sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Trump, dia um

Donald Trump sempre foi muito sensível à opinião que de si os outros fazem. Por isso mesmo, quando a equipa de assessores desvaloriza a importância das sondagens, que o dão como o único presidente norte-americano a perder popularidade entre a eleição e a tomada de posse, está a exprimir desejos por realidades. Na verdade, embora o que se passa na cabeça do novo inquilino da Casa Branca seja um enorme ponto de interrogação, podemos conjeturar até que ponto ele não perderá algo da sua soberba, quando as dificuldades começarem a tornar mais pequena em influência uma América, que ele prometeu tornar ainda mais forte.
É que, ao contrário dos seus falidos negócios, ele chega aos palcos da política nacional e internacional com interlocutores muito diferentes dos empregados e empreiteiros a quem prejudicou com rotundos calotes. Ele que se meça com Xijinping, o presidente do país, que tem em seu poder parte substancial da dívida norte-americana, para entender como os jogos de negociação em que sempre se julgou invencível, lhe podem ser desfavoráveis.
A ideia de arrebatar riqueza e poder aos outros só porque tem mais armas nucleares e porta-aviões pode ser tentadora, mas essa mera ameaça tenderia a criar-lhe uma tal oposição, que o impeachement seria uma realidade.
Há quem faça apostas quanto à possibilidade de tal instrumento vir a ser utilizado para, a exemplo de Nixon, nem sequer a acabar este primeiro mandato. Os conflitos de interesses são tão evidentes que, desde o primeiro dia, justificariam a abertura do respetivo processo tão inconstitucional é a continuidade no controle dos negócios, mesmo que por suposta delegação nos filhos, ou a nomeação do genro para a Casa Branca.
Mas quem possa pensar numa iniciativa democrata nesse sentido poderá vir a enganar-se: há antes quem aposte no confronto brutal entre o seu populismo e a ideologia fascista do Partido Republicano, que levou os últimos trinta anos a orientar-se continuamente para a direita, assumindo com o Tea Party, a ameaça mais forte a muitas das principais liberdades contidas na Constituição.
Na imprevisibilidade dos tempos que não tardarão a vir, a inquietação de Trump com a impopularidade junto do eleitorado poderá lança-lo em ataques determinados contra alguns dos principais objetivos da agenda republicana, criando as condições propícias para a recuperação de uma das câmaras do Capitólio pelos democratas nas eleições intercalares do final do próximo ano.
Perante tal probabilidade poderá ser esse o motivo para serem os próprios republicanos a dele se pretenderem livrar, até por contarem com um vice-presidente suficientemente fanático a nível dos costumes para com ele prosseguirem a tentativa de imposição do programa ultraconservador.
Essa possibilidade será uma das muitas razões para dar razão a Zizek, quando considerou bastante provável que a investidura de Trump venha a constituir uma daquelas situações em que os males vêm por bem. É que, no entretanto, o presidente incumbido de formar a Administração no mandato entre 2021 e 2025 já contará com uma potência economicamente menos dotada dos meios de dominação, que os tratados comerciais com os países do Pacífico, da América Latina e da Europa garantiriam. E para nós europeus, terá já sido extinto o logro da parceria de defesa atlântica, justificativa da sobrevivência da Nato, essa excrescência da Guerra Fria, que há muito deveria ter sido extinta. 

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