quinta-feira, 23 de maio de 2013

Livro: «La Méthode du crocodile», Maurizio De Giovanni


Numa Nápoles desconhecida, chuvosa, melancólica e cinzenta - uma cidade que se tornou desconfiada, obscura e indecifrável - o comissariado de San Gaetano tem de lidar com um conjunto de crimes inexplicáveis. Três jovens, cujas origens sociais e locais de residência não pareciam ter nada em comum, aparecem assassinados em menos de dez dias.
Nada aponta para a Camorra, nem para um qualquer caso passional. Mas a arma de calibre 22 conduz à conclusão de estarmos perante um homicida amador. E um outro indício comum: lenços de papel embebidos de lágrimas.
A imprensa toma conta do enigma e cria a lenda: esses lenços molhados conteriam lágrimas de crocodilo vertidas por um assassino piegas perante a iminente morte das suas vítimas. Deriva daí o título do sétimo romance de Maurizio De Giovanni, publicado em 2005, e que lhe valeu vários prémios literários.
Mas essa não é a única originalidade deste romance napolitano: já se sabia que cada grande região italiana conta com o seu próprio escritor de policiais (Camilleri na Sicília, De Cataldo em Roma, Lucarelli em Bolonha, Carofiglio em Bari ou Todde para Cagliari), mas Nápoles passou a contar como De Giovanni como o seu autor de referência, com o seu léxico e ambiências características.
O que predomina na minha cidade é o cheiro a sofrimento, diz Maurizio De Giovanni numa entrevista ao «Libération». Ele conhece-a bem apesar  de sempre ter vivido nos seus bairros mais elegantes e de ter como verdadeiro nome Maurizio De Giovanni DI Santa Severina. E é no interior desse mundo burguês, que inclui o teatro San Carlo, a praça do Plebiscito, o Lungomare, o monumental café Gambrinus e a avenida dei Mei, que ocorrem as suas histórias. Nápoles é para mim uma espécie de mãe intrusiva e barulhenta, nada recomendável, mas incontornável.
É assim que surge este romance doloroso, liberto de qualquer folclore e tentação gastronómica ou sexual, em total oposição aos policiais dignos desse nome.
O inspetor é um homem atraído por duas mulheres completamente opostas: a bela e elegante magistrada com quem investiga os crimes e a próspera proprietária de um restaurante aonde costuma jantar. Ainda que a sua preocupação maior vá para a filha, a viver com a mãe na Sicília depois desta ter abandonado o domicilio conjugal.
O inspetor revela-se um homem que sofre, tal qual o assassino, identificado na pessoa de um velho opaco e incompreensível, também ele condicionado por uma tragédia pessoal devido à qual vagueia noite e dia pela cidade, sempre colado às paredes.
O tema principal do livro é o do cansaço de viver. O que parece estranho na cidade das mandolinas, das canções populares e da pizza. Mas depressa se percebe, ao falar com o autor, que a verdadeira vocação de Nápoles sempre foi a de transformar o sofrimento em cultura. E será em nome dessa dor comum, que se acaba por estabelecer uma comunicação intelectual entre o polícia e o assassino.
A fronteira entre o bem e o mal é muito subtil, repete De Giovanni, que está agora a escrever o seu oitavo romance. E , a exemplo do seu inspetor, ele tem um olhar penetrante e uma vida dupla: na primeira metade da semana ele é diretor bancário e na outra senta-se à secretária para narras essas almas sombrias que povoam a capital cultural da Itália.

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