quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Os assuntos mais importantes da atualidade (e os mais negligenciados)



Às vezes é preferível olharmos para a realidade externa com filtros diferentes dos que nos dão conta ser o Brexit ou a Conferência dos G20 os assuntos mais importantes do momento. Porque se estes casos em concreto têm incidência no curto prazo e num alcance limitado, outros há, menos mediáticos, que influenciarão significativamente o futuro dos nossos filhos e netos.
Leio, por exemplo, que o Quénia está a despovoar-se de animais selvagens, porque a pressão demográfica é tal, que pastores e agricultores exploraram a terra e os recursos das áreas protegidas. O resultado é envenenarem leões, porque alimentam-se do gado estacionado nos territórios, que costumavam ser exclusivamente seus, ou elefantes, porque, nos seus trajetos ancestrais, passam por terrenos cultivados, destruindo-lhes parte das colheitas.
Muito embora seja assunto eclipsado do material noticioso quotidiano, a Terra não suporta tanta população, sendo urgentes as medidas tendentes a controlá-la, senão mesmo a diminui-la. É estúpida, para não dizer criminosa, a vulgata religiosa, que manda as famílias escusarem-se aos métodos anticoncecionais para melhor cumprirem as vontades divinas. A comunidade internacional deveria obrigar-se a investir seriamente na educação das populações, impondo conceitos racionais como os da igualdade entre homens e mulheres e a da injustificada multiplicação da espécie. Mesmo contrariando valores ancestrais que, como todas as tradições devem passar pelo crivo do que deverão ser os mais avançados padrões civilizacionais. Mas é estulta a ilusão de que isso possa suceder no contexto do sistema económico, que nos oprime: o capitalismo selvagem alimenta-se das desigualdades, da ignorância, do preconceito. Como têm alertado tantos cientistas a sustentabilidade do planeta não é compatível com o tipo de organização económica baseado na prevalência do mercado. E isso está bem à vista no atual movimento contestatário em França, no qual são os mais pobres a renunciarem à alternativa de um outro tipo de sociedade, para defenderem a manutenção daquela que continua a aprofundar os desequilíbrios ecológicos do planeta. Quão distantes estamos de conseguir alterar suficientemente  as mentes para que vejam como imperiosa a mudança de rumo da nossa civilização.
O que o cientista chinês anunciou esta semana relativamente ao nascimento de crianças geneticamente modificadas é só mais um exemplo de como trilhamos caminhos perigosos, que nos afastam dos desejáveis. A eugenia nazi vê-se facilitada por uma tecnologia que, a prazo, poderá assegurar a criação de élites, que se considerem como «os novos arianos».
O caso só vem demonstrar a imperiosidade de impor o primado da Lei sobre a desregulamentada gestão das sociedades, que tudo permite a quem tem meios para concentrar em si os recursos disponíveis, condenando a grande maioria à condição de párias sem futuro.

O Orçamento que as direitas detestam


Hoje é o dia da aprovação final do Orçamento Geral do Estado para 2019. Confirma-se, na prática, aquilo que as direitas nunca quiseram acreditar, quando, três anos atrás, previram fátua a duração da maioria parlamentar liderada por António Costa. Não vieram os diabos, mormente os enviados pelas instituições europeias, que terão julgado suficientemente fortes para derrubarem a vontade maioritária do eleitorado português, nem as divergências entre os partidos à esquerda justificaram qualquer hipótese de rutura. Nos quatro anos de legislatura ocorrem outros tantos orçamentos sem se justificarem os tão comuns retificativos, quando eram Vítor Gaspar ou Maria Luís Albuquerque os titulares do cargo, que tem vindo a ser assumido pelo competentíssimo Mário Centeno.
Da discussão dos últimos dias, a pretexto das propostas de alteração do documento elaborado pelo governo, sobressaem dois por terem justificado maior polémica: o IVA das touradas e a contagem do tempo de carreira dos professores.
Sobre o primeiro já zurzi o bastante na barbárie do espetáculo pelo que me resta lamentar que 43 deputados socialistas, e todo o grupo parlamentar do PCP, se tenham associado aos partidos das direitas para me obrigarem, enquanto contribuinte, a subsidiar algo que me repugna. Os defensores da tradição marialva, há muito obsoleta, ter-se-ão iludido com a breve vitória, mas apenas podem recorrer ao tipo de fanfarronada daquele vetusto deputado, que desrespeitou a casa da Democracia com a música das arenas no momento da votação. Porque corresponde ao sentimento da grande maioria dos portugueses, a tourada definhará até morrer sem glória nem ruidosos lamentos.
A respeito da pretensão corporativa dos professores volta a constatar-se a incapacidade estratégica de Mário Nogueira em cumprir as promessas aos associados, deixando-os continuamente com uma mão vazia e a outra cheia de nada. Se, a partir de janeiro, todos os visados iriam receber a percentagem definida pelo governo como exequível para a conciliar com a situação financeira do país, a lógica do tudo ou nada do provecto sindicalista deixou-os precisamente na segunda situação. É caso para questionar por quanto tempo mais os professores se deixarão iludir pela conduta irresponsável do seu dirigente, que ora tendendo para as direitas, quando são os socialistas a liderarem o governo, ora resguardando-se a bom recato, quando é tempo de decisão das direitas, mais tem parecido um agente provocador dentro do meio sindical para prejudicar as esquerdas do que contribuir para serem elas a perdurarem no poder.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

As falácias que um certo «jornalismo» tenta vender como axiomas incontestáveis


Há uns tempos andei a debater com o atual diretor do «Público» o tipo de informação propiciada pelo jornal, tendo em conta que, como assinante, não me sentia de modo algum identificado com o seu constante enviesamento.  O alibi do meu interlocutor foi o de caber ao jornalismo constituir-se numa espécie de permanente questionador do poder, sem dele reter o que de positivo possa manifestar. Em poucas palavras: caberia ao jornalismo encontrar todos os argumentos possíveis para criticar o governo, escusando-se a dar igual enfoque ao que fosse merecedor de elogio.
Claro que não concordei com a desculpa, mas constato ser argumento que vai fazendo caminho noutros jornais com pretensões a serem lidos como «sérios», «objetivos» e deontologicamente «irrepreensíveis». E claro que este súbito escrúpulo surgiu com o atual governo, pois não se notou a sua existência enquanto perdurou o anterior.
O artigo de opinião de Vítor Matos, no «Expresso» de ontem, confirma a tendência, ao manifestar indignação por Carlos César acusar os jornalistas de não noticiar o lado positivo da governação - chegando ao cúmulo de chamar «propaganda» ao que constituiria o contraponto de uma desinformação maledicente! - como invocando só ter de responder perante os leitores, os ouvintes e os espectadores.
Transcreva-se essa «pérola» do jornalismo manipulador: “ficamos a saber que para César o jornalismo exemplar é o das coisas boas, que noticia que este país é um sítio onde (já) não é “horrível de estar”. A isso chama-se propaganda. Os jornais estão obrigados ao escrutínio. Sim, encontrar responsáveis (como em Pedrógão), quando o primeiro-ministro procura que o Estado Central ou os governantes fujam a responsabilidades. O compromisso do jornalismo é com os cidadãos: os leitores, os ouvintes ou os telespectadores.”
Quem quer Vítor Matos enganar? Acha que somos parvos, ignorando quanto lhe importa sobretudo o escrutínio dos donos do jornal em que escreve e que, para tal, o criaram ou compraram? Quer esquecer todos os bons jornalistas, que foram sendo despedidos por não se coadunarem, no que escrevem, com aquilo que esses patrões desejariam ver transmitido?
Para já ficamos a saber que, contra toda a lógica, também ele se associa a Cristas, quando culpabiliza António Costa de todos os males, sejam nacionais, sejam locais. Se, por exemplo, a minha nonagenária vizinha, apesar de muito trôpega, tropeçar numa pedra da calçada e morrer da decorrente quebra dos ossos da bacia, não se duvide que, a exemplo da populista criatura do CDS, os jornalistas da «escola» de Vítor Matos, se apressariam a apontar o primeiro-ministro como causador do pavimento em causa não estar tão liso quanto se exigiria a um trânsito pedonal seguro.
Não! Por muito que os vítormatos desta vida o neguem cinicamente, o seu salário depende de contribuírem para a preservação do sistema económico, que conseguiu calar o jornalismo de qualidade e impor um outro, que entre a sarjeta e a mais hábil falácia, tenta que as coisas continuem a ser como são. Daí que, perante um governo mais à esquerda, capaz de condicionar alguns interesses desses patrões, toda a comunicação social se associe no sentido de abreviar-lhe a existência ou, no mínimo, infernizá-la.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

O que explica a bravata ucraniana no Estreito de Kersh


Vladimir Putin não me merece simpatia, mas o homólogo ucraniano ainda muito menos. Se um fez a Rússia manter-se num regime repressivo e incapaz de se desenvolver à medida das suas potencialidades, o outro - um oligarca! - julgou-se talhado para marioneta dos interesses ocidentais, desejosos de eliminarem de vez o perigo russo se recuperada a dimensão de superpotência. Daí que compreenda a decisão do Kremlin em recuperar uma península historicamente ligada à Rússia desde há muitos séculos e que Krushev terá dado à sua Ucrânia natal numa noite de bebedeira, como o recordou ainda ontem Miguel Sousa Tavares na sua rubrica semanal na TVI.
Até porque a maioria da sua população é russófona a Crimeia voltou para quem legitimamente a pode e deve reclamar. Que a NATO não o queira aceitar compreende-se! Sobretudo porque procura nos confrontos a leste a razão de ser para justificar uma existência, que deveria ter cessado quando o Pacto de Varsóvia se extinguiu.
Existe outra razão de tomo para estar contra a Ucrânia na guerra permanente com a Rússia desde que as agências de espionagem ocidentais trataram de suscitar um golpe de Estado em Kiev: o retorno dos movimentos nazis que, durante a Segunda Guerra Mundial, colaboraram ativamente na repressão dos seus compatriotas e agora recuperaram a liberdade de movimentos para se exprimirem com o maior dos à-vontades. A nazificação da sociedade ucraniana não é um risco sério, pois passou a ser ameaça muito grave com grande exequibilidade de se vir a concretizar. Ora, se essas mesmas agências ocidentais cuidaram de apoiar ativamente terroristas, quando assumiram o objetivo de derrubar Bashar al-Assad (e anteriormente Kadhafi ou Saddam Hussein), também não se coibirão de tomar como instrumentos dos seus objetivos os criminosos, que ostentam a suástica com repugnante orgulho.
Há ainda uma outra razão - e essa é de enormíssima pertinência - para a provocação encomendada pelo regime de Kiev aos tripulantes das três embarcações, apresadas pelas autoridades russas. Petro Poroshenko tem a popularidade nos mínimos mais risíveis e admite-se que, nas eleições presidenciais de março, conte com votação humilhante. Esta manobra figuraria, assim, como tentativa de recuperar apoio junto dos eleitores à conta de uma bravata, afinal com presumíveis razões para lhe correr mal...

Senilidades, desassombros, crimes ambientais e outros ainda piores


1. Há acontecimentos, que perduram na memória por alterarem os nossos quotidianos e expetativas de futuro. Para a geração a que pertenço - a que apanhou a Revolução de Abril no fim da adolescência -, esse foi o ponto de viragem para voltarmos a acreditar num país donde nos queríamos exilar para não sermos enviados para a absurda guerra africana. Para os jovens que apanharam com a inflexão de há três anos, quando a maioria parlamentar sobrepôs-se definitivamente à lógica de governos liderados pelo partido mais votado nas eleições, o efeito poderá ter sido similar, porque era metido no caixote do lixo quem os mandava emigrar por os achar supérfluos no Portugal no diminutivo, que se preparavam para implementar.
É, por isso, mesmo grotesca a opinião expressa no «Público» de ontem por esse senil Manuel Villaverde Cabral, em tempos merecedor de devida atenção, mas cujas mundividências envelheceram num ritmo muito mais acelerado do que o ditado pelo cartão de cidadão. Aventar que, se tivesse prosseguido no governo, Passos Coelho conseguiria tão bons resultados económicos quanto os conseguidos por António Costa não é apenas desonestidade intelectual. Trata-se de delírio demonstrativo de uma irreversível degenerescência cerebral.
Na mesma peça jornalística o professor Rui Bebiano considerou, muito justamente, que o sucedido há três anos entra diretamente para a História nacional por ter sido a “primeira vez que os partidos à esquerda se aceitam como parceiros numa discussão séria, com desconfiança menor”, em dinâmica que a todos irá transformar.
Para quem andou décadas à espera que esta convergência se concretizasse ficam os votos de ver traduzida nessa evolução uma maior aproximação entre quem se alimentaram incompreensíveis abismos.
2. Na permanente guerra feita pelas direitas ao governo costuma selecionar-se um par de ministros, que funcionam como bombos da festa sobre quem se zurze ao menor pretexto.
Graça Fonseca é um óbvio ódio de estimação desses terroristas verbais, que não esquecem o desassombro com que, meses atrás, proclamou as suas opções de afetos, ainda consideradas escandalosas por aquelas preconceituosas mentes. Se no caso das touradas teve toda a razão, quando justificou a política fiscal do governo como questão civilizacional, agora querem-na levar de novo ao pelourinho por se ter dito aliviada de ler os jornais portugueses nos últimos quatro dias. Onde está o escândalo de tal confissão? Tendo em conta a (falta) de qualidade dos mesmos, esse alívio merece a nossa melhor compreensão!
3. Um dos passeios, que me dão grande prazer é o de percorrer a estrada da Península de Tróia até à Comporta e dali virar na direção de Alcácer do Sal para deglutir refeição memorável num dos melhores restaurantes do país («A Escola», passe a publicidade!). É percurso agradável, com o mar sempre pressentido do outro lado da sucessão de colinas à direita, que nos acompanham quilómetros e quilómetros, e com raros sinais de presença humana para além da que percorre o mesmo trajeto.
Agora essa realidade está ameaçada pela venda da Herdade da Comporta a quem anseia transformá-la numa densa malha urbana, que manda às malvas a sua condição de parte integrante da Rede Natura 2000.
Se o Algarve foi transformado naquilo que sabemos, a destruição da paisagem, dita protegida, da Península de Troia é mais uma evidência dos crimes ambientais decorrentes de um capitalismo selvagem, que diversas organizações ecologistas apelam a que sejam travados.
4. Mais de cem pessoas foram hospitalizadas em Alepo depois de um ataque químico lançado pelos responsáveis dos anteriores: os opositores de Bashar al-Assad. Desta feita viram-se incapazes de atirar responsabilidades para quem quiseram inculpar quando ainda controlavam parte do território sírio e não se coibiam de sacrificar inocentes conquanto conseguissem pôr os seus financiadores no ocidente a pressionar quem pretendiam erradicar do poder. Quem será ainda capaz de conotar os jiadistas da região com heroicos combatentes da liberdade, como a CIA, o MI5 e outras agências de espionagem pretendiam promove-los?

domingo, 25 de novembro de 2018

Num mundo ideal


Era tão bom que o mundo fosse tão diferente do que é! Há sempre um hiato significativo entre as realidades e o que desejamos, que elas configurassem! Mesmo que, às vezes - e a formação da atual maioria parlamentar há três anos, ou a manhã clara e limpa de 1974 são disso exemplo! - tenham correspondido à quase sintonia dos sonhos com o então vivido.
Num mundo ideal o Bloco de Esquerda não precisaria de se valer de críticas ao Partido Socialista para conseguir os votos necessários e impor-se-lhe como parceiro do governo. Ora, António Costa tem toda a razão, quando alerta a pouca inteligência das esquerdas se decidirem digladiarem-se entre si no ano eleitoral que se aproxima.
Num mundo ideal essas mesmas esquerdas parlamentares, cada vez mais tentadas a questionarem as convergências destes três anos, não seriam tão ineptas que decidiram cortes de 140 milhões de euros às eólicas para os reverterem a favor dos consumidores, sem ponderarem que, afinal, esse dinheiro terá de ser devolvido a Bruxelas, donde terão vindo na forma de subsídios, agora por elas considerados ilegítimos.
Num mundo ideal os partidos das direitas não andariam tão à deriva, tão sem rumo, que não lhes resta alternativa senão a de mentirem insidiosamente. É o que continua a fazer Cristas, abespinhada pela medalha de ouro de despesista ofertada por António Costa, e daí lhe sair a velha falácia da responsabilidade do governo de Sócrates na dita bancarrota, como se não tivesse havido a crise dos subprimes, a falência da Lehman Brothers ou as indefinições da Comissão Europeia do arrivista Barroso, ora mandando gastar dinheiro à fartazana, ora impondo cortes brutais logo a seguir.
Num mundo ideal os mais de 334 mil desempregados seriam ainda menos, apesar de nunca terem sido tão poucos nos últimos cinco anos, e a metade deles que sobrevive, sabe-se lá como, sem quaisquer apoios do Estado, recebê-los-iam para se livrarem de parte substantiva das suas angústias.
Num mundo ideal a empresa de estiva turca, que mantém os seus trabalhadores numa precariedade revoltante, já teria perdido a concessão no porto de Setúbal sob o argumento de não contar com efetivos bastantes para cumprir os compromissos a que se vinculou, sendo substituída por outra com melhores práticas do que as de uberizarem quem exploram sem escrúpulo.
Os exemplos poderiam prosseguir por muitas mais linhas, mas fica a ideia geral: a realidade dissocia-se tanto mais do que desejamos quanto mais desistirmos de lutar por essa sintonia. O compromisso com a exigência de melhor futuro reside no que fazemos no dia-a-dia. 

sábado, 24 de novembro de 2018

Ainda a questão de ter de subsidiar um espetáculo repugnante


A questão de ter, ou não, de subsidiar uma atividade repugnante - a tourada—com os meus impostos, continua na ordem do dia e só lamento que tantos socialistas ainda defendam o que é uma manifestação passadista e machista, compreensivelmente adorada pelas gentes das direitas, incompreensível, porém, em quem deveria pugnar pelos valores mais progressistas. Ao contrário dos defensores da barbárie, que até gostariam de a fazer aceitar como património cultural reconhecido internacionalmente, muito dificilmente teriam a pretensão satisfeita porque, a nível de quem reconhece práticas tradicionais a preservar, aquele conceito não condiz com o direito de causar sofrimento a animais não-humanos por mero entretenimento.
Trata-se, igualmente, de uma atividade em perda progressiva de espectadores: se no ano transato se registou um ligeiro influxo nessa tendência, os 378 mil rústicos, que pagaram bilhete para a ela assistirem, representaram menos 45% do que os verificados dez anos atrás. A socióloga Paula Sequeiros põe em causa a perenidade dos usos: “as sociedades vão mudando. O costume e a tradição estão sempre a fazer-se e a desfazer-se”.
Compreende-se, pois, a razão porque António Costa viu recusada pela Associação Nacional de Municípios Portugueses a possibilidade de ser transferida para cada autarquia a decisão de autorizar, ou não, os espetáculos taurinos nos respetivos territórios. Sabendo quão volúveis são os entendimentos dos eleitores, nem querem pensar-se responsáveis de tal decisão dado o risco de perderem votos num ou noutro lado desta pugna civilizacional. Mas o primeiro-ministro não evitou dar uma merecida bicada a Carlos César no decorrer das Jornadas Parlamentares em que manifestou implícito desagrado pelo comportamento indecoroso de uma parte do grupo parlamentar.

Raciocínios excêntricos


A leitura dos jornais dá-nos muitas vezes matéria para pensarmos se quem escreve certas opiniões não se dá conta da lógica absurda dos seus raciocínios. Por exemplo dias atrás um colunista do «Expresso» atinha-se nos 19 mil habitantes a menos no território português para concluir que, a prosseguir tal ritmo anual de decrescimento demográfico, daqui a dois séculos e meio não estaria ninguém neste cantinho à beira-mar plantado.
Não é que tal hipótese seja implausível tendo em conta a facilidade com que algum Trump maldisposto se decida a carregar no botão, ou a morosidade em corresponder eficazmente ao aquecimento global. Mas evitando-se um e outro perigo há lá alguma hipótese de a Humanidade abdicar de um dos seus mais aprazíveis lugares para se viver? Eu que andei por «ceca e meca e olivais de Santarém», com quase uma centena de países de permeio, nunca encontrei sítio melhor onde gozar merecida reforma.