Um dos palpites, que me saíram furados no ano transato foi o de Erdogan não chegar à frente da Turquia neste início de 2017. Ainda assim vi-lhe esboroar-se fragorosamente a ambição de se tornar no líder temido do mundo muçulmano sunita. Se mantém o poder à custa de milhares de oposicionistas nas prisões e afastados dos seus empregos, ou de um controle férreo na comunicação social, onde só sai o que lhe for favorável, a fraqueza é tal, que não consegue disfarçar a capitulação face à poderosa aliança russo-iraniana.
Nos seus planos chegou a conjeturar-se a possibilidade de expandir a influência turca a toda a extensão do antigo Império Otomano, o que implicaria apossar-se, ou ter governos fantoches, no Iraque, na Síria, no Líbano e na Jordânia. As Primaveras árabes ainda mais lhe aumentaram a ambição, porque, a seu reboque, os Irmãos Muçulmanos tomaram o poder, ou quase o conseguiram, no Egito, na Tunísia, em Marrocos ou na Líbia. De repente parecia exequível regressar ao passado anterior a 1918. Erdogan não olha para a Primeira Guerra Mundial como um conflito entre potências europeias, mas como uma agressão coligada contra um Império dotado da “missão” de unificar todos os povos muçulmanos.
Um dos atuais problemas têm a ver com os jiadistas do Daesh a quem facilitou a penetração na Síria. De aliados, converteu-os em inimigos ao tomá-los como alvos dos seus ataques, quando os sentiu fracos demais para ajudarem a derrubar Bachar al Assad ou eliminarem a insurreição curda. Poderão já não causar grande mossa, mas mantém a capacidade de promover atentados tão mediáticos como o perpetrado na discoteca de Istambul na noite da passagem do ano.
O outro problema foi-lhe criado pelos aliados sírios, aqueles que, apesar de não terem semelhanças com meninos de coro, o Ocidente insiste em apontar como respeitáveis opositores contra Assad. Em 18 de julho de 2012, organizaram um mortífero atentado em Damasco, que vitimou algumas figuras de proa do regime, entre as quais o cunhado do presidente. No dia seguinte, a aviação despejou milhares de bombas no território ocupado pelos opositores e Assad eximiu-se de controlar todo o território curdo, estrategicamente menos importante para os objetivos de controlar todo o litoral.
Gozando de total autonomia nesse Curdistão sírio, os guerrilheiros do PYD (Partido da União Democrática, gémeo do PKK) lançaram as bases de um Estado independente, que reivindicará parte substancial do território turco. Um dos maiores pesadelos que podem assombrar as noites de Erdogan.
Ele é o exemplo paradigmático da expressão popular de ter mais olhos do que barriga: julgando-se capaz de ser um gigante, converteu-se num pequeno líder regional a quem Putin dá provisoriamente a mão como forma de fragilizar a Nato, mas que apressadamente abandonará, quando o sentir mais incómodo do que prestável.
Com a economia em crise, nomeadamente pela quebra de receitas no setor turístico, dificilmente Erdogan conseguirá travar o descontentamento dos que se fartarem com promessas incapazes de cumprir. Tendo resistido mais do que o julgaria possível, nem sequer lhe valerá a ajuda de Trump, cujo enleio no seu próprio labirinto o enredará nos seus próprios problemas sem tempo para em ajudar a resolver os dos ditadores da sua simpatia.
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