quarta-feira, 15 de maio de 2013

DOCUMENTÁRIO: «Theater of War» de John Walter (2008)


Na sua longa carreira como atriz foram poucas as ocasiões em que Meryl Streep me defraudou. A mais óbvia - mesmo valendo-lhe um Óscar! - foi quando aceitou humanizar a personificação da Maldade em estado puro, que se chamou margaret thatcher.
Os danos causados por essa vil criatura, que conseguiu ascender ao cargo de primeira-ministro inglesa - foram tão intensos que, ainda, hoje, temos nas políticas austeritárias a mesma sanha em espoliar os pobres para enriquecer ainda mais os ricos através do ataque a tudo quanto signifique os direitos essenciais daqueles, privatizando tudo quanto ainda restava no setor empresarial do Estado e dando cabo das políticas sociais anteriormente implementadas pelos governos trabalhistas.
Na altura comecei por me escusar a ver o filme «A Dama de Ferro», ciente de encontrar ali um alibi emotivo sobre a personagem.  Mas acedi a vê-lo para mitigar um pouco a antipatia pelo projeto, muito embora mantivesse no essencial a ideia de que a cinematografia mundial dispensaria bem esse relativo panegírico.
Agora absolvo Meryl Streep de tal cedência ao assistir ao excelente documentário «Theater of War» de John Walter. Ainda que ela acabe por confessar-se muito mais interessada pelo sofrimento de uma mãe perante os cadáveres dos filhos do que propriamente pelo conteúdo politicamente inequívoco da peça de Brecht.
Rodado em 2006, mas só estreado dois anos depois, «Theater of War» constitui um testemunho interessantíssimo sobre o processo criativo da peça «Mãe Coragem e os Seus Filhos», quando foi levada então à cena  ao ar livre, no Central Park de Nova Iorque.
Se havia detestado o desempenho da muito sobrevalorizada eunice muñoz no papel da mulher determinada, que tenta fazer negócio pelos campos de batalha da Guerra dos Trinta Anos, e não era ainda nascido quando a soberba Helene Weigel criou pela primeira vez em palco essa personagem numa Berlim ainda em ruínas (1949), tenho por mim, que Meryl Streep terá conseguido uma das interpretações mais notáveis de quantas já tiveram tal mulher como objeto.
John  Walter divide o seu filme em cinco atos: o primeiro chama-se «Teatro» e dá a primazia às intenções de Tony Kuchner, enquanto autor da adaptação da peça, e de Oskar Euslis como diretor artístico do Delacorte Theater.
Kuchner confessa a atração pela peça desde que era estudante na Universidade de Columbia e a leu ao mesmo tempo, que absorvia os primeiros livros de Karl Marx. Desde então a realidade passou a ser por ele vista de forma completamente diferente
Quanto a Euslis enuncia um processo de intenções, que não poderia ser mais meritório: a minha função é fazer teatro, que estabeleça a diferença!
Ainda é nesta parte, que Meryl Streep evoca uma igreja em Melnik, na República Checa, em cuja cave se acumulam as caveiras e demais ossos de muitos dos que perderam a vida nas inúmeras batalhas ocorridas na planície adjacente, palco da Guerra versada na peça. Assim como se considera como objetivo de Brecht ao apresentar «Mãe Coragem» ao público berlinense ainda mal refeito dos traumas da guerra, enquanto demonstração das nefastas consequências de todas as guerras, que aconselhariam a jamais as iniciar.
No Ato 2 do filme, intitulado «Marx e Coca Cola» o escritor e professor universitário Jay Cantor mostra como a peça se integra na lógica marxista de Brecht em como pertencermos a uma classe social nos constrange face às conjunturas em que somos mergulhados. Somos feitos para fins que nada têm a ver com a nossa sobrevivência ou com o nosso prazer, obrigados a mostrarmo-nos maleáveis para aceitarmos a condição de peões num jogo controlado pelos nossos inimigos.
No Ato 3, intitulado «Histórias da Guerra» e no Ato 5, «O Triunfo da Morte» mostram-se os ensaios já no Central Park com os helicópteros da polícia a causarem um ruído ensurdecedor - mas singularmente oportuno para o tema em causa! - em contraponto com imagens fotográficas e sons da representação de Helene Weigel nas representações de 1949.
Encontramos a Mãe Coragem perante o dilema de proteger o seu negócio a qualquer custo, ignorando quão destruída sairá a sua família de tal intento. Um a um os filhos vão morrendo e, obstinada, ela jamais deixará de cirandar pelas frentes de batalha com a sua cada vez mais despojada carroça.
Comenta Tony Kuchner que, não tendo nunca consciência disso, situamo-nos sempre no dilema de mudar o rumo das coisas ou morrer. E esta é uma mensagem bem pertinente nesta altura: perante o desígnio criminoso do capitalismo neoliberal, que pretende vergar a grande maioria dos cidadãos para que os suspeitos do costume continuem a enriquecer, só existe a solução da rebeldia, se não mesmo da revolução.
De permeio, no Ato 4 do documentário, intitulado «À Procura de Brecht» acompanhamos o testemunho dos que conheceram o autor da peça, mormente a filha Barbara e um dos seus colaboradores de há sessenta anos atrás encontrando a evocação de um homem extremamente inteligente, capaz de compreender que as coisas não têm necessariamente de continuar a ser como são, bastando para tal que saiamos da nossa esfera de intervenção individual para engrossarmos o crescente caudal, que poderá romper o dique aonde querem conter o nosso direito à felicidade...


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