Acaba de ser lançado em Inglaterra o volume de cartas de Kurt Vonnegut, o escritor norte-americano que se considerava um viajante no espaço e nos considerava a todos como estando à deriva nas nossas próprias vidas.
Nascido em Indianápolis em 1922 no seio de uma família de origem alemã ele não se revela aluno brilhante, quer quando se orienta para a escrita, quer quando se vira posteriormente para a bioquímica.
O seu alistamento para a guerra então em curso na Europa ocorre já em finais de 1943, levando-o para os combates intensos na floresta das Ardenas. Aprisionado em Dresden, recebe a notícia do suicídio da mãe e não tarda a viver o momento determinante da sua biografia: o bombardeamento da cidade pela aviação aliada, por ele testemunhado a partir do matadouro aonde estava encarcerado.
A experiência é tão intensa, que só consegue reproduzi-la num romance, passado um quarto de século. Mas a espera valeu bem a pena: vivendo-se então o grande debate da justeza ou não da Guerra da Indochina, Matadouro 5 vem ilustrar da melhor maneira os dilemas então colocados à sociedade norte-americana.
Este volume com a coletânea das suas cartas entre 1950 e 2007 (ano da sua morte) não traz grandes revelações, mas é elucidativo sobre o seu percurso pessoal e literário, bem como da influência incontornável sobre toda uma geração de grandes escritores, que se lhe seguiram (John Irving, David Foster Wallace). E, sobretudo, demonstra a sua permanente atitude de contestação da direita norte-americana como aconteceu nos anos de George W. Bush, contra quem não calou algumas das suas mais truculentas críticas.
Valerá ainda a pena aqui reproduzir as suas oito regras fundamentais para criar um conto eficaz:
1. Preencha o tempo de alguém desconhecido sem que seja sentido como uma mera perda de tempo;
2. Ofereça ao leitor pelo menos uma personagem com quem se possa identificar;
3. Cada personagem deverá alcançar algo, nem que seja um copo de água;
4. Cada frase deverá implicar uma de duas consequências: ou esclarecer sobre o carácter de alguém ou fazer avançar a ação;
5. Comece a história tão perto do fim quanto possível;
6. Seja sádico: não interessa o quão inocente ou simpático é o protagonista. Importa fazer com que lhe aconteçam coisas horríveis bem reveladoras da sua têmpera;
7. Escreva para só agradar a uma pessoa: a partir do momento em que quiser fazer-se amar por toda a gente a história engripa-se;
8. Ofereça aos leitores o máximo de informação possível. Mande o suspense às malvas. Os leitores deverão ter um entendimento tão completo quanto possível do que sucede, aonde e porquê de modo a criarem a sua própria resolução da história.
Do que fica referido compreende-se o interesse dessas cartas do escritor por quase seis décadas de vida!
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