Uma das abordagens da eleição de Donald Trump, que não tenho visto ilustrada na comunicação social é o estado de alma dos que lhe deram a vitória em 8 de novembro.
Logo depois do Brexit tivemos muitas notícias sobre os arrependidos por tal votação, subitamente confrontados com as consequências das escolhas, invariavelmente a prejudica-los nos seus direitos e expetativas.
Com Trump têm imperado as notícias de organização de protestos por parte dos que contra ele militaram, mas acontece um pesado silêncio no campo contrário. Mais: se alguém tão acéfalo quanto Nicole Kidman se arrisca a proferir opinião ambígua, que pode ser lida como apoio a Trump, logo lhe caem em cima e a obrigam a explicar-se pelo aparente desaforo.
Artistas dispostos a abrilhantar a cerimónia da tomada de posse, viste-los, só nela restando os habituais pimbas da country. Mesmo os meios mais conservadores calam o incómodo, uns porque o fanatismo religioso não se coaduna com muitas das histórias de alcova do novo presidente e os outros, porque têm dificuldade de passarem, de um dia para o outro, de um anticomunismo primário para a nova moda de ver em Putin o grande e enternecedor amigo.
Mas eu penso noutros, por exemplo nos que, entrevistados pelas televisões, apostavam em Trump, porque prometia pôr Wall Street na ordem e agora vêem a Goldman Sachs a colocar mais alguns dos seus diletos discípulos nas altas funções do Estado. Ou os que acreditaram nos empregos rapidamente garantidos nos setores deslocalizados para outros países e continuarão mês após mês a verem sonegada a esperança dada pelo vendedor de ilusões, tão lesto a debitá-las quanto omisso em cumpri-las.
É possível que os norte-americanos entrem num tal estado de abulia, que permita a Trump adotar comportamentos cada vez mais ditatoriais, como se viu em recente conferência de imprensa. Mas, começando o seu mandato com uma baixíssima aprovação pelo conjunto dos cidadãos, já hostilizou gente a mais para que o deixem em paz. Nesse sentido, esperemos que se cumpra o vaticínio de quantos acreditam estarmos perante alguém com elevado potencial para vir a ser impugnado daqui a não muitos meses. O problema é que, olhando para o vice, a alternativa não seria certamente mais favorável. Mas chegámos porventura à situação de se vir a cumprir uma regra nem sempre válida: a de quanto pior, melhor será o que vier a seguir...
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