quarta-feira, 30 de maio de 2018

Três notas sobre uma vitória anunciada (mesmo perdendo entretanto uma batalha)


1. Daqui a meia dúzia de anos, quando nas votações nacionais o PCP conhecer resultados miseráveis, talvez João Oliveira, Paula Santos, Bruno Dias, Rita Rato e outros dos seus atuais deputados, olhem para o passado e se detenham neste dia 29 de maio de 2018 como tendo sido o do início do fim do seu partido enquanto organização influente na política nacional. Talvez se questionem o que terão perdido ao aliarem-se ao CDS para chumbarem por cinco votos uma legislação, que tal qual a do aborto, não demoraria muito mais a ser aprovada após uma primeira reprovação. Constatarão porventura que o seu eleitorado de outrora não terá esquecido essa decisão absurda, provavelmente ditada pelo único propósito de rasteirar o Bloco e o Partido Socialista, transferindo o apoio para quem mostra não sonegar a liberdade individual em nome de uma imposição coletiva. No fundo seguindo a lição de Saramago, que mandava respeitar a liberdade dos outros como princípio básico de uma sociedade mais avançada, lição nunca aprendida por quem mais deveria tê-la assimilado.

Este episódio acaba por ser apenas o mais representativo da incapacidade do grupo parlamentar do PCP em sair da cristalizada lógica daquele tal condutor que seguia pela autoestrada e se indignava com o facto de todos os outros estarem em contramão, incapaz de reconhecer-se como o efetivo infrator.
Aposto que, na próxima década, aqui estaremos a dobrar finados por quem terá esgotado as reservas de resiliência com que  enfrentara os anos pós-muro de Berlim e já nada terá a propor para quem buscará maior justiça e igualdade num mundo globalizado, comandado pela economia digital e onde as alterações climáticas porão na ordem do dia um novo paradigma: o do decrescimento sustentado.
2. Não sabemos se a rapariga da fotografia foi a autora do cartaz com que se foi manifestar para a porta da Assembleia ou se alguém a incumbiu de se prestar a tão triste figura. Mas a imagem substitui mil palavras na demonstração da desonestidade sem escrúpulos que os opositores à lei da morte assistida assumiram ao longo das últimas semanas.
Para quê, podemos interrogar-nos? Haverá neles a consciência de, tendo ganho esta batalha, logo perderem a guerra final ao virar da esquina, ou seja na próxima legislatura? É que quase por certo o Partido Socialista terá muitos mais deputados para mudarem a relação dos pratos da balança para o sim e o Bloco provavelmente subirá à conta dos que vinham sendo tradicionais apoiantes do PCP e não lhe perdoarão esta inaudita colagem à direita. Não esquecendo que o grupo parlamentar do PSD se verá entretanto  expurgado daqueles que aproveitaram esta oportunidade para uma inócua bravata contra a vontade de Rui Rio.
3. Resta o paradoxo, que só o não é porque a coerência raramente tem cabimento nas direitas, de estas serem contra a morte assistida depois de terem causado centenas, senão mesmo milhares de suicídios nos quatro anos em que desgovernaram o país e negaram qualquer esperança de futuro a tais desesperados. Muitos deles velhinhos sobre quem a tal jovem mostrou tão hipócrita preocupação.

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