Estamos numa época em que somos levados a olhar para tudo quanto se vai passando à nossa volta com tal velocidade, que somos tentados a ver a realidade numa lógica maniqueísta, como se não existissem muitos matizes diferenciados entre o branco e o preto.
Há quem diabolize Vladimir Putin e enfatize como argumento o empréstimo que teria facultado a Marine Le Pen para a campanha presidencial desta primavera. Ora é agora notícia a exigência da agência russa de garantia dos depósitos bancários à Frente Nacional para que devolva os nove milhões emprestados por um banco entretanto falido. Ficamos, pois, esclarecidos: foi um banco privado russo a procurar notoriedade, sabe-se lá com pretensão de assegurar mais fácil sobrevivência, a garantir esse dinheiro agora em falta para que Marine tenha pretensões em chegar à presidência. Situação que já a terá levado a procurar o papá a pedir-lhe o retorno da mesada perdida, desde que dele se distanciara de tal forma o considerava tóxico para as suas ambições.
Putin até pode desejar que a vida fique mais difícil para o bloco central criado para lhe impor sanções por causa da mais do que justificada ocupação da Crimeia. Mas que leve essa aspiração até apoiar explicitamente as extremas-direitas europeias ainda vai alguma distância. Aliás, inteligente como o é - mais do que todos os atuais líderes dos mais influentes países europeus! - está a ser curiosa a sua recente afeição pelo fascista Erdogan. Nesse sentido terá aprendido algumas lições com Estaline, que não enjeitou associar-se momentaneamente a Hitler para melhor preparar o ataque dele mais do que previsível. Até o insuspeito Simon Sebag Montefiore, cuja biografia começa a sair esta semana no «Expresso», reconhece a sensação de fragilidade do dirigente soviético depois de ter decapitado as chefias do Exército Vermelho nos anos anteriores, sabendo-o comandado por quem não possuía as capacidades e competências para responder de imediato ao avanço nazi.
Para Putin é fundamental a base naval na Síria e isso implica manter Bachar al Assad no poder. Daí que, dissociando momentaneamente Erdogan dos demais parceiros da Nato, isola-o o suficiente para, tão só ele lhe exija a saída do aliado para ocupar junto dos curdos o espaço abandonado pela nova Administração Trump e virar do avesso a política turca. Mais do que do clérigo exilado nos EUA, será dos setores laicos do Exército, que virá o golpe capaz de derrubar Erdogan. Com a garantia, quer na Síria, quer na Turquia, quer no Iraque, de uma maior autonomia dos que, há dezenas de anos, a desejam política e culturalmente para o Curdistão.
Mas a tentação para evitar cenários a preto-e-branco também se coloca para Trump: em poucos dias já impediu os Republicanos de acabarem com o Comité de Ética, que analisa conflitos de interesses na Câmara dos Representantes, e opõe-se agora à morte súbita do Obamacare, exigindo alternativas para os milhões de norte-americanos, que acederam recentemente, e pela primeira vez, a cuidados de saúde. Sem muito nele apostar, vale a pena continuar a assistir aos obstáculos levantados pelo futuro Presidente à sua suposta base de apoio.
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