quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Os faits divers da política internacional

1.Obama a despedir-se da Casa Branca, Trump a nela entrar envolto em polémica por causa da chantagem a que possa vir a ser sujeito pelos russos: a política internacional vai-se distraindo nestes faits divers, enquanto o mais importante a acontecer na Europa é o frio intenso, que penaliza os mais pobres e, sobretudo, os refugiados cuja má sorte vai conhecendo agravamentos humanamente inaceitáveis. As escassas imagens provenientes de Lesbos com as frágeis tendas de campismo derrubadas pelo peso da neve e as famílias encharcadas num chão embebido em água correspondem a cenário de acordo com um dos mais terríveis círculos do Inferno do que de paisagem terreal do nosso tempo.
2. Quedemo-nos, porém, em Obama, sobre quem muitos exprimem saudades antecipadas. Injustificadamente, a meu ver. É que ele pode reivindicar o constante bloqueio dos republicanos às suas políticas mais avançadas, mormente o Obamacare ou os acordos com o Irão e com Cuba, mas nenhuma desculpa pode existir para a sua incapacidade em analisá-las, neutraliza-las e sabê-las derrotar com determinação e eficácia.
Se o desaire democrata muito deve à opção por Hillary Clinton, ela tem igual paternidade na falta de substância das estratégias da Casa Branca nos últimos oito anos.
3. Sobre Trump não há muito a dizer. Será que os serviços secretos russos têm imagens comprometedoras a seu respeito, que possam utilizar como chantagem? É possível, bastando para isso recordar as daquele momento julgado fatal durante a campanha eleitoral em que ele se portava como sórdido gabarola a respeito da forma como costuma tratar as mulheres. Mas constatando-se que, em vez de o prejudicarem, elas até foram eficientemente neutralizadas pelos seus marketeiros políticos, podemo-nos questionar se até o veríamos a sair-se incólume com imagens demonstrativas das suas mais execráveis parafilias sexuais?
4. Putin continua a ser diabolizado nos meios de comunicação ocidentais, mas pode-se  criticar-lhe a inteligência com que tem criado um escudo de ricochete contra os líderes ocidentais mais apostados em vergarem a Rússia aos interesses do expansionismo económico alemão no seu território? Sentindo-se numa situação de fragilidade económica, pode-se-lhe estranhar as tentativas de enfraquecimento dos que mais têm contribuído, com as sanções e a sabotagem dos preços no mercado do petróleo, a humilharem a grande nação russa?
Que nível de histeria seria alimentada nesses suportes de manipulação da informação se existissem provas indiscutíveis da espionagem dos seus serviços secretos sobre todas as comunicações de Angela Merkel! Ou se surgisse notícia sobre a obrigatoriedade da Google entregar à sucessora do KGB todos os movimentos de quem o utiliza!
Esses media tendem a desculpar ao «amigo americano» aquilo que nem por sombras se aproxima do comprovado pelos rivais pós-soviéticos. E, no entanto, não foi o Kremlin quem violou os compromissos, que deveriam ter evitado a expansão da Nato até à sua fronteira, nem os que conspiraram na Ucrânia ou na Síria para aí estabelecerem regimes com os quais  ficaria vedado o acesso da Marinha russa ao Mediterrâneo, único mar navegável em todo o ano, já que o Báltico, a norte, obrigá-la-ia a ficar meses a fio cingida aos cais.
É detestável a proximidade entre Putin e as extremas-direitas? Claro que sim! Mas as direitas e as esquerdas europeias têm transformado em inimigo fidalgal aquele que poderia ter sido o interlocutor mais sólido para transformar o espaço europeu no projeto gaulista de uma mesma entidade federativa do Atlântico até aos Urais. Ou melhor ainda, até Vladisvostoque…
Uma comunidade das nações em vez dos seus grupos económicos dominantes, eis a oportunidade perdida desde que o muro de Berlim caiu!


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