sexta-feira, 31 de maio de 2013

POLÍTICA: navegar á vista no meio do nevoeiro

Esta semana o “Público” brindou-nos com mais um artigo do politólogo André Couto, que sintetizou com rigor o que o (des)governo de passos coelho pretendeu conseguir com a sua política neoliberal e os resultados consequentes: Sob a égide de um governo que sempre quis ser "mais troikista do que a troika" empreendeu-se a mais profunda desregulação no mercado de trabalho de que há memória em Portugal: liberalização dos despedimentos; redução profunda das compensações por despedimento; aumento da jornada de trabalho (banco de horas, redução de feriados, redução de férias, etc.); redução das remunerações dos assalariados, sobretudo no setor público.
Tudo isto foi "vendido" aos portugueses como concorrendo para estimular uma maior criação de emprego, por um lado, e tornar mais competitiva a economia, por outro.
Mas quais foram os resultados?
A mais elevada taxa de desemprego de sempre na história da democracia (17,4% em Fevereiro de 2013; estimativa de 18,2% para o final do ano); uma economia em forte recessão desde que estamos sob a troika.
Mais, desde que "as medidas milagrosas" são aplicadas, tais elementos negativos não se aliviaram sequer, agravaram-se.
Acresce que os pressupostos de que "é preciso trabalhar mais" e "é preciso empobrecer" são falsos. É sabido das estatísticas comparativas que os salários médios dos portugueses são relativamente baixos (18.º lugar em 27 segundo a Visão, 2013) e que trabalhamos mais horas que a média europeia, seja na administração pública (AP), seja no setor privado
Porque a realidade não coincide em nada com o que surgira como cenário presumível nas folhas de excel de gaspar chegámos a esta forma de fazer que se governa, navegando-se à vista e tomando medidas cada vez mais gravosas para o presente e o futuro dos portugueses. Como diz Fernando Medina no seu artigo no “Diário Económico” a atual política económica já não se funda na realidade nem ambiciona a recuperação. Destina-se simplesmente a manter as aparências de um caminho que falhou. 
Mas essas aparências fazem com que gaspar acelere a fundo na direção do desastre. Segundo o blogue “Câmara Corporativa”, quando cada vez mais vozes exigem a reestruturação da dívida, Vítor Gaspar prepara-se para armadilhar a dívida pública, dificultando a possibilidade de os credores externos poderem vir a ter perdas. Sob o pretexto de reduzir o rácio da dívida¹, Vítor Gaspar vai determinar ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) que invista na dívida portuguesa.
 O sofrimento por que passam os portugueses é questão que a gaspar não suscita qualquer estado de alma. Todas as suas preocupações estão viradas para que os credores, de quem se fez provedor, sejam ressarcidos pelos seus empréstimos e a juros, que significam um autêntico saque ao bolso daqueles. Pondo nomeadamente em causa a capacidade da Segurança Social para vir a cumprir os seus compromissos com os reformados e pensionistas. Senão atenhamo-nos no que escreve Daniel Deusdado no “Jornal de Notícias”: não nos esqueçamos: sempre que quisermos um perdão de dívida de (30... 40... 50... por cento) será essa percentagem que desaparecerá da Segurança Social. Com uma diferença entre os credores internacionais e nós: eles beneficiaram de juros elevados, durante muitos anos; nós entramos com a casa a arder apenas para os ajudar a perder menos dinheiro.
Hoje são cada vez mais audíveis as vozes dos economistas apostados em apontar outros caminhos alternativos. Que têm sempre uma fase inicial de passagem obrigatória: a da renegociação da dívida. Mas, acrescenta Pedro Nuno Santos no “i”: a renegociação não é suficiente; é preciso libertar recursos para desenvolver uma política industrial que permita graduar e qualificar o perfil da nossa estrutura produtiva. E para libertar recursos é necessário reduzir (de forma significativa) os encargos anuais com o serviço da dívida, o que necessariamente exige a sua reestruturação.



quinta-feira, 30 de maio de 2013

LIVRO: «Um Escritor Confessa-se» de Aquilino Ribeiro (9)

No 50º aniversário da morte de Aquilino Ribeiro continuamos a revisitar a sua obra autobiográfica «Um Escritor Confessa-se», (edição da Bertrand em 1974) bastante elucidativa quanto aos seus anos de formação, aqueles que o irão moldar como corajoso lutador político contra todas as formas de opressão.
Nesta nona abordagem apanhamo-lo a regressar à rudeza das suas terras beirãs para comparecer perante a Junta Militar, que deverá estar despachada em três dias, e quando já usufrui rendimentos, mesmo que limitados, dos textos publicados à peça nos jornais de Lisboa. E ele que partira dali ávido de outras modernidades irá, singularmente, deixar-se fascinar pelas cores, cheiros, sabores e pessoas dali como se fossem novidade para si. Até porque descobre ali uma certa forma de liberdade diferente da da Lisboa republicana ainda submetida a um rei crepuscular.
A Primavera esplendia com todo o seu fulgor, e as suas tintas, no mato o amarelo do tojo e da giesta, o vermelho-púrpura das urzes e rosmaninho, o branco da esteva e bela-luz, no centeal o ocre palhetado de verde, enchiam os olhos. Cantavam por toda a parte os pássaros, que eu deixara de ver havia muitos meses e agora as suas vozes soavam aos meus ouvidos como aleluias.
(...) Meu pai tinha preparado na junta militar a minha isenção. Não parece ter-lhe sido difícil. Não era eu um senhorito, que trazia gravata e sapatos engraxados?
Havia de me ir embora três dias depois, como prometera ao «casaca» da Tavares Cardoso. Deixei passar a semana, atrás da semana o mês. Mandei vir obra para a serra e comecei a expedir o meu trabalho regularmente.
Tinha-me deixado possuir da feitiçaria das coisas ternas da natureza, de que só então dei conta que existiam. Eu reintegrava-me no meio de que derivara, e nessa operação sentia a delícia das delícias. Era como o lagarto que, depois de hibernar, se espreguiça ao sol.
Na nossa propriedade, contígua à casa, a batata, o feijão e outros primores da terra medravam a bom medrar, bafejados pela graça, representada pela abundante água de mina, o esterco dos estábulos, sacho constante e sol. Minha mãe fazia já a sopa com «beijinhas», as vagens tenras que ia ela própria cortar dos feijoeiros, adubando-a a presunto e salpicão.
Mandava todas as manhãs tirar batatas novas, tão tenras que bastava friccio­ná-las na mão fechada para despirem o fino manto da pele. Aferventadas, derretiam-se na boca como bombons. O homem prende-se pela gula, como todo o vivente. Há um sentido que vem após. Com efeito, ao gozo e prazer da liberdade corresponde qualquer órgão no animal, ilocalizado como o da direcção em certos bichos, tão premente que ele lá está ora e sempre, e chega a prevalecer mesmo aos demais sentidos.


FILME: «O Futuro segundo Starck» de Gaël Leiblang et Peggy Olmi

Na próxima terça-feira, dia 4, o canal franco-alemão ARTE apresenta o documentário «O Futuro segundo Starck» em que o célebre designer vai ao encontro de muitos dos que pensam o futuro e o conjeturam segundo aquilo que o presente permite antecipa-lo.
É o próprio Philip Starck quem diz numa entrevista que existe uma grande diferença entre os visionários e os idiotas, que podem possuir uma grande convicção nas suas previsões, mas que as verão desmentidas pela realidade.
Um filme desse tipo deverá ser sempre visto com a reserva com se liam os livros da coleção Argonauta em tempos que já lá vão. Mas com o prazer que eles nos costumavam dar quando perspetivavam para este início do século XXI viagens interplanetárias e encontros com civilizações extraterrestres. Mas como nos vendiam a ideia de que Júlio Verne como alguém que acertara em muitas das expectativas por ele descritas, víamos quase todos os autores da geração de Arthur C. Clarke ou Philip K. Dick como seus émulos. Para além de nos fascinarem com a sua fértil imaginação.
Ainda assim a limitação mais óbvia deste tipo de documentários tem a ver com a previsão de grandes avanços científicos, mas esquecerem os efeitos sociais de tal evolução. Porque Marx fez-nos ver que a diferentes meios de produção corresponderão distintos modelos de sociedade.  O que nos leva a formular o desejo de ver surgir um tipo de tecnologia, que facilite o desaparecimento do capitalismo e faça emergir um tipo de sociedade mais propícia à sustentabilidade dos ecossistemas, à libertação do homem das suas tarefas mais penosas e crie riqueza bastante para poder vir a ser mais igualmente distribuída...



FILME: «Entrada de pessoal» de Manuela Frésil

Não sei se será da idade, se pelo facto de a realidade se tornar cada vez mais impositiva sobre todos os nossos pensamentos e comportamentos, tornando cada vez mais fúteis as tentações facultadas pelo mero entretenimento: a verdade é que prefiro quase sempre os documentários aos filmes em que se ficciona essa mesma realidade. Mesmo reconhecendo que, em cada documentário, sobra sempre uma componente de fição.
Este filme de Manuela Frésil, estreado nos ecrãs franceses no início deste mês, é um bom exemplo disso mesmo: passado num matadouro associado a uma fábrica de derivados de carne, temos ali reproduzido o quotidiano dos seus operários submetidos a ritmos intensivos no trabalho em cadeia, que os priva das suas características humanas e os transforma em meros robôs.
O filme constitui uma metáfora eloquente sobre o sistema capitalista e a forma cada vez mais radical como nele se processa a exploração dos seus trabalhadores, submetidos a uma desumanização crescente. As imagens sangrentas da carne a ser desossada e a transformar-se nos produtos depressa levados para as arcas dos hipermercados não são bonitas de se ver. Mas é essa a sina de muitos quantos vivem dos seus salários:  o ambiente em que passam os dias não é nada agradável de se viver podendo até provavelmente vir a causar problemas sérios de saúde.
Este é pois daqueles filmes em que se sente a necessidade de uma outra forma de vida, de sociedade.



quarta-feira, 29 de maio de 2013

LIVRO: «Hollywood and Hitler, 1933-1939» de Thomas Doherty 

Em 24 de maio, o The Wall Street Journal publicava um artigo de Christopher Bray, que mostra como sendo a política ruim para os negócios, os donos dos estúdios de Hollywood dos anos 30 exigiram complacência para com os fascistas europeus para quem pretendiam continuar a vender filmes. Com os resultados, que se constatariam no final dessa mesma década.
Bastaria terem estado a 5 de dezembro de 1930 na apresentação do filme de Lewis Milestone «A Oeste Nada de Novo» no Berlim Mozart Hall para testemunharem o boicote bem sucedido de um bando de arruaceiros, que lançaram bombas de mau cheiro e pó de espirrar para a assistência e libertaram ratos assustados pelas coxias.
Os nazis em causa, manipulados por Joseph Goebbels, consideraram que o filme baseado no conhecido romance de Erich Maria Remarque era propaganda pacifista a que se deveria assistir a gritar continuamente: Judenfilm! Judenfilm!
No seu diário o ideólogo do nazismo entusiasmava-se por ter conseguido transformar a sessão num caos total com a polícia a revelar-se impotente para controlar tais distúrbios. Que se repetiriam noutros cinemas por toda a Alemanha até o Conselho Supremo de Censura decretar que o filme punha em perigo a reputação do país e deveria por isso ser proibido.
Iniciava-se um clima de intimidação por toda a indústria cinematográfica alemã, que era então uma das mais pujantes a nível mundial, obrigando ao exílio de um conjunto de atores e realizadores de reconhecido valor, logo recebidos de braços abertos pela indústria de Hollywood: Peter Lorre, Hedy Lamarr, Paul Henreid, Billy Wilder, Fritz Lang, Max Ophuls...
Mas atrás deles também os ideais nazis os perseguiram até ali conseguindo ganhar inquietantes raízes junto dos estúdios: é essa a tese de Thomas Doherty, que acaba de publicar uma análise densa sobre a História do Cinema desde a ascensão de Hitler à condição de chanceler do Reich até ao início da II Guerra Mundial. E a primeira forma como essa influência se manifestou foi pelo quase total silêncio quanto aos acontecimentos então em curso por toda a Europa, sob o argumento de que Hollywood execrava o tratamento de temas políticos na tela. Só na iminência da guerra é que a Warner Bros lançou «Confessions of a Nazi Spy» de Anatole Litvak.
E Chaplin só consegue exibir «O Ditador» no final de 1940, quando a guerra já durava há mais de um ano.
Mas, se virar os olhares dos horrores do fascismo era uma opção discutível, pior ainda era a de se verificarem algumas aproximações perigosas a alguns dos ditadores.
Mussolini, por exemplo, era um fã incondicional de «Laurel e Hardy» e Hal Roach convidou-lhe o filho, Vittorio, para sua casa, a fim de aprender produção cinematográfica. Mesmo que a hospedagem só tenha durado uma semana.
É por essa altura que Leni Riefenstahl chega à Califórnia a ponderar na possibilidade de o virtuosismo de «Olympia» lhe abrirem as portas. É que essa obra-prima dedicada aos Jogos Olímpicos de 1936, caracterizada pelos seus planos inovadores e composições simétricas, possuía requisitos por ela congeminados como potenciadores do seu enriquecimento nos Estados Unidos.  Mas, felizmente, teve como interlocutor o foragido Billy Wilder, que a informou do único tema passível de interessar aos norte-americanos: a autópsia do cérebro do seu namorado (na época vigoravam muitos rumores quanto a uma ligação da cineasta com Hitler!).
Recheado de informações, que já pouco nos dirão, por advirem de filmes totalmente desconhecidos, o livro de Doherty dificilmente cruzará o Atlântico para este lado, mas possui um inegável interesse de como as democracias deixarão avançar as ditaduras europeias até que a guerra se tornasse inevitável com toda a sua multiplicação de tragédias pessoais.

terça-feira, 28 de maio de 2013

LIVRO: «Um Escritor Confessa-se» de Aquilino Ribeiro (8)

Passaram ontem cinquenta anos sobre a morte de Aquilino Ribeiro. Como comemora-lo devidamente passa por o ler prosseguimos a abordagem da sua autobiografia «Um Escritor Confessa-se», em que ficáramos na sua primeira (e falhada) tentativa para se radicar na capital, decidido que fora o abandono da vida clerical para a qual estivera a preparar-se no Seminário de Beja de má memória.
Para o ex-seminarista não é fácil encontrar emprego num país marcado pelo estertor cada vez mais evidente do regime monárquico.
O Ultimato inglês causara cicatrizes profundas, que a ditadura de João Franco só iria abrir ainda mais. Mas a consciência política do jovem beirão só então começava a despertar através do convívio com os intelectuais e ativistas políticos, que alimentavam as tertúlias nos muitos cafés lisboetas.
Aquilino ia ouvindo muito e participando pouco até porque o dinheiro escasseava a a mesada enviada pelos pais não chegava para as despesas a que tinha de fazer face.
Não tarda que ele adie o seu projeto regressando a Soutosa. Para regressar ao convívio com a natureza rude dos contrafortes da Serra  e com as suas gentes.
 Nas manhãs secas de Inverno, quando a nossa respiração ergue um halo no ar álgido, nada mais regalado também do que caçar o maçarico ou o pato bravo tolinho, que se haja extraviado do bando e entrado pelas terras. O solo, pungido do codo, solta debaixo das botas ferradas um gemido quase animal. Ao longe, a bruma ligeira, que não consegue sobrepor-se à roxidão dos montes, sacode o fraldil pardo. Os pinheiros perfilam-se hirtos e os gaios e os melros gritam exaustinados nos bosquedos.
Essa convivência com os amigos com quem caça ou com os demais aldeões com quem se cruza será fundamental para aprofundar um conhecimento aprofundado da vida austera e dura de quem vivia esquecido pelas élites lisboetas. Muitos dos seus personagens criados nos seus livros serão inspirados por muitos dos que então conhece:
Se não fora o Melo, a minha vida naqueles ermos teria decorrido num plano mais que bárbaro, ostrogodo, antes da vinda de Cristo, e escandalizar-se-iam os olhos melindrosos de civilizados, perfumados a houbigant, e que à noite ouvem Mozart pela Rádio, se me pintasse em tal ambiente. A vida social, estatuída em leis e artes
correlativas, mal palpitava por tais portelas, e ainda hoje está aqui e além embarrancada nos poviléus montesinhos desde pouco menos do milénio.
Está dito, o tempo ali é uma serpente, uma longa serpente de rabo na boca à maneira do Zodíaco, que tem a cauda na cardenha de Astolfo, sogro de Viriato, que comia a papa-la-versa nos pratos de oiro palmados na Bética, e a fronte no chalé caiado do volframista.
E ainda hoje a modernidade, ali, é sempre rara, plaqué ou pechisbeque no metal e no toque.
Como pôde isso ser, perguntar-se-á à face de outros povos europeus, sedentos de progresso tanto nas cidades como nas comarcas rurais, onde não é possível verificar um estádio tão recuado de humanidade? À pergunta seria difícil responder e sempre conjeturalmente. É certo que o clima temperado retarda os habitantes, que não têm necessidade de lutar pela vida. Mas em Portugal, mormente no Norte, o clima é irregular, rigoroso
no Inverno, e o solo pobre.
Embora não tarde a tentar nova mudança para Lisboa, Aquilino jamais se dissociará desse ambiente, que o marca profundamente e lhe garante a genuinidade dos caracteres determinados com que se enriquecerão os seus romances:
Os veros habitantes da aldeia figuram nas páginas dos meus romances, retocados ou em carne viva, descritos parcialmente ou na íntegra, debaixo de uma leve mascarilha. Os próprios - já tive a prova - reconhecem-se no leve farricoco. Não vale a pena, pois, levar o seu retrato ou água-forte mais longe ou reescrever a crónica dos seus feitos. Esta rememoração é apenas mais objectiva e concentrada. Porque os trago agora à colação ? Porque estou sozinho a representar e a minha vilegiatura na aldeia foi mais que um monólogo. Contracenam comigo. Quando me vim embora, trazia a aldeia nos poros, no sangue e no cérebro.




POLÍTICA: Teoria da conspiração?

O artigo de Mário Soares na edição de hoje do «Diário de Notícias» é bastante crítico sobre o comportamento de cavaco silva, que persiste em considerar legítimo um (des)governo odiado pela maioria dos portugueses: O Povo, os professores, os desempregados (mais de um milhão), os que passam fome e os ricos conscientes, os militares, os cientistas e até os economistas mais lúcidos, não suportam mais este Governo. E o Presidente da República continua a chamar-lhe legítimo, quando o Tribunal Constitucional parece querer reprovar, pela segunda vez, o Orçamento que lhe foi apresentado? Quando as centrais sindicais, os parceiros sociais e a maioria dos partidos políticos o reprovam. Mesmo o PSD, na sua esmagadora maioria. Atenção: está-se a brincar com o fogo!
O antigo presidente já estranhou anteriormente o comportamento timorato de paulo portas perante políticas totalmente opostas àquilo que sempre foi defendido por ele nas suas deambulações por feiras e centros da terceira idade. E chegou a aventar a possibilidade de termos o líder do CDS chantageado por algo de comprometedor na posse das eminências pardas, que se acoitam por trás de passos coelho e utilizado para o manter mais calado do que se julgaria compreensível.
Agora, Mário Soares vem juntar cavaco silva a essa teoria da conspiração, cuja veracidade ou negação ainda está por esclarecer: É caso para se pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser chantageado, como tem sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues políticos? Não quero acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir e mudar rapidamente, porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso. Para o País e para ele.
A concluir o seu texto a situação alemã também não escapa ao crivo do fundador do Partido Socialista. Mormente identificando as progressivas contradições entre Merkel e Schäuble impostas pela realidade cada vez mais inquietante da mais pujante economia da União Europeia, subitamente a acusar sinais de gripagem: Curiosamente as dificuldades da Alemanha começaram a aparecer. A sua economia cresce pouco, um ou dois por cento, e dificuldades sérias estão à vista. O que obriga a chanceler Merkel a refletir - porque estão a aproximar-se as eleições e o seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, continua implacavelmente sem mudar de opinião como fanático neoliberal que é.


POLÍTICA: a nulidade presidencial

Nunca fui paladino daquela máxima segundo a qual cada povo tem os governantes, que merece. Mesmo sabendo-os eleitos pela expressão maioritária dos seus votos.
É que a todos é permitido sonhar e o facto de se deixarem embalar pelo canto da sereia de quem lhes prometeu mundos e fundos para depois os enganar, não os inibe à condição de vítimas de um ludíbrio de que tardiamente sentiram as consequências. Daí que seja perigoso ilibar os tais “governantes” à conta da suposta vontade dos seus eleitores, porque, da mesma forma, desculparíamos qualquer ato delinquente só porque poderá ter contado com a passividade ou a impotência de quem com ele sofreu.
Estaríamos então à beira de americanizarmos a nossa bem mais sadia sociedade, com a distribuição de armas a todos os cidadãos para se poderem defender em igual proporção de quem os pretenda atacar.
Ainda assim é perturbadora a conclusão do artigo publicado esta semana por António Guerreiro no suplemento «Ipsilon» do «Público», quando escalpeliza o comportamento de cavaco silva: A nulidade metafísica do nosso Presidente da República não tem apenas o poder de dissolver  ou não dissolver a Assembleia da República. O seu poder mais secreto, que ele exerce quer queira quer não e que lhe advém da sua condição figural e figurativa, é o de dissolver o próprio povo na estratégia fatal de uma nulidade recíproca.
Terá a nulidade de cavaco silva, enquanto lamentável protagonista deste momento histórico, a consequência da dissolução do próprio povo, que o elegeu? Será este culpado de ter acreditado na sua capacidade para lidar com a gravíssima conjuntura, que a crise de 2008 já anunciava?
Culpado será sim cavaco silva de ser um presidente incapaz de estar à altura dos seus compromissos, sujeitando os portugueses ao terrível quadro hoje enunciado por Paul Krugman num artigo de leitura obrigatória para todos os economistas em breve reunidos em Belém para darem o ámen à torpe inação do seu anfitrião perante a dissolução da estrutura produtiva do país. Culpado será ele por se ter deixado conduzir pela sua vaidade pessoal e pretendido exercer funções, que estariam sempre muito para além das suas capacidades e competências.
Ainda a cumprir a primeira metade do seu segundo mandato, cavaco silva já tem garantido o pódio do pior presidente desta desgovernada República.


POLÍTICA: Com a cabeça entre as orelhas

Um presidente a virar costas ao compromisso constitucional de representar todos os portugueses e não apenas a sua fação, ao mesmo tempo que alimenta o anedotário internacional com a sua suscetibilidade às metáforas circenses. 
Um primeiro-ministro, que enganou conscientemente o eleitorado através de promessas logo atiradas para o caixote do lixo, para cumprir o programa ideológico de ajuste de contas com o Portugal de Abril. 
Um ministro das finanças, que se vangloria de não ter sido eleito, porque se soube, logo de início, proposto pelos credores internacionais a fim de lhes garantir o esbulho dos limitados rendimentos dos portugueses. 
Um ministro de estado e dos negócios estrangeiros, que quis ser o provedor dos contribuintes, dos reformados e pensionistas e deles se esqueceu durante dois anos, começando a lembrar-se dos últimos, quando agora pressente uma retribuição na mesma moeda por quem se sentiu por ele abandonado.
Estes dois anos foram elucidativos quanto à (falta de) qualidade dos nosso políticos de direita, que se esqueceram de quaisquer dos princípios da democracia cristã com que, no passado, pretendiam fazer dourar a pílula aos explorados.
Precisamos de dar uma séria volta a esta revoltante situação. Fazendo votos de que se cumpram os desejos formulados pelo jurista Tomás Vasques no jornal «i»: É comum dizer-se que, depois desta crise, nada voltará a ser como era. Esperemos que não, sobretudo na exigência de mais democracia, mais transparência, mais fiscalização e participação dos cidadãos.





domingo, 26 de maio de 2013

IDEIAS: A Morte

Vladimir Jankelevich reparava que não aprendemos a morrer, nem nos preparamos para esse inevitável desenlace. E, no entanto, concluía o filósofo que a morte exige uma preparação sem preparativos.
Se há quem considere que filosofar significa precisamente aprender a morrer, não sabemos verdadeiramente o que é a morte por muito que lhe conheçamos as premissas (a doença, o envelhecimento, a solidão) e os efeitos (o luto, o apodrecimento do corpo).
Suspeitamos que ela seja o desenlace de uma vida que passou a dissociar-se de um corpo. E há quem, como Sócrates, tenha a esperança de por ela encontrar a via aberta para uma forma de plenitude. O que não o impediu de confessar a sua inquietação no momento em que se preparava para ingerir a cicuta.
Uma boa forma de preparação para a morte poderá ser a de a reavaliar positivamente. Mas como, se tudo na cultura humana nos incita a nega-la?
Vejamos o exemplo da fotografia de outubro de 1967 em que vemos o corpo do Che rodeado pelos seus carrascos. Os seus olhos abertos negam o carácter mórbido da fotografia, convidando-nos a uma perenização do combatente revolucionário muito para além daquele instante preciso. No fundo, querendo demonstrar a morte do Che, os militares bolivianos garantiram-lhe a admiração eterna.
Arthur Schopenauer revelava as influências budistas no seu pensamento, quando convidava os leitores a não lamentarem as árvores, que se despiam das suas folhas no outono. É que, tombadas no solo, aparentemente mortas, elas logo se tornavam essenciais para a fertilização do solo e a prosseguirem vivas de uma outra forma.
É, pois, inegável o fascínio que a morte exerce em nós. Era Montaigne quem considerava a existência intensificada pela presença repetitiva da ideia de morte. Por exemplo, numa autoestrada é comum os condutores refrearem velocidade para o ato de voyeurismo de olharem para o acidente mortal na outra faixa.
Olhamos para a morte alheia como forma de exorcizar a ideia da nossa própria morte. Até porque reconforta-nos a ideia de ela acontecer por acidente - a que nos julgamos imunes - em vez de decorrer da imparável passagem do tempo (velhice) ou da degradação do corpo (doença).
Rejeitamos o mais possível o conceito “a minha morte”. No seu ensaio «Considerações atuais sobre a guerra e a morte», Freud afirma que não existe espaço no inconsciente humano para aceitar a ideia da sua própria morte. Daí que, em situações extremas, seja fácil a alguns avançarem para atos de admirável heroísmo: nesse instante o “herói” exclui a possibilidade de morrer efetivamente.
É a sabedoria oriental que se aproxima mais de uma proposta viável para a preparação para a morte, quando o sábio decide dissociar-se das coisas terrenas, despedindo-se da família e afastando-se para, solitariamente, enfrentar a eternidade em que acredita. Mas ele nega ainda assim a ideia de morte, convencendo-se em como a vida é doce desde que a ela se renuncie.
Nas nossas sociedades ocidentais a alternativa a essa ideia incómoda é afastá-la de nós o mais possível: se nos fascina espreita-la na televisão ou nas autoestradas, tratamos de assegurar a morte dos familiares nos hospitais e em velá-los o mínimo tempo possível.  Afastando assim a tradição da morte em casa, rodeado pela família e pelos amigos.
No fundo a única forma de preparação para a morte acaba por ser a velhice enquanto esvaziamento progressivo das capacidades e competências, que se haviam tido. O que dá razão a Hegel quando considera a Morte como negação do Valor.


POLÍTICA: as eleições municipais em Itália dão mais do mesmo!

Tivemos a experiência do PRD para comprovar a fatuidade de fenómenos políticos, que surgem cheios de força e acabam reduzidos à dimensão de grupúsculos irrelevantes.
Ainda assim sabemos bem como são nefastos esses fenómenos: não esqueçamos que o cavaquismo cavalgou precisamente a partir dessa estratégia de Ramalho Eanes para estilhaçar o Partido Socialista.
Vem isto a propósito das eleições municipais em Itália, que estão a decorrer e sobre as quais se justifica alguma atenção para os seus resultados: quem ganhará a decisiva batalha pela cidade de Roma? Entre o Partido Democrático e o de berlusconi, qual o que pode reivindicar vitória?
E a principal de todas essas interrogações: qual o peso da formação do movimento cinco estrelas de beppi grilo?
As sondagens conhecidas dão-nos conta que, nesta primeira volta, esta formação política vai manter a sua influência apesar da demonstração de incompetência, inexperiência e insensatez dos seus deputados no Parlamento, apesar da urgência em encontrar soluções para uma crise a afetar tantos milhões de italianos, nomeadamente as suas camadas mais jovens. E, infelizmente, serão maioritariamente estes quem mais facilmente se deixam embalar pelo oportunismo desses seus representantes que conseguiram obstar à ascensão da esquerda italiana nas legislativas e possibilitado a concentração do voto de protesto nos seus candidatos.
A ter isso sucedido teríamos visto o Partido Democrático a convergir com a França de Hollande na redefinição das principais políticas europeias.
Mas, quando os que têm responsabilidades - e não esqueçamos que prestigiados intelectuais como Dario Fo ou Erri di Luca - apoiaram esta forma indigente de fazer política, pouco poderia Bersani fazer para os contrariar. Porque muitas vezes os projetos políticos mais sólidos podem ser torpedeados pelos que arranjam um discurso apelativo, de aparente irreverência e de suposta mudança.
Nessas eleições e nas de hoje, os grilistas constituem a quinta coluna de idiotas úteis aos beneficiários do costume: esses que não deixam de se sentir representados por essa caricatura sinistra, que é o proprietário da Mediaset. E em quem o grande capital financeiro ou industrial aposta para que tudo acabe por ficar na mesma na relação de distribuição de rendimentos entre os mais ricos e o resto da população italiana,


POLÍTICA: É preciso é que queira!

Li hoje que 200 a 250 milhões de pessoas estão a comprar a primeira casa e o primeiro carro na China.
Se ainda acreditasse que reside ali a forma mais avançada de comunismo, diria estar-se a cumprir a expectativa de tantas gerações para quem esse sistema seria a via mais segura para se alcançarem os tais amanhãs, que cantam.
Infelizmente não é assim: poderia lê-lo em tanta coisa que se escreve sobre o país de Mao, mas conto sobretudo com o que ali vi, quando passei meses a fio em Pudong (Xangai) em 1998. Há quinze anos atrás descobri um país com práticas típicas do mais agressivo capitalismo selvagem.
Mas a notícia acima representaria afinal a comprovação da superioridade evidente do sistema de exploração da maioria dos cidadãos pela sua fechada oligarquia, representada no Partido Comunista?
Não nos apressemos em juízos tão extemporâneos: quando o capitalismo ainda tem muito mercado para expandir o crescimento é muito rápido. Só o consumo interno de milhões de chineses basta para empolar os indicadores económicos. 
O pior é quando se atinge um nível crítico de desenvolvimento. Aquele a que nós chegámos por, ingenuamente, termos aderido a um euro que se revelou viola demasiado complexa para as nossas unhas.
Hoje encontramo-nos com a dívida a crescer para dimensões apocalíticas. E é Francisco Louçã quem prognostica no «Le Monde Diplomatique»: Se não vencer a divida, Portugal viverá um período de desagregação impulsionada pela transferência de rendas financeiras garantidas sobre os impostos presentes e futuros, acentuando assim o projeto liberal de imposição de perdas crescentes do trabalho para o capital.
As consequências são gravíssimas: desemprego a níveis nunca atingidos, desaparecimento das classes intermédias, desespero ou medo instalado na maioria das famílias. Ainda assim a reação ainda vai sendo cordata: Nenhum povo de carne e osso teria a capacidade de, empobrecido e desesperado como está o nosso, manter a nobreza da alma que é evidenciada quando os protestos se fazem a cantar e a rir, escreve Ricardo Araújo Pereira na «Visão». Mas, Baptista Bastos alerta no «Jornal de Negócios»: Há qualquer coisa de indecente e de indigno nos tempos em que vivemos. A possibilidade de nos emanciparmos é remota, devido às circunstâncias políticas e económicas do mundo atual. Mas não é impossível a nossa libertação. O homem, quando quer, consegue tudo quanto quer. É preciso é que queira.
E há que repeti-lo: é preciso é que queira!