira questão: o separar de águas não se faz por tais questões, mas pela aceitação ou rejeição das receitas neoliberais. Ora, à exceção de um isolado punhado de resistentes, a grande maioria dos socialistas mandou ás urtigas as políticas baseadas nas privatizações, na desregulação e na flexibilização das leis laborais, que o execrado modelo neoliberal pressupõe incontornável com o beneplácito das instituições europeias, quase todas controladas pelo PPE. Hoje, a maioria dos militantes e simpatizantes socialistas - e, nos últimos anos, Mário Soares foi tenaz defensor desta tendência! - pretende mais igualdade, justiça e educação, sem resquícios da malfadada Terceira Via.
Numa altura em que os acontecimentos estão a reacelerar o curso da História, bastam entropias como o Brexit, o protecionismo à la Trump ou a previsível independência da Escócia, para gripar o castelo de cartas, seriamente instabilizado pela perversão do projeto europeu. E, muito me engano se, nos próximos anos, não der com as esquerdas a convergirem sem tibiezas na reinvenção de tal sonho, conquanto ele seja pensado em função dos seus cidadãos e não das oligarquias, que dele se apossaram como forma de melhor abocanharem uma mais obscena acumulação de capital!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Foi bonita a festa!

No fim da tarde desta segunda-feira o auditório do Caleidoscópio encheu-se com alguns dos maiores entusiastas do projeto SNAP, que foi a votos na eleição presidencial de 24 de janeiro de 2016.  Foi o encontro de amigos forjados na luta pela afirmação de uma candidatura que acreditavam ser a melhor para o Portugal do tempo novo anunciado pelo então recém-empossado governo.
Apesar de não se alcançar a vitória, estou certo de todos comungarem da ideia de terem saído das muitas semanas de campanha mais enriquecidos enquanto pessoas e com novos amigos para a vida, até então desconhecidos.
Um dos objetivos deste reencontro era o de anunciar as 17 instituições de apoio social, cultural e ambiental contempladas com as verbas remanescentes da campanha eleitoral, que lhes possam mitigar algumas das dificuldades com que se debatem diariamente para concretizarem a sua admirável atividade.
O outro era ouvir do Prof. Sampaio da Nóvoa uma declaração em forma de balanço sobre a evolução do país desde então. Começando por apelar à participação de todos nas próximas eleições autárquicas como renovação do compromisso com a democracia, elogiou o papel do atual Presidente da República na revitalização da sua função, “devolvendo-lhe a sua importância, sobretudo na relação com os cidadãos”, ao afirmar-se através do sentido de independência, de imparcialidade, de equidistância. “
Entrou depois na parte do discurso, que mais apreciei por enfatizar uma expressão feliz: «É preciso dar futuro ao presente».
Segundo as suas palavras “nos últimos quinze meses, recuperámos muito do que havíamos perdido em quatro anos. Desde logo, o direito ao presente. Mas só isso não chega para resolver os nossos problemas de fundo.
Os acordos de governo abriram novas possibilidades, alargando o campo da política e da liberdade. Só posso desejar que se tornem mais sólidos, e que venham a ser capazes de construir um horizonte de estabilidade e de futuro para Portugal.
A política é sobre o futuro, nunca é apenas, nem só, sobre o presente.
A nossa geração tem a obrigação de deixar aos jovens uma organização do país que fortaleça, de uma vez por todas, os dois pilares do nosso desenvolvimento: o conhecimento e a economia.”
Conquistar esse futuro significa prepará-lo melhor “para a incerteza e para a imprevisibilidade, para os novos modos de vida e de trabalho, para as mudanças na economia e na tecnologia, na mobilidade e na comunicação.
De pouco nos servem as fórmulas do passado, mas se olharmos com atenção para as novas gerações - na relação com a vida, com o trabalho, com o ambiente, com o consumo, com a mobilidade ... - veremos os sinais que nos permitem preparar melhor o país e tirar partido de tantas vantagens que Portugal tem no mundo globalizado dos nossos dias.”
Pessoalmente tenho pena que o SNAP tenha tido o seu epílogo com esta cerimónia. Porque o Prof. Sampaio da Nóvoa é daquelas personalidades que fazem impreterível falta ao país. Daí que lamente não o ver mandatado para, num dos muitos cargos possíveis para o efeito, colaborar ativamente na criação desse futuro no presente.
Nostalgicamente só posso reconhecer que, lembrando a canção de Chico Buarque, foi bonita a festa enquanto ela durou!

domingo, 22 de janeiro de 2017

Um ano de marcelismo

1. Um ano depois da vitória nas presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa deu a primeira entrevista na função, confirmando a habilidade para o discurso ambíguo, nele cabendo todas as leituras possíveis consoante a predisposição de quem o ouviu.
Quem apoia Costa fica confortado com o aparente respaldo. Quem está com Passos contenta-se com a legitimação para que se mantenha à frente do PSD até ao fim da legislatura. Quem está nas outras esquerdas parlamentares ficou com a quase explicita convicção quanto à necessidade da reestruturação da dívida. E os entusiastas de Cristas ter-se-ão sentido aliviados com a desaprovação à nacionalização do Novo Banco.
A necessidade de Marcelo em fazer-se-amar continua a ser tal, que ajusta as palavras de forma a tornarem-se empáticas com as diversas opiniões do eleitorado.
Eu continuo a não me marcelizar e não é pelo despeito de não ter tirado nenhuma selfie com ele. Até lhe elogio isso: ao contrário do que aqui previ há alguns meses, ainda não o vi bater-me à porta para tirar esse testemunho fotográfico a pretexto de, entre os 10 milhões de habitantes, ser o único a faltar-lhe na coleção. O que não está excluído, que venha a acontecer!
Em 24 de janeiro de 2016 votei em Sampaio da Nóvoa e teimo em considerar que tratava-se do candidato mais conveniente para os tempos imprevisíveis em que vivemos. Infelizmente não foi esse o veredito dos portugueses que preferiram quem, a seu tempo, demonstrará os verdadeiros intentos do projeto para que se ajeitou com prevenida antecedência.
2. Não tendo particular entusiasmo pela descida da TSU, embora lhe tenha compreendido o propósito, continuo a apontar Passos Coelho como o único culpado da sua provável inviabilização.
Os patrões que, em entrevistas e outras intervenções públicas, andam a atribuir a culpa às esquerdas, estão a confirmar a equiparação ao célebre escorpião da fábula: está-lhes na natureza atacarem os seus fidalgais inimigos. Por isso em vez de confrontarem o seu testa-de-ferro no parlamento com as posições ideologicamente estapafúrdias, alinham com ele no objetivo fundamental: dificultar a governação de António Costa na expetativa de o ver embrulhado em desacordos insanáveis com os demais partidos da esquerda parlamentar. Lá no íntimo continuam à espera do Diabo, que lhes tem trocado as voltas, sem nunca aparecer.
É avaliarem mal - como aliás lhes vem sendo habitual - a capacidade do primeiro-ministro para virar as adversidades a seu favor e transformá-las em oportunidades de maior afirmação dos inesgotáveis dotes de negociador. Como concluía Daniel de Oliveira na crónica no «Expresso»: “Costa tem um problema que obviamente ultrapassará. Passos, aprofunda um problema que o começa a ultrapassar”.
3. Nas primárias socialistas para definir o candidato à eleição da próxima primavera, Benoit Hamon conseguiu ficar à frente de Manuel Valls, desmentindo uma vez mais a previsão das sondagens.
Tratando-se daquele em quem votaria se também o pudesse ter feito, sobram poucas dúvidas, que confirmará a sua liderança na segunda volta. Pode-se lamentar que não vá a tempo de criar a vaga de fundo propícia à vitória final, mas será ele o mais indicado para devolver ao Partido a matriz socialista, que Hollande e Valls quiseram declarar extinta.
Um a um, os patrocinadores da Terceira Via no movimento socialista europeu vão sendo confrontados com a indigência das suas estratégias, conhecendo sucessivas, e esperemos que irreversíveis, derrotas!