quinta-feira, 31 de maio de 2018

Querem-nos tomar por parvos?


Convém começar por assinalar que não tenho qualquer admiração por Putin nem por Nicolas Maduro. O presidente russo tomou conta do país depois da implosão do regime anterior e a sua política tem sido, ao mesmo tempo, autoritária e populista, pouco se distinguindo das ditaduras fascistas. No entanto, se a sua governação é tão criticada a ocidente não se vê idêntico clamor democrático contra Orban ou a marionete de Kaczynski na Polónia, que não destilam cheiros menos nauseabundos na forma como asfixiam as respetivas sociedades. Por seu lado o venezuelano tem sido inábil na forma como vem correspondendo à permanente sabotagem económica de que o país tem sido alvo, não encontrando estratégias de resiliência semelhantes às que os irmãos Castro aplicaram, quando deixaram de ter o chapéu-de-chuva soviético.
Vem isto a propósito da tentativa de nos iludirem com mentiras, forjadas com o saber e a experiência acumuladas pelos especialistas de desinformação em Langley (sede da CIA) e exemplificada em casos recentes, de que é paradigma elucidativo o da notícia falsa sobre o assassinato de um jornalista russo na capital ucraniana, atempadamente «salvo» pelos respetivos serviços secretos, que logo por coincidência até conseguiram encontrar um pobre diabo capaz de afiançar de tudo saber.
A história foi organizada de forma tão desconchavada, que a imprensa internacional está a apresentar o caso como uma encenação ucraniana -  e adivinha-se com que cúmplices na retaguarda! - para justificar a habitual sanha com que os governos europeus olham para o vizinho do leste para cujo vasto território adorariam criar uma plataforma de expansão económica com um governo prestável e submisso.
Os russos, que de parvo nada têm, já vêm lembrar que, nas suas contradições mais que duvidosas, o caso Babchenko, mais não é do que uma remake  da do sucedido com o ex-espião Skripal em Londres que, ora fora envenenado com químico produzido na Rússia, ora se viu progressivamente escamoteado das notícias a partir do momento em que as premissas em que assentava começavam a dar mostras de clamorosa ruína.
Quanto ao que se passa na Venezuela é esclarecedor o conteúdo do agora conhecido «Plano para derrubar a ditadura venezuelana» em que um dos principais responsáveis do Pentágono, o almirante Kurt Walter Tidd, expõe todas as fases tendentes a facilitar uma invasão internacional, integrando militares norte-americanos, brasileiros, panamianos e colombianos, para impor em Caracas um regime simpático aos olhos da Casa Branca. Tudo o que tem acontecido, desde a sonegação de mercadorias de primeira necessidade e medicamentos nos mercados, às manobras para baixar o preço do barril do petróleo ou às reportagens frequentes sobre o caos ali suscitado, fazem parte dessa intenção, que teve um novo passo em frente na semana transata com a Colômbia a pedir a integração na NATO. Às tantas será a Aliança em que Portugal se integra a avançar para a anunciada agressão ao povo venezuelano. Que dirão Augusto Santos Silva e Marcelo Rebelo de Sousa a tal possibilidade? Continuarão a  justificar a pertença a uma organização criminosa, que subsiste apenas para servir de ferramenta útil ao imperialismo? Será que nos tomam por parvos?

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Três notas sobre uma vitória anunciada (mesmo perdendo entretanto uma batalha)


1. Daqui a meia dúzia de anos, quando nas votações nacionais o PCP conhecer resultados miseráveis, talvez João Oliveira, Paula Santos, Bruno Dias, Rita Rato e outros dos seus atuais deputados, olhem para o passado e se detenham neste dia 29 de maio de 2018 como tendo sido o do início do fim do seu partido enquanto organização influente na política nacional. Talvez se questionem o que terão perdido ao aliarem-se ao CDS para chumbarem por cinco votos uma legislação, que tal qual a do aborto, não demoraria muito mais a ser aprovada após uma primeira reprovação. Constatarão porventura que o seu eleitorado de outrora não terá esquecido essa decisão absurda, provavelmente ditada pelo único propósito de rasteirar o Bloco e o Partido Socialista, transferindo o apoio para quem mostra não sonegar a liberdade individual em nome de uma imposição coletiva. No fundo seguindo a lição de Saramago, que mandava respeitar a liberdade dos outros como princípio básico de uma sociedade mais avançada, lição nunca aprendida por quem mais deveria tê-la assimilado.

Este episódio acaba por ser apenas o mais representativo da incapacidade do grupo parlamentar do PCP em sair da cristalizada lógica daquele tal condutor que seguia pela autoestrada e se indignava com o facto de todos os outros estarem em contramão, incapaz de reconhecer-se como o efetivo infrator.
Aposto que, na próxima década, aqui estaremos a dobrar finados por quem terá esgotado as reservas de resiliência com que  enfrentara os anos pós-muro de Berlim e já nada terá a propor para quem buscará maior justiça e igualdade num mundo globalizado, comandado pela economia digital e onde as alterações climáticas porão na ordem do dia um novo paradigma: o do decrescimento sustentado.
2. Não sabemos se a rapariga da fotografia foi a autora do cartaz com que se foi manifestar para a porta da Assembleia ou se alguém a incumbiu de se prestar a tão triste figura. Mas a imagem substitui mil palavras na demonstração da desonestidade sem escrúpulos que os opositores à lei da morte assistida assumiram ao longo das últimas semanas.
Para quê, podemos interrogar-nos? Haverá neles a consciência de, tendo ganho esta batalha, logo perderem a guerra final ao virar da esquina, ou seja na próxima legislatura? É que quase por certo o Partido Socialista terá muitos mais deputados para mudarem a relação dos pratos da balança para o sim e o Bloco provavelmente subirá à conta dos que vinham sendo tradicionais apoiantes do PCP e não lhe perdoarão esta inaudita colagem à direita. Não esquecendo que o grupo parlamentar do PSD se verá entretanto  expurgado daqueles que aproveitaram esta oportunidade para uma inócua bravata contra a vontade de Rui Rio.
3. Resta o paradoxo, que só o não é porque a coerência raramente tem cabimento nas direitas, de estas serem contra a morte assistida depois de terem causado centenas, senão mesmo milhares de suicídios nos quatro anos em que desgovernaram o país e negaram qualquer esperança de futuro a tais desesperados. Muitos deles velhinhos sobre quem a tal jovem mostrou tão hipócrita preocupação.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Sim! Eu usufruirei a tempo e horas o direito de morrer com dignidade!


É muito possível que, quando amanhã se verificar a votação sobre a morte assistida, os votos comunistas sejam determinantes para que a nova legislação não seja validada por uma maioria de deputados. Pode também acontecer que, verificando-se uma vitória do sim à morte com dignidade, Marcelo se comporte igual a si mesmo e faça prevalecer os seus preconceitos sobre a vontade maioritária expressa pela Assembleia. De qualquer modo a questão foi finalmente levantada e não conhecerá recuo: seja desta feita, seja da próxima, o meu direito a morrer quando quiser e com o mínimo sofrimento possível acabará por ser aprovado e confio que a ele recorrerei quando considerar chegada a hora de regressar ao nada donde provim ao nascer.
O debate tem, porém, servido para o recurso às mais falaciosas argumentações por parte das direitas: por exemplo, que os partidos proponentes não o haviam anunciado na campanha eleitoral de 2015. Será caso para questionar se, em 2011, tinham pré-anunciado os cortes nos salários e pensões, que logo implementaram?  Igualmente afiançaram verdadeiras as notícias, próprias dos mitos urbanos, em como, nos países onde esse direito existe, ele tem servido para aplicar estratégias eugenistas, ou seja sem a efetiva vontade dos que a ele recorrerem! A mentira tem andado à solta nas atoardas dos que se comportam como fascistas, pretendendo vedar a outrem o direito que só a eles cabe decidir e usufruir.
Inventam, igualmente, sondagens, que não foram feitas, querendo omitir que na única credível, efetuada segundo os parâmetros consensuais da estatística, os portugueses pronunciaram-se por mais de 68% favoráveis à lei.
Existem fundamentos científicos, filosóficos e sociais, que justificam a aprovação da lei. Aos amigos, sobretudo os que se dizem de esquerda e se mostram favoráveis às alegações desses polícias das consciências alheias, aconselho a seguirem o exemplo de Almada Negreiros quando  afirmava a vontade de se tornar espanhol se Júlio Dantas fosse aceite como  português. Será que se sentem bem na companhia de Assunção Cristas e da autêntica galeria de horrores, que caracteriza a sua bancada parlamentar? Será que se identificam com esses inauditos defensores do não, que são Cavaco Silva e Passos Coelho?
Insistirão, porventura, que os comunistas também integram essa trincheira! É verdade! Mas não é essa a demonstração perfeita como, em muitos aspetos, eles e as direitas cumprem a regra de tous les mauvais esprits se rencontrent?

domingo, 27 de maio de 2018

VI O FUTURO E GOSTEI DO QUE VI


Por esta altura o XXII Congresso do Partido Socialista é História passada, mesmo que muito recente, e já nos permite olhá-lo com o distanciamento de quem se priva das emoções e racionaliza o que melhor o caracterizou. E se há uma ideia que sintetize o que se passou na Batalha durante três dias é a forte presença do Futuro, mesmo se os 45 anos que ficam para trás sejam enaltecidos, sobretudo quando evocados sob a égide de Mário Soares ou de António Arnaut.
Porque anteviu-se um brilhante porvir com o excelente lote de quadros militantes dotados de saberes, que tomarão o testemunho da geração mais experiente, quando chegar a sua hora. Ferro Rodrigues enunciou os mais óbvios, embora muitos outros os acolitem na retaguarda.  É justo, porém, reconhecer que é Pedro Nuno Santos quem, dentre eles mais se destaca, não só pela solidez da sua mundividência, mas também por mostrar a determinação necessária para estar no lugar certo quando soar a hora. Em pé o Congresso tributou-lhe justa ovação tão claros foram os valores de esquerda associados ao que enunciou como estratégia do Partido para o médio e o longo prazo, totalmente em desacordo com as opiniões de quem pretendia inoportunas centralidades.  A reação espontânea da sala terá demonstrado aos que antipatizam com a atual maioria parlamentar ou com ela se sentem, no mínimo, incomodados, que se arriscam a ser os passageiros de um comboio que saiu da estação e os deixou abandonados no cais. É que, como referiu o braço direito de António Costa para a interação com os demais partidos, o  PS não foi criado “para representar a elite” e que “quem esteve na origem e criação” dos partidos socialistas foi o “povo”, formado hoje pelos que “trabalham 40 ou mais horas e ganham mal”. Aqueles, que foram esquecidos por outros partidos socialistas europeus e por isso mesmo estes se viram reduzidos à grupusculização em que vegetam  sem indícios de, quais fénixes, conseguirem renascer.
Para esses mesmos prosélitos das centralidades Manuel Alegre foi taxativo: a viragem à direita representaria um risco de morte para o PS”. [porque o] “PS é um partido democrático e não a ala esquerda do neoliberalismo ou a bengala da direita”.
O futuro também esteve perspetivado no país que António Costa augurou, construído sob a governação de um partido, que retirou às direitas o argumento de não apresentar contas certas - curiosa essa mentira descarada de ter o PS levado o país à bancarrota, quando se sabe quanto Mário Soares, António Guterres e José Sócrates herdaram situações calamitosas depois de governos PSD/CDS e as recuperaram, devendo-se a situação de 2011 à crise dos subprimes e à estratégia do quanto pior melhor, que as direitas polarizaram a partir de 2009.
Num país, que terá em conta a sociedade digital, a demografia, as alterações climáticas e a correção das desigualdades, perspetiva-se uma realidade bem mais atrativa para os nossos filhos e netos. E essa capacidade para identificar os caminhos para alcançar melhor qualidade de vida para a maioria dos cidadãos não se encontra nos partidos das direitas, que pelas palavras dos Nunos (Melo e Morais Sarmento), enviados como seus representantes ao Congresso, denotaram o quão distantes estão do momento histórico que atravessamos. Se alguns socialistas ficaram no cais da estação donde o comboio acabou de partir, as direitas já ficaram lá muito para trás, angustiadas com  quanto faltará para que outra locomotiva as arraste para um futuro que, cada vez mais, lhes escapa.

sábado, 26 de maio de 2018

Eu, espectador do Congresso Socialista, confesso-me entusiasmado!


O XXII Congresso do Partido Socialista não está a correr de feição para quem apostava em secundariza-lo por trás de notícias alternativas, que quase o tornassem despercebido à maioria dos portugueses. Para azar dessa gente acolitada na comunicação social manifestamente alinhada com as direitas, não há desgraças (incêndios, atentados, etc.), que servissem de alibis para mudar a atenção das câmaras para longe da Batalha ou se, contra António Costa, surgissem potenciais opositores, que atraíssem a si protagonismos consistentes. Só que Daniel Adrião reduziu-se à sua insignificância, Sousa Pinto limitou-se a fazer o número do velho rabugento, zangado com todos por lhe não darem qualquer importância (o que alguém pode envelhecer mentalmente em tão poucos anos!), Francisco Assis já só fala para si mesmo e Ana Gomes não sai do papel de histérica de serviço, incapaz de mostrar a mínima contenção devida a quem trabalhou em tempos na diplomacia.
José Sócrates também não serviu de fantasma útil para esses interesses nebulosos, por um lado, porque nem ele está interessado em fazer-se idiota útil ao serviço de quem efetivamente trabalhou na sombra para o amesquinhar, nem os socialistas (incluindo António Costa) dele se desafeiçoaram, porquanto até lhe continuam a elogiar os aspetos mais emblemáticos do seu legado.
Correu, igualmente, mal a suposta divergência entre Augusto Santos Silva, dado como estando mais à direita, e Pedro Nuno Santos, assumidamente mais à esquerda. Um e outro intervieram com a notável inteligência, que se lhes reconhece, dirimindo as diferenças de opinião com a explanação de argumentos sólidos e não tão contraditórios quanto gostariam de ouvir os que salivavam por antecipação no intento de os aproveitarem.
O Partido Socialista sairá deste Congresso mais forte e preparado para os desafios, que se perfilam por diante, e que nada têm a ver com as preocupações politiqueiras de saber como ganhar eleições menorizando a questão de saber para quê. Ora, ao contrário dos recentes Congressos do CDS ou do PSD em que nada se lhes viu quanto a propostas para o futuro e muito menos que tipo de país se pretenderá construir, o do Partido Socialista aprova duas moções fundamentais para responder a essa necessidade. Quer a de António Costa, quer a sectorial subscrita à cabeça por Pedro Nuno Santos, identificam os desafios que nos esperam nos próximos anos e como eles se traduzirão em oportunidades para alcançar um país mais livre, democrático e capaz de garantir melhores rendimentos  e direitos para quem trabalha.
O discurso do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que acabei de ouvir e fez levantar a sala, constituiu um grande momento deste Congresso e terá causado amargos de boca aos tais boicotadores frustrados, porventura convencidos de quão dificilmente conseguirão voltar a impor mistificações, que os anos mais recentes conseguiram desmascarar. Como a da economia de mercado revelar-se mais eficaz do que a comandada ou regulamentada pelo Estado ou a de só haver viabilidade para o país se apostasse em salários de miséria e só deveres, que não direitos, para quem trabalha.

No país que queremos superlativo, o respeitinho não faz cá nenhuma falta!


No recém-estreado filme de Miguel Gonçalves Mendes sobre Eduardo Lourenço - «O Labirinto da Saudade» - revisitamos a polémica afirmação do filósofo em como, influenciados pelo caldo de cultura herdado dos 48 anos de ditadura, todos nós somos algo salazaristas na forma como olhamos para o mundo à nossa volta.
Essa ideia sempre me causou justificada urticária, porque sempre me posicionei a contracorrente das formatações de educação e de manipulação do pensamento autoritário, oriundos dos centros de poder, inicialmente familiares, e depois escolares e profissionais com que me deparei até hoje. Poderia ter adotado a lógica anarquista de me rebelar contra todo o tipo de poder, mas ela cedo me pareceu fútil e ineficiente. Até porque, assumindo funções de quadro superior nas empresas onde trabalhei até me reformar, era obrigatório o correspondente hábito (fato e gravata) e gerir o que me era destinado enquanto tal. Mas aí a flexibilidade estratégica adquirida na assumpção ideológica do marxismo, bastou-me para que, olhando racionalmente para o longo prazo, mantivesse resiliente postura no curto e médio prazo.
Reconheço, porém, que esse salazarismo latente continua presente de muitas maneiras no nosso quotidiano, não se cingindo ao lamentável espetáculo televisivo, que promoveu o Botas como a personalidade histórica mais admirada por quem nele quis dar aval de tão absurda estupidez. Mais grave é manter-se esse fascismo nas histéricas bravatas dos que, por estes dias, querem fazer Stop à eutanásia, impondo as suas ideias a quem com eles radicalmente discorda. Ou quando hordas de arruaceiros entram na Academia de Alcochete, quais trogloditas da antiga Legião Portuguesa, para defenderem um decadente autocrata decidido a vender caro o seu mais que merecido despedimento.
Abstraindo-nos, porém, desses exemplos mediaticamente mais evidentes, o salazarismo larvar também acontece em coisas aparentemente inocentes, mas que estão longe de o ser: esta manhã levámos o gato à vacina e a televisão da sala de espera presenteava-nos com um daqueles inenarráveis programas da manhã (parece que os da tarde também não se revelam menos idiotas na essência!) em que a banalidade não se cola apenas ao mal absoluto, mas à indigência mental, que serve precisamente os propósitos dos apostados em reduzir os cidadãos a inofensivos mentecaptos capazes de tudo acatarem. Naquela altura havia uma petulante balzaquiana minhota toda vaidosa com os seus «casaquinhos» e com os seus «folhinhos» de que se dizia particularmente especialista. Lá voltou inevitavelmente a memória do O’Neill que, sobre esse passado tenebroso, salazarento, dizia ter sido tempo de Portugal no diminutivo, em que o respeitinho é que era bonito! Ora o que mais devemos execrar é esse tipo de respeitinho, porque é o que nos inibe a indignação perante tudo o que está mal e urge transformar!

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Será verdadeira a tese da afinidade entre os extremos?


Ontem, depois de conhecer a posição fechada do PCP relativamente aos projetos de lei sobre a morte assistida, que serão votados na Assembleia da República na próxima terça-feira, contactei  alguns simpatizantes comunistas, que se mostraram incomodados com uma decisão, que eles próprios não esperavam. É que, estando em equação a Liberdade de cada pessoa dispor do seu fim de vida conforme lhe aprouver, a decisão lida por João Oliveira não consegue escamotear a continuidade de uma proibição absurda, sobretudo se justificada por um alegado retrocesso civilizacional.
No entanto, olhando para a História do século XX, compreende-se a posição do PCP, que continua sem compreender uma das principais causas da implosão do modelo soviético: a forma como o partido único incompatibilizou as liberdades individuais com as diretrizes coletivas, sobrepondo-se estas à expressão daquelas. Apesar da falência daquela forma de concretização do ideário marxista através da prevalência das teses leninistas, que terão feito sentido nas condições específicas de 1917, o PCP parece temer os efeitos de se desviar do dogma, porventura julgando-o imprescindível para que não lhe suceda o desaparecimento verificado nos seus congéneres europeus, mesmo daqueles que, como em França, Itália ou Espanha, tinham conhecido grande apoio popular.
O desafio para o PCP deveria ser o de repensar-se entre esses dois extremos: não mudar e definhar lentamente à medida que o seu envelhecido eleitorado vai desaparecendo, ou mudar e conseguir convencer as camadas mais jovens quanto à viabilidade de um projeto assente em maior justiça social e inequívoca sustentabilidade económica e ambiental no incondicional respeito pelas liberdades individuais.
Por ora fica a curiosidade, que nos não será satisfeita, quanto ao que sentirão de facto Jerónimo de Sousa, João Oliveira, António Filipe e seus pares , quando se levantarem para manifestarem a oposição aos projetos de lei sobre a eutanásia,  e verem-se equivocamente irmanados com os deputados do CDS e os que, na bancada do PSD, mais próximos estão do proselitismo religioso? Será que os comunistas ficam cómodos com esta aparência de os extremos se tocarem?

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Mais um desmentido de formatações destinadas a serem urgentemente descontinuadas


Vão-se sucedendo as más notícias para os urubus que anunciaram terríveis apocalipses se prosseguíssemos a via aberta por esta maioria parlamentar de aumentar o salário mínimo, reverter os cortes nos salários e nas pensões, ou retomar os feriados perdidos durante o (des)governo anterior. Apesar de ter seguramente o governo mais à esquerda entre os países que integram a União Europeia - aquele que mais contraria as lógicas neoliberais! -, Portugal acaba de ser reconhecido pelo IMD World Competitiveness Ranking de 2018 como aquele que mais subiu no ranking da competitividade, com sucessos particularmente significativos no Desempenho Económico, na Eficiência Governamental e na dos Negócios.
Um mínimo de humildade dos zésgomesferreiras e nos joõesvieiraspereiras do nosso burgo obrigá-los-ia voltar aos bancos da escola (mas de uma boa, que não repetisse as formatações bafientas de professores do género Braga de Macedo ou César das Neves!) para rever as matérias, que terão estudado tão mal!

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A diferença de ter um primeiro-ministro competente e confiante


Acompanhando o debate quinzenal desta tarde, mais uma vez convertido num passeio de António Costa perante a indigência das questões colocadas por Fernando Negrão e Assunção Cristas, é melhor não aprofundar o que foi um espetáculo, que chegou a ser constrangedor pela debilidade manifesta dos oponentes do primeiro-ministro. Basta referir que a Negrão, apostado em falar do Serviço Nacional de Saúde, António Costa limitou-se e lembrar-lhe a pertença a uma bancada que, no momento decisivo, votou contra essa conquista de Abril e a Cristas voltou a lembrar-lhe que estava ali como primeiro-ministro e não como secretário-geral do Partido Socialista, algo que ela como catedrática de Direito, deveria estar mais do que ciente. Também Catarina Martins e Heloísa Apolónia, subitamente tomadas de um discurso particularmente agreste, tiveram de ser remetidas para a incongruência dos respetivos argumentos, que pretendiam ver o governo quebrar contratos ou revogar pareceres técnicos, independentemente dos custos previsíveis em ulteriores querelas judiciais ou mesmo negociais com quem tem de manter a fiabilidade institucional.
Ao  corroborar a confiança e a consistência com que António Costa respondia a sucessivos ataques da oposição e aos remoques das ambíguas apoiantes, lembrei-me de uma fotografia inserida na mais recente edição semanal do «Expresso» e que, substituía por si mesma as proverbiais mil palavras: tirada na última Cimeira Europeia em Sófia, víamo-lo a pôr as mãos nos ombros do fascista húngaro, como que sugerindo a necessidade de o empurrar mais para baixo, e fazendo rir a primeira-ministra inglesa.
Ele tem-se sempre distinguido pela positiva relativamente ao que era o comportamento de Passos Coelho nessas mesmas ocasiões, mas esta fotografia explicita-o melhor do que outra prova. Enquanto o entroikado ex-primeiro-ministro entrava ali a medo e quase parecia pedir para que nem sequer dessem por ele, António Costa vai confiante para as reuniões com os parceiros europeus, faz sentir a sua presença e anima as hostes, mesmo quando elas têm todos os motivos para estarem deprimidas. Confirmava a legenda: “Dizem que Costa passa bem na Europa: se querem descontração e um sorriso, chamem o António!”
Se a atitude de Passos Coelho nos dava vergonha, a convicção de António Costa só nos pode galvanizar. E é muito diferente ter um primeiro-ministro, que sabe o que quer, como quer e como planeia continuar a fazer, de outro manifestamente incompetente, ansioso pelas diretivas dos schäubles para dar a aparência de ter alguma ideia concreta de como «bem governar»...

terça-feira, 22 de maio de 2018

A verdadeira homenagem que António Arnaut merece


Há cerca de um ano mudei de médico de família a quem estabeleci exigente desafio: o de nos manter vivos e saudáveis o bastante para assistirmos à cerimónia de formatura da nossa neta mais nova, agora com onze meses. Compreende-se por aqui que conto socorrer-me de frequentes atos médicos durante duas dúzias de anos apesar dos condicionalismos de ser obeso e ter hipertensão. Felizmente que o interlocutor não se intimidou com a exigência e descansou-me com a perspetiva de só não alcançar esse objetivo se não investir algum esforço em obtê-lo. E, eu que guloso me confessei, não me confrontei com a conversa parva de me privar dos prazeres de mesa ou outros, que um dia me haviam levado a reagir a uma colega sua, instando-a a mostrar a mesma eficiência sem pôr em causa o meu assumido hedonismo de não me predispor a sacrifícios atentatórios da permanente reivindicação a ser feliz sem grandes incómodos.
Em suma: tendo em conta a ambição exposta, não me dá jeito nenhum manter o dispendioso seguro, a que me vi obrigado a recorrer quando, mudando de casa, fiquei sem médico de família no Serviço Nacional de Saúde. Não aprecio, igualmente, as condições terceiro-mundistas daquele que me cabe, sempre caótico, barulhento, desorganizado nas ocasiões em que a ele recorri.
Não tenho, igualmente, ilusões quanto aos méritos do Seguro de Saúde, que me tenho visto obrigado a pagar. No ano transato, depois de esgotado o pecúlio atribuído pela seguradora para os meus gastos nesses atos médicos, vi-me coagido a pagá-los bem mais caros no último trimestre do ano. E sei que, acaso tenha a desdita de uma doença grave, por exemplo do foro oncológico, serei empurrado para as clínicas e hospitais do setor público, porque os senhores da medicina privada não andam nisto para sequer ganharem pouco dinheiro, quanto mais o perderem com doentes exageradamente consumistas.
Tenho, pois, fundamentadas razões para defender o Serviço Nacional de Saúde, que António Arnaut, criou com outros parceiros injustamente esquecidos, quando se fala da paternidade dessa conquista de Abril, imposta pela Lei 56/79, de 15 de setembro, então aprovada num governo comandado por Mário Soares. Lei só possível após árduo esforço e que contou com a oposição tenaz - é bom não o esquecer! - do CDS e do PSD, incluindo Marcelo Rebelo de Sousa.
Apesar de se lançar por diante um SNS, que chegou a ter um desempenho de qualidade bastante superior ao que, então, se praticava em muitos países europeus, as direitas foram bem sucedidas na estratégia de o sabotarem o bastante para que proliferasse o princípio de «quem quiser saúde que a pague» como então um deputado do PSD não teve pejo em defender num memorável debate em que as suas palavras causaram escândalo.  A consequente indignação não bastou para que os interessados em fazerem negócio com a (falta de) saúde dos portugueses entrasse numa espiral ascendente, criando-se sempre novos hospitais e clínicas privadas para concorrerem em desigualdade de condições com um serviço público desorçamentado e intencionalmente condenado à degenerescência.
O governo de Passos Coelho parecia destinado a dar a machadada final em tal Serviço, possibilitando lucros ainda mais superlativos aos interesses, que representava. No limite replicar-se-ia algo parecido com o verificado nos EUA, e denunciado num célebre filme de Michael Moore em que os pacientes só são admitidos num hospital mediante um seguro de saúde e dele expulsos quando já nele não dispõem de verbas para prosseguirem os tratamentos.
O novo governo de coligação das esquerdas trouxe fundamentadas esperanças em como esse rumo destrutivo conheceria justificada inversão. E por em tal crerem, António Arnaut e João Semedo até se deram ao trabalho de aprofundarem as medidas a implementar para que tal se verificasse. Em vão, já se vê, já que esse trabalho valiosíssimo conheceu palavras encomiásticas do primeiro-ministro e do ministro da tutela sem que os elogios disso passassem. Pelo contrário os sinais dados por Adalberto Campos Fernandes foram esclarecedores, quando há seis meses nomeou Maria de Belém como responsável da Comissão incumbida de rever a Lei de Bases da Saúde. Ora, além de ter sido a candidata que facilitou o passeio do representante da direita (e recordemo-lo, histórico opositor ao Serviço Nacional de Saúde) para a Presidência da República, quem é verdadeiramente Maria de Belém senão uma das principais figuras do Partido Socialista ligada ao influente lobby da Saúde privada? Quem ignora o seu atual vínculo ao grupo Luz Saúde, depois de ter exercido funções de relevo noutros seus concorrentes? Alguém de bom senso acredita que a antiga ministra da tutela, que tem no curriculum essa degradação do SNS enquanto governou, irá agir a contrassenso do que sempre fez na vida?
Mas não esqueçamos que o envolvimento de gradas figuras do Partido Socialista - frise-se que é o meu partido, aquele para que pago quotas! - aos interesses privados da Saúde não se queda por aí: Óscar Gaspar, que foi secretário de Estado do governo de José Sócrates e depois um dos lugares-tenentes de António José Seguro, preside hoje à Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), que concerta os interesses de todos os grupos empresariais do setor, e é vice-presidente da CIP.
Isto significa que António Arnaut faleceu numa altura em que o seu partido - o nosso partido! - age absolutamente à revelia do que sempre defendeu e por que foi sempre tão admirado.
Ontem não faltaram glorificações ao seu legado, mesmo por quem está disposto a completar-lhe a destruição. Ora homenageá-lo não passa por decretar dias de luto nacional ou exibir choros de hipócritas carpideiras. Ser consequente com tal herança passa por fazer cumprir o projeto de vida, que sempre o inspirou.  Daí que, voltando ao princípio deste texto, anseio pela possibilidade de regresso ao Serviço Nacional de Saúde enquanto utente e nele cumprir a ambição imposta ao meu atual médico de família. Vivenciando no entretanto um país em que a Saúde seja efetivamente um direito e não uma rentável fonte de negócio de quem dela pretende colher obscenas rendas.