sexta-feira, 18 de maio de 2018

Alguém no seu juízo acredita que as coisas irão continuar como são?


Um amigo meu insurge-se com o facto de vivermos numa época marcada pelo individualismo das gerações mais novas, apostadas em seguirem a máxima: «cada um por si e todos contra todos».
Será assim? Será que essa idiossincrasia tão ligada ao neoliberalismo, que manda a concorrência prevalecer nos mercados alienando quaisquer outras razões económicas para a desvalorizar, não estará em vias de ser posta em causa pelos limites dessa orientação ideológica, que só tem agudizado as injustiças e as desigualdades? O meu otimismo, fundamentado no materialismo histórico, dita-me a iminência de uma progressiva relevância da solidariedade, da consciência de partilha, da intenção transformadora de uma realidade ameaçada por tantos constrangimentos distópicos. É a velha lei de nada continuar a ser como foi, justificando o realismo de exigir o impossível.
Uma das grandes vozes reacionárias da nossa cultura é Clara Ferreira Alves, que recentemente se insurgia contra a feira de vaidades em que se convertera uma gala no Metropolitan de Nova Iorque a pretexto da inauguração de uma retrospetiva sobre objetos de culto religioso facultados pelo Vaticano. E lembrava como tem sido tendência dos últimos anos a avaliação meritória de certas obras literárias não tanto pelos seus conteúdos, porque sobretudo valorizadas pelo excelente aspeto dos seus autores. Por isso Bruce Chatwin era recentemente abordado pelo «New York Times» não tanto pelo que escrevera ou por quanto conseguira manter secreta a sida de que viria a morrer, mas através das fotografias que adornavam o texto. Ou o nórdico Karl Ove Knausgard com presença garantida na lista dos best sellers, porque as capas com ele a posar na capa leva muita gente a comprar-lhe os romances, independentemente do que neles constam.
Podemos reconhecer que o culto da imagem tem tido uma grande importância nas últimas décadas por influência da publicidade, que vem moldando os gostos à medida das modas que patrocina. Nesse sentido podemos lamentar que, decerto, as formas têm-se sobreposto aos conteúdos.
Perderam importância os grandes pensadores que, ao longo dos três primeiros quartos do século XX, tanto influenciaram gerações sucessivas de jovens, inquietados pelas suas propostas e, sobretudo, pelas suas questões. Hoje é impensável encontrar quem se iguale à importância conhecida nas suas épocas por Bertrand Russell, Jean Paul Sartre ou Herbert Marcuse. Alguém tão brilhante como o aqui ilustrado Noam Chomski quase se cinge injustificadamente a uma exígua plêiade de admiradores. Mas será assim por muito tempo? É que o conceito de «mestres pensadores» sempre norteou a história da Humanidade com Sócrates, na Antiga Grécia a ensinar a de tudo duvidar, a tudo questionar. E a comunidade humana anda carecida desse espírito crítico, dessa necessidade de pôr em causa o pensamento dominante - aquele que nos incita a aceitar o nosso viver como o único possível, sem lhe procurar alternativa mais consentânea com as aspirações a sermos mais felizes. Ora esse culto da imagem pueril é um dos que tem de ser contestado e assim o será tão só seja ultrapassada esta fase em que, dos EUA a Itália, das Filipinas à Argentina, o mundo político tem sido dominado por serôdios populismos. Se com passos atrás para que se possam dar outros bem mais afirmativos para diante, a Humanidade sempre avançou para formas mais avançadas de civilização. Porque deixaria de assim prosseguir a sua evolução?

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