quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Antarctica - trailer


A EUROPA NUNCA EXISTIU

Parafraseando um famoso livro do mais recente prémio Fernando Pessoa, quando teorizou sobre o fascismo, vale a pena voltar à entrevista a Eduardo Lourenço na «Visão» da semana transacta para subscrever a sua opinião sobre a Europa. Para ele o continente nunca existiu como nação e essa será a razão primeira para a decadência por que passa actualmente.
De facto terá existido Europa a mais com os seus diversos países a disputarem os mercados entre si em vez de se conjugarem para melhor prevalecerem em relação aos Estados Unidos ou à China.
E conclui: Provavelmente a Europa sempre foi assim, mas foi também essa riqueza que lhe deu um dinamismo diferente dos outros continentes, pelo menos até ao século XIX.
O problema actual tem, porém, a ver com a mudança de paradigmas. E se esse dinamismo suscitou como contraponto a eclosão de duas guerras mundiais, nesta altura torna-se imprevisível suspeitar do que poderá resultar da incapacidade do eixo franco-alemão em compreender o rumo para que empurra todo o continente. Muito embora Mário Soares manifeste o optimismo de acreditar num recuo inteligente dos protagonistas dessa inércia, não adivinhamos para onde ela nos poderá conduzir...

DE VITÓRIA EM VITÓRIA

Embora a generalidade dos jornais e das televisões esteja alinhada com a linha política e ideológica deste Governo, a aparente sucessão de vitórias deste para impor a sua agenda neoliberal contra trabalhadores, reformados e pensionistas pode iludir quem a tudo assiste sem constatar o tipo de contestação sofrida pelos Executivos de José Sócrates.
No «Diário de Notícias», António Perez Metelo lembra oportunamente a mitologia grega : O rei Pirro de Épiro desafiou Roma, derrotando-a em sucessivas batalhas. Mas, à medida de cada novo êxito, as forças de Pirro iam mirrando, enquanto as hostes de Roma recuperavam com avalanches de novos recrutas. Ao ponto de Pirro exclamar, no desfecho do confronto em Ásculo: “Mais uma vitória como esta e estou completamente arruinado!”
Arruinado é o que ameaça ficar o país depois de alguns anos de (des)governação passista, razão porque não tardará a enfrentar os custos de tal actividade . Porque, como lembra Pedro Silva Pereira, no «Diário Económico», a campanha eleitoral do partido vencedor girou em torno de uma promessa mil vezes repetida: austeridade contra "as gorduras do Estado", não contra as pessoas. Compreende-se bem que os portugueses tenham votado na esperança de melhorar as suas vidas.
Hoje o «banho de realidade» a que muitos votantes desta maioria se sujeitaram deve tê-los feito arrepender de uma opção em que embarcaram levianamente, julgando residir em José Sócrates a origem de todos os males do País. Recorda o mesmo articulista, que estamos ainda a assistir ao ajustamento telúrico dos fluxos financeiros colossais postos em movimento descontrolado e desesperadamente especulativo pela crise começada em 2007 e causada por um sistema financeiro complexo, ganancioso e desregulado. É ainda esse dinamismo financeiro especulativo que marca o ritmo e o sentido da crise que enfrentamos.
 Não espanta, assim, que  muito mais cedo do que eu esperaria (previa que tal sucedesse lá para o início do Verão de 2012!), já há quem renove elogios a José Sócrates, mesmo ainda o não eximindo de tudo quanto conduziu à intervenção da troika. É o que se nota na crónica de Bruno Proença no mesmo Diário Económico: Sócrates é um dos políticos mais talentosos da sua geração, reunindo qualidades pouco habituais na política à portuguesa: a resiliência e a capacidade de iniciativa. O seu Governo foi vencido por uma crise financeira internacional onde não tem responsabilidades, que apanhou a economia portuguesa num estado lastimável devido a políticas erradas que foram adoptadas nos últimos 20 anos e que Sócrates não só não teve a capacidade de alterar como aprofundou.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

VIDA FÁCIL?

O que Cavaco Silva afirmou recentemente a propósito da suposta vida fácil vivida pelos portugueses nos últimos anos - que justificaria o pacote de medidas de austeridade impostas pelo Governo! - é um autêntico escândalo.
Se pensarmos nalguns amigos do Presidente - de Dias Loureiro a Duarte Lima - não duvidamos que, de facto, uma pequena minoria de portugueses tiveram uma vida fácil à conta de serem seus amigos. Mas, para a maioria dos portugueses a realidade dos salários baixos, do desemprego, da qualificação insuficiente para as exigências do mercado do trabalho, as pensões de miséria e a qualidade insuficiente da saúde e da educação públicas foram um quotidiano motivo de inquietação.
Durante estes últimos anos - e por muito que os Governos de José Sócrates tenham feito os possíveis por puxar pelas energias positivas dos portugueses, criando as condições para a diminuição das diferenças abissais de rendimentos - o que nunca houve foi vida fácil para a maioria dos cidadãos.
Que Cavaco Silva venha agora levantar, de forma leviana, tal hipótese só pode ser entendido como um autêntico insulto à inteligência colectiva.
É nesse sentido que Daniel Oliveira escreveu oportuna crónica no «Expresso» de que retiro o seguinte trecho:
O problema do discurso moralista sobre os portugueses e infantil sobre a economia que agora está em voga - "vida fácil", "viver a cima das nossas possibilidades" ou "viver com o que se tem" - é que não tem qualquer rigor económico. Vende uma narrativa para impor sacrifícios aos que nunca viveram com desafogo. Desta narrativa resultam falsos culpados e falsos inocentes. Os culpados são "os portugueses", que, apesar de viverem no País mais desigual da Europa, são tratados como uma massa uniforme de privilegiados e gastadores. Os inocentes são os sucessivos governantes, onde está seguramente incluído o homem que governou na nossa primeira década europeia.



A DESILUSÃO DOS PORTUGUESES

Já o tenho dito amiudadas vezes: um dos mais lúcidos analistas da realidade política e social portuguesa é Fernando Sobral.
Pena é que, feito o diagnóstico, as soluções implícitas ao seu discurso, seja tão dissonante com o que qualquer progressista possa subscrever. Pelo contrário, Fernando Sobral parece conformado com o inferno prometido  pelo Governo e pela troika.
Ora, do texto ontem publicado no «Jornal de Negócios» fica realçada a incompatibilidade do que será o quotidiano da generalidade dos portugueses com o seu legítimo desejo de felicidade.
Ora, se a felicidade se torna numa utopia intangível, como mobilizar os cidadãos para os sacrifícios impostos pelos credores? É que nem sequer uma candeiazinha tremelicante é sugerida no final de tão longo túnel.
É por isso que, apesar do diagnóstico  aqui transcrito se revelar pertinente, haverá muito mais vida  do que esta busca insensata por uma competitividade asiática:
Portugal está a trocar, quase sem reparar, o peso dos juros da dívida pelos pesados juros da vida. Esta crise fechou um ciclo de três décadas em que os portugueses acreditaram que o paraíso tinha chegado na forma de uma ATM inesgotável. Era um desejo compreensível. Passámos rapidamente de uma sociedade rural e fechada para uma urbana e de consumo. Nem tivemos tempo para, culturalmente, sustentarmos uma ruptura tão grande e rápida. Vivemos tarde a evolução social global.
As grandes utopias liberais do passado século anunciavam mais ócio à sombra da paz tecnológica. Só que as cartas estavam trocadas: a tecnologia trouxe mais competitividade. Aos Estados, às empresas e aos seres humanos.
Os juros da vida, em vez de diminuírem, aumentaram. As sociedades tornaram-se mais velozes e os seres humanos também. Funcionar quer dizer competir e não viver. Por isso o novo paradigma é a competitividade. Não só na economia mas também na vida. Portugal sofreu um choque frontal com esta nova realidade. Até porque nunca conseguiu ultrapassar as suas políticas de corta-mato, feitas do "jeito", da "renda" e da "cumplicidade".
A crise fez com que a confiança num mundo fácil implodisse. Os portugueses perderam a confiança. Nas instituições, na economia, nos políticos e, cada vez mais, no futuro. Sentem que estão a pagar juros indecentes por uma vida que não viveram nem vão viver. Sentem a injustiça em forma de impostos sem fim. Vêem o presente. Não sabem se haverá futuro.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

EM REFORÇO DA POSIÇÃO DE PEDRO NUNO SANTOS

Foi ainda há poucos dias: o vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Socialista Pedro Nuno Santos invocou a possibilidade de ameaçar com o não pagamento da dívida soberana do país, quando discursava numa reunião de militantes, e logo a central tóxica de desinformação ao serviço de Passos Coelho e dessa entidade híbrida chamada Merkozy se activou para o crucificar na praça pública.
E, no entanto, levantam-se cada vez mais vozes a dizer o mesmo com pleno fundamento de quem estuda e ensina política e economia.
Constata-se isso mesmo na entrevista hoje publicada no «Público» ao politólogo e professor universitário belga Éric Toussaint, que esteve em Lisboa para ajudar a lançar a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública.
Romper com as exigências da troika, constitui para ele a única alternativa para os portugueses saírem do beco em que foram colocados perante tal conjunto de «benfeitores»..
Uma das ideias mais interessantes levantadas nessa entrevista é o desmentido de estarmos apenas perante uma crise das dívidas soberanas: O problema é que os grandes bancos – Deutsche Bank, BNP Paribas, Credit Agricole, Société Generale, Commerzbank, Intesa Sanpaolo, Santander, BBVA – estão à beira do precipício. Isso é muito pouco visível no discurso oficial. Só se fala da crise soberana, quando o problema é a crise privada dos bancos. (…)
Não, não é a exposição à dívida soberana, mas sim a derivados tóxicos do subprime [crédito de alto risco]. Está a ocultar-se que todo o conjunto de derivados adquiridos entre 2004 e 2008 continuam nas contas dos bancos, porque são contratos a 5, 10 ou 15 anos. Somente quando o contrato chegar ao fim é que se vai descobrir a amplitude da toxicidade e das perdas, visto que as contas actuais dos bancos mostram esses derivados avaliados, não ao valor de mercado, mas ao valor facial, do contrato. Foram, aliás, esses problemas com os activos tóxicos que geraram os da dívida soberana. Em 2008, quando os bancos deixaram de conceder crédito entre si, o investimento mais seguro era comprar títulos da dívida soberana e os mais rentáveis eram da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Então, os bancos compraram muitos títulos para substituir os derivados que tinham. Agora, têm os dois, porque não conseguiram desfazer-se dos primeiros. Mas é totalmente falso dizer que o problema actual é a dívida soberana. É a soma dos dois.
A solução agora proposta para sair da crise corresponde para ele ao tipo de cura que arrisca matar o doente. Porque tem como corolário inevitável a recessão, que prejudicará mesmo a própria Alemanha, que enfrentará o problema de não ter quem lhe compre os seus produtos:
A redução maciça das despesas públicas e do poder de compra da maioria da população vai diminuir a procura e as receitas fiscais e provocar ainda mais necessidade de o país se endividar para pagar a dívida.
Contrariando, porém, quem fala de «reestruturação da dívida». Toussaint propõe outra via mais eficaz, e que curiosamente se identifica com a proposta do deputado socialista:
Quando o devedor quer tomar a iniciativa, tem de suspender os pagamentos da dívida, para obrigar os credores a sentarem-se à mesa e discutir condições.  (…)  Para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico. (…)
O que Portugal precisa é de uma política soberana em que o Estado declarasse não querer sair da zona euro, mas dissesse que as condições impostas pela troika são inaceitáveis para os cidadãos e para o interesse do país. Caso contrário, a troika só fará mais exigências, que não permitirão ao país sair da situação em que se encontra. Se Portugal disser não à troika, esta seria obrigada a sentar-se à mesa e renegociar a dívida e as condições que impõe. E não me parece que a troika queira a saída de um país do euro.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

4%, E DEPOIS?

O ministro Vitor Gaspar foi à Comissão Parlamentar de Acompanhamento do Défice para aquilo que entenderia ser a oportunidade de recolher os louros pela aprovação da troika quanto ao seu desempenho e para anunciar um défice de 4% nas contas públicas de 2011. Que seriam 8% se não houvesse o expediente da integração dos fundos de pensões da Banca.
É claro que a Oposição não lhe deu tréguas, confrontando-o com um programa ideológico bem definido em que se empobrece aceleradamente a classe média e se sufoca com desemprego e com salários miseráveis as classes mais desfavorecidas, ao mesmo tempo que se criam as condições para os muito ricos ainda melhor escaparem aos impostos e aumentarem as mais valias dos seus investimentos especulativos.
Não se compreende, aliás, o fascínio de muitos colunistas mediáticos pelo ministro em causa: o seu estilo pode ser peculiar, mas o  discurso verborreico nada diz. Apesar de apertado por João Semedo não esclareceu as dúvidas suscitadas pela venda a pataco do BPN nem respondeu a João Galamba quando este pretendeu saber qual será a sua atitude perante a troika se  - como tudo aponta - o PIB continuar a afundar-se e o número de desempregados a crescer.
Mas algo de surpreendente ficou a saber-se: ainda o Governo não tem aprovado o Orçamento para 2012 e já prepara um outro rectificativo para ser apresentado a seguir. Depois de ser o Governo, que mais cedo começou a ser vaiado desde a tomada posse, esta novidade constitui um verdadeiro recorde digno de mais um lamentável Guiness.
Esse espanto não impediu, porém, que se erguesse um coro de protestos pela outra novidade trazida ao parlamento: o suposto alinhamento das indemnizações por despedimento com  o que ocorre no resto da Europa (Carlos Moedas não esclareceu em qual Europa - seria no satélite de Júpiter?). O que levou o deputado Miguel Tiago a questionar porque não haveria a mesma preocupação com o alinhamento dos salários...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

UM LUGAR DE MISÉRIA E DE DESESPERANÇA

No passado sábado Nicolau Santos assinou uma excelente crónica no «Expresso» aonde as críticas ao actual primeiro-ministro são contundentes: Passos Coelho chegou ao poder e disse tudo o que estava mal. Não referiu uma única coisa, que estivesse bem. Aliás, Passos carrega sempre nas tintas. Se pensamos que 2012 vai ser um ano péssimo, ele acrescenta que será dramático. Se consideramos que as coisas estão más, ele acrescenta que vão ficar piores. Passos não motiva os cidadãos nem aumenta a sua confiança. Pelo contrário, acrescenta desalento ao desalento, desânimo ao desânimo, fraqueza à fraqueza e instila em todos nós um sentimento de culpabilidade pelo que nos está a acontecer.(…)
Que diferença em relação a José Sócrates, que alguns tendem a criticar pelo lado róseo com que via a realidade imediata, mas sempre assumir a intenção de puxar pelas energias mais positivas dos portugueses. Com Passos Coelho vemo-nos condenados a uma profunda depressão sem qualquer esperança de remissão.
Ademais, Passos dá sempre a impressão de estar mais do lado dos credores do que do nosso. Não se preocupa minimamente em transmitir otimismo e esperança, nem em mostrar a luz ao fundo do túnel.(…)
E é por isso que Passos corre dois enormes riscos. O primeiro é levar-nos a todos para um lugar de miséria e desesperança. O segundo é descobrir que está sozinho quando necessitar de tropas para a batalha.
Pela parte que me toca, ele que não se comprometa com mais ninguém...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A MONTANHA PARIU UM RATO

Nos últimos dias os jornais e as televisões alimentaram expectativas quanto ao Conselho de Ministros Extraordinário deste fim de semana, que iria produzir um conjunto de conclusões a respeito das políticas do Governo para os próximos meses.
Afinal a montanha pariu um rato: apesar de se reunirem durante horas a fio nada saiu de substancial quanto a tal iniciativa, justificando-se as perguntas quanto ao que terão estado a fazer ao longo de todo o dia: a jogarem às cartas? A verem filmes pela internet?
Confirma-se que esta equipa governamental é um enorme flop, um balão aparentemente cheio, mas afinal sem nada no seu interior. Como dizia um comentador de direita (Pedro Marques Lopes) não se pode atribuir a Pedro Passos Coelho e aos seus ministros um posicionamento político bem definido: claro que de esquerda estarão longe de o ser, mas para se reclamarem de direita deveriam ter visão política, que lhes escapa totalmente. Navega-se exclusivamente à vista sem qualquer ideia para onde nos levam os ventos e correntes...
Soma-se ainda a isto a reafirmação da solução preconizada por tal gente para os desempregados: que emigrem!
Desta feita foi Passos Coelho a respeito dos professores, o que levou toda a oposição e Mário Nogueira a insurgirem-se com a justificada veemência de quem vêem no primeiro-ministro um desistente, que nem sequer decidiu entrar na luta para que foi eleito pelos cidadãos portugueses: a de governar em defesa dos seus legítimos interesses.
Pelo contrário somam-se escândalos, que se fosse Sócrates a protagonizá-los não faltariam ruidosas campanhas, por ora apenas tratadas com recato: as nomeações partidárias para a CGD e para as administrações dos hospitais; a submissão total aos ditames de Angela Merkel, inclusivamente no processo de privatização em curso da quota do Estado na EDP, a alteração profunda de equilíbrios sociais sempre em favor de quem representa tão só os interesses minoritários de uma casta privilegiada (banqueiros, grandes empresários e seguradoras).
Que a semana tenha ainda sido marcada pelas afirmações de Pedro Nuno Santos a respeito do pagamento ou não da dívida soberana, que tanto escandalizou uns quantos timoratos defensores dos nossos credores internacionais, diz bem do estado a que chegámos: uma submissão total aos interesses estrangeiros em detrimento dos cidadãos nacionais cada vez mais ameaçados pelo desemprego, pelas escandalosas tentativas de prolongamento de horários de trabalho e de um aumento exponencial de bens de primeira necessidade (transportes públicos, taxas moderadoras, etc), que tenderão a empobrecê-los significativamente.

domingo, 18 de dezembro de 2011

OS EFEITOS PERVERSOS DO POPULISMO

Um constitucionalista da Universidade Nova de Lisboa, Tiago Duarte, comentou no «Público» o que de nocivo poderá ocorrer acaso se mantenha a sanha anti-políticos de muito boa gente:  Este ataque sistemático aos governantes está a custar muito ao país, as pessoas afastam-se da política e retiram da sua cabeça a possibilidade de exercer cargos políticos. Leva a que as pessoas recusem a vida política, porque ser político é ser apontado a dedo como potencial criminoso.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

PAGAR OU NÃO PAGAR

Independentemente de se ajuizar sobre quem grava declarações proferidas em encontros de militantes e os vem divulgar para o exterior, as proferidas pelo deputado socialista Pedro Nuno Santos em Castelo de Paiva - tão condenadas por comentadores próximos do Governo - têm o mérito de colocar em dúvida a coragem ou a falta dela de quem deve defender o interesse dos portugueses, perante supostos parceiros internacionais, melhor caracterizáveis como sanguessugas impiedosas dos magros recursos nacionais.
Nesta altura chegamos a um momento determinante em que ou se imita a atitude medrosa de quem enfiou o rabo entre as pernas, quando a Inglaterra nos impôs o Mapa Cor de Rosa e assinou a sua morte a curto prazo (sucedeu com D. Carlos em 1890!) ou se replica a coragem dos heróis da nossa História (Nuno Álvares Pereira, Bartolomeu Dias, D. João IV, D. Pedro IV, Salgueiro Maia, etc) capazes de não se deixarem intimidar por relações de forças desiguais e avançaram para vitórias memoráveis justificadoras de um enaltecimento das melhores virtudes nacionais.
Pedro Nuno Santos acaba por seguir esta última via, porque defende que o debate sobre a dívida pública é uma negociação política (…) e os políticos de países como Portugal, que estão em dificuldades, devem falar com coragem, força e determinação.
Um homem de coragem como o é Manuel Alegre foi, logo, um dos primeiros a elogiar o jovem deputado: é bom que haja novos quadros, gente jovem, como é o Pedro Nuno Santos, a soltar estes gritos de alma. Precisamos de gente assim, com determinação e com garra para a democracia.
E com a diplomacia própria de um líder parlamentar, Carlos Zorrinho conclui: O PS quer que Portugal pague a dívida e é completamente solidário com o comportamento do memorando da troika. Mas, para que Portugal possa pagar a dívida, é preciso que a Europa tenha outra política e tem de haver condições para o crescimento europeu. Portugal não pode pagar a dívida a qualquer preço.

CONTRA QUALQUER DISCURSO XENÓFOBO

Segundo o um estudo do ISEG abordado na edição do «Público» de 16/12/2011, as contribuições de cidadãos estrangeiros para a Segurança Social têm aumentado, verificando-se em 2010 um saldo positivo de 316 milhões de euros entre essas verbas e as dos custos com prestações sociais a eles atribuídas.
Número eloquente para calar os xenófobos e os ignorantes, que se multiplicam em afirmações anti-imigrantes.
Pelo contrário o estudo até recomenda mais: deve insistir-se na importância de uma corrente sustentada de imigração no futuro, que permita contrabalançar o envelhecimento dos imigrantes mais antigos e minorar as dificuldades do conjunto do sistema.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ASSOBIOS AO GOVERNO

Há dias foi Miguel Relvas num encontro de autarcas, ontem foi Passos Coelho na inauguração de um centro cultural em Matosinhos: começam a tornar-se rotineiras as manifestações públicas de repúdio às políticas do Governo.
Se José Sócrates beneficiou de um alargado estado de graça só sendo apupado nos últimos anos da sua governação - em muitos casos por gente oriunda da área de influência do actual Governo - Passos Coelho começa muito mais cedo a ser alvo da mesma reacção. Sendo fácil prever-lhe um agravamento progressivo desse desencontro com os favores populares.
Mas não é nada que nos espante: nunca um governo esteve em tão óbvia dessintonia com os interesses do eleitorado, que o elegeu!
Se tivermos em conta que a viragem política verificada em Junho decorreu das opções então assumidas por quantos são funcionários públicos, sejam eles professores, enfermeiros, empregados administrativos e outros que se julgavam já integrantes da classe média, e agora descobrem-se a empobrecer aceleradamente, então este Governo, que supostamente os deveria defender e tanto os está a prejudicar, ainda passará por muito maiores agruras...

A BIOGRAFIA DE UM CRÁPULA

Não fosse o crime perpetrado no Brasil sobre a pessoa de Rosalina Ribeiro e quase ninguém recordaria quem foi Lúcio Tomé Feteira, o milionário cuja herança tem merecido tantos comentários nos meios audiovisuais.
E, no entanto, ele bem merece esta notoriedade, agora reforçada pela publicação da biografia de Miguel Carvalho intitulada «Lúcio Tomé Feteira - A História Desconhecida». Porque raramente fica tão evidenciada a essência crapulosa de quem vive da fraudulenta exploração dos outros, sejam eles familiares, sejam aqueles que para ele trabalharam.
Do comportamento de Lúcio a respeito dos familiares fica bem exposta a relação com o sogro, cujo empréstimo inicial lhe garantiu a verba necessária para lançar a Covina - eixo essencial do seu enriquecimento - mas logo ludibriado no cheque para tal emitido, que deveria ser de três mil contos, mas cuja «mão habilidosa» do genro transformou em treze mil contos.
Que o agradecimento desse favor tenha sido a posterior campanha de calúnias contra ele alimentada pelo mesmo genro ao longo do resto da sua vida, diz bem da personalidade do salazarista convicto que, temendo os efeitos de uma reviravolta histórica, não deixou de se fazer fotografar nos meios da oposição, como se a ela pertencesse.
Mas se a trapacice e o oportunismo de Lúcio estão bem demonstrados nesses gestos, a relação com os operários das suas fábricas não desdiz, antes confirmam, esses traços de falta de carácter. Os ordenados eram miseráveis, mas ele distribuía, amiúde, esmolas pelas respectivas famílias, andando por isso com os bolsos recheados de moedas. Tratava-se da lógica assistencialista, que este actual Governo tanto defende, em vez de assegurar direitos legítimos a uma remuneração digna.
E resgatando privilégios feudais, Lúcio não tinha escrúpulos em deitar-se com quantas mulheres, casadas ou solteiras, empregadas ou meras familiares dos seus empregados, que lhe estimulassem a libidinosidade.
Milionário por muito explorar e defraudar, Lúcio Tomé Feteira constituiu o paradigma de uma classe surgida à pala do salazarismo, aparentando cumprir-lhe as supostas virtudes públicas, mas muito ciosa dos seus privados vícios.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Sergei Loznitsa 1

Este clip não é retirado de «Revue», mas ilustra o tipo de projectos cinematográficos assumidos pelo realizador.

A saudade da utopia

Há uns dias atrás o canal franco-alemão ARTE transmitiu «Revue», o filme de Sergei Loznitsa em que ele utiliza as antigas actualidades soviéticas para mostrar a realidade mítica mostrada pelo regime de Krushev para consumo interno e externo.
O que aí vemos são operários e camponeses militantemente orgulhosos das suas conquistas e com disponibilidade para, à noite ou aos fins-de-semana, assistirem a peças de teatro amador ou a fanfarras.
Se a realidade tivesse coincidido com essa aparência utópica ainda teríamos um regime comunista de Minsk a Vladisvostoque. Infelizmente sabemos não ter sido assim: a corrupção, o nepotismo e a repressão foram aspectos nocivos, que precipitaram o advento da perestroika e a derrocada do regime.
No entanto o filme de Lonitsa quase deixa pensar na exequibilidade dessa utopia. Sobretudo, quando estamos perante a falência brutal do sistema capitalista e o crescimento obsceno das desigualdades entre uns quantos milionários e a grande maioria dos humilhados, ofendidos e explorados.
Para já, muitos dos princípios enunciados por Karl Marx voltam a estar na ordem do dia. Faltará dar-lhes sequência prática sob formas de contestação, que redundem na  possibilidade concreta de uma revolução emancipadora.
Se todos os cidadãos devem usufruir do direito à felicidade, é tempo de imaginar as formas de tornar realizável o que até agora só funcionou como mistificação utópica.

A constitucionalização do Estado neoliberal

Já aqui o disse: não esqueço que José Manuel Pureza foi um dos deputados do Bloco de Esquerda, que fez cair o governo de José Sócrates e facilitou o regresso da direita ao poder, mediante a condenação do chamado PEC4. Mesmo que possa também reconhecer, que o então ocorrido só abreviou algo de inevitável face à evolução subsequente dos famosos mercados, encaro-o como exemplo de uma certa de forma de estar na esquerda em que vale o «quanto pior, melhor».
Mas as suas crónicas semanais no «Diário de Notícias» têm tido o condão de suscitar a minha concordância com muito do que aí diz. Como é exemplo o texto desta semana:
Os arautos da governação liberal europeia - os mesmíssimos que inflamaram discursos contra o “viés ideológico” das constituições nacionais consagradoras do Estado Social - não querem menos que constitucionalizar, em escala europeia e sem revisão pensável, o dogma ideológico do défice zero. E, dessa forma, querem constitucionalizar a austeridade das famílias como política económica da zona euro e a erradicação de qualquer vislumbre de modelo social europeu como princípio primeiro da constituição europeia.
Se acrescentarmos a esta realidade, o facto de Merkel e Sarkozy terem sérias hipóteses de virem a ser rejeitados pelos respectivos eleitorados em 2012, podemos conjecturar o plano de pretenderem impor um programa ideológico enquanto ainda lhes é possível, dando assim satisfação aos interesses de classe por si representados...

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O futuro está no mar!

Não é só por ter um passado marítimo, que defendo a exploração das riquezas da nossa Zona Económica Exclusiva, pela qual o Governo de José Sócrates tanto batalhou.
Há dias, o Nicolau Santos escreveu um texto no Expresso, com o qual estou completamente de acordo. Por isso justifica-se aqui a sua transcrição, que fundamenta toda uma política orientada para o crescimento completamente oposta à seguida pelo actual Governo:
As élites portuguesas insistem que somos uma economia pequena, pobre, periférica, aberta ao exterior. Tudo mentira.
O grau de abertura ao exterior é praticamente o mesmo desde os anos 70: um pouco mais de 30%.
A periferia só existe no quadro do continente europeu. Se mudarmos o ângulo de visão, estamos num ponto estratégico do Atlântico.
E uma economia pequena e pobre só somos se ignorarmos a imensa riqueza que temos diante dos olhos.
Se Bruxelas aceitar a extensão da nossa Zona Económica Exclusiva, passamos a ter um território marítimo do tamanho da Índia sob nossa jurisdição.
Precisamos de mapear as suas riquezas e colocá-las ao serviço do nosso desenvolvimento.
É provável que existam reservas de gás natural no Algarve, de petróleo na costa oeste, a maior mancha de sulfuretos polimetálicos do mundo a sul dos Açores, crostas de níquel, cobalto, ferro e magnésio.
E o novo canal do Panamá, os navios megacontentores que não podem transitar pelo Suez e a pirataria no Corno de África colocam Portugal no centro dos fluxos comerciais que marcarão o ressurgimento do Oceano Atlântico no século XXI,
Haja visão estratégica, vontade política e talento para aproveitar esta formidável oportunidade.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Que las ay, ay! (as conspirações, claro)

É eloquente a leitura do longo artigo do New York Review of Books sobre a cilada a Dominique Strauss-Kahn no hotel nova-iorquino da rede Accor. Ela demonstra bem a falta de escrúpulos da direita francesa, quando se trata de tudo fazer para que se possa manter no poder.
Até se poderá reconhecer o quanto a tendência libertina de DSK o pôs a jeito para o sucedido. As revelações subsequentes sobre os seus comportamentos são bastante comprometedoras. Mas a enumeração, minuto a minuto, dos gestos dos diversos intervenientes revela a impossibilidade prática de ter ocorrido qualquer violação.
A empregada de limpeza envolvida terá sido aliciada à denúncia de uma suposta violação sexual por um dos responsáveis pela segurança do edifício. Que, por seu lado tem ligações flagrantes ao círculo íntimo de Nicolas Sarkozy. 
Agora, não deixa de ser singular quanto a polícia nova-iorquina tão facilmente se deixou iludir pelas evidências iniciais e agora, através da imprensa, se livra de todas as provas, que justificaram o arquivamento do caso. Mormente das imagens de vídeo em que dois dos principais responsáveis pelo Sofitel festejam durante três minutos o sucesso da sua trama.
Já não havendo possibilidade de redenção para DSK há contudo que reter a forma como os seus inimigos agiram, como forma de os punir severamente quer a nível político, quer judicial…
No primeiro caso esperemos que François Hollande retome a esperança de 1981, quando a chegada de Mitterrand ao Eliseu parecia representar o advento de uma nova época, mais justa e solidária.
No segundo caso importará identificar os autores de tal conspiração e condená-los severamente por constituírem uma ameaça à democracia numa das suas mais exigentes virtudes: a da transparência dos actos políticos e sociais...