Nos anos sessenta, marcados pela guerra fria, existiam dois grandes temas a assombrarem o mundo ocidental: o risco de um apocalipse nuclear, objeto de inúmeros filmes, e a conquista espacial, sob a forma de uma competição entre russos e americanos - competição clarificada com a alunagem da cápsula Apolo 11 em 1969.
Stanley Kubrick tratara o primeiro desses temas em Dr. Strangelove em 1965. Dedica-se então ao segundo, quando a ficção científica era ainda sinónimo de fantasia, e realiza, tal qual o título testemunha, um filme de antecipação no sentido restrito sem superar as possibilidades técnicas imagináveis nessa época.
Antes de 2001: Odisseia no Espaço, Kubrick já realizara sete filmes, alguns dos quais haviam resultado em acontecimento ou escândalo.
Esta oitava obra, que conclui quando tem quarenta anos, eleva-o à dimensão de realizador mítico, desmesurado quer pela escolha dos temas, quer pela ambição e pela originalidade utilizada para os tratar.
O filme é, enfim, uma corrida contra o relógio: comportando uma sequência passada na Lua, deveria sair antes que o homem ali pousasse os pés.
Ainda que poucos acontecimentos evocados no filme tenham realmente acontecido na data prevista (nem o homem instalou uma base lunar, nem enviado passageiros para Júpiter), a obra continua a ser um dos filmes mais fascinantes de toda a História do Cinema.
Tanto mais que nada ou quase nada do que este filme sugere não é explicado: em grande parte desprovido de diálogos, a palavra extraterrestre nunca é pronunciada, e estes últimos, sugeridos, nunca são vistos.
2001: Odisseia no Espaço abre com um ecrã escuro, suportado no tema sonoro das Atmosferas de György Ligeti. As primeiras imagens do prólogo, intitulado “A Aurora da Humanidade” chegam depois, acompanhadas pelo poema sinfónico de Richard Strauss, Assim Falava Zaratustra. Mostram-nos uma tribo de símios herbívoros e esfomeados. Um deles, após o surgimento de um estranho monólito negro e vertical, tem a “ideia” de se servir de um osso de tapir para bater e destruir, inventando ao mesmo tempo uma ferramenta e uma arma.
Pouco depois, os símios passaram ao regime carnívoro e a tribo detentora da arma ganha ascendente sobre a tribo inimiga.
Sem prevenir o filme transporta-nos para o futuro: vemos um foguetão, uma estação a rodar em torno da Lua e uma pequena nave utilizada por Heywood Floyd para alcançar a base habitada. Aí ficamos a saber que fora encontrado na Lua um monólito do mesmo tipo do encontrado quatro milhões de anos antes, e aí deliberadamente enterrado.
De novo sem transição eis-nos na direção de Júpiter, com a nave Discovery a ser controlada em todas as suas atividades pelo computador Hal, que fala, ouve e, até, sente emoções. A bordo Dave e Frank estão de vigília enquanto outros três astronautas viagem em hibernação.
Quando o comportamento de Hal começa a revelar-se estranho, Dave e Frank decidem desliga-lo, mas, apesar de todas as precauções, ele compreende o perigo em que incorre. Mata por isso Frank e os três hibernados, antes de Dave conseguir desligar o cérebro eletrónico de Hal. Mas eis que reaparece o monólito em Júpiter.
Passivo, Dave é levado para uma fantástica viagem de sons e de luzes, para chegar a um quarto de hotel ao estilo de Luís XVI, ambiente manifestamente artificial onde é alimentado e alojado até ao termo da sua vida sem encontrar o que quer que seja.
Antes de morrer envelhecido e enrugado, vê o enigmático monólito junto à cama, logo substituído por um brilhante feto, que voltamos a encontrar no espaço, numa colossal dimensão face à Terra.
A forma do filme - um encadeamento de secções quase autónomas onde as personagens se renovam, numerosas elipses ou fenómenos visuais e sonoros não explicados, a sequência quase abstrata de uma viagem para lá do infinito - tudo manifesta o desejo do realizador em reinventar um cinema puro onde a música, as formas visuais e movimentos, propõem associações sem as explicar, pondo o espectador na mesma situação que os seus personagens - símios ou humanos - face ao desconhecido.
O filme está mais ancorado na sua época do que parece: obsessão paranoica da vigilância (os russos e os americanos, já que a obra postula um mundo sempre bipolarizado, continuam a manter relações polidas e de suspeição mútua), divisão do território espacial em duas zonas de influência, gosto por um cinema frio e lacónico. Ademais, a viagem de Dave na direção de Júpiter reflete a atração dos anos 60 pela op art. Da mesma forma, a lentidão ritual de certas ações em silêncio é típica do cinema da época, como já acontecia no início de Aconteceu no Oeste (1968) de Sergio Leone.
O monólito negro é a única “personagem”, que une as quatro partes do filme: ora, semelhante a um espelho opaco, que absorve a luz e não a reflete, este objeto é mudo, inexplicável.
No outro extremo, na parte mais classicamente dramática do filme a bordo do Discovery, é um computador programado para exprimir emoções quem invoca o medo e nos sugestiona pela forma desesperada como suplica a Dave que o não desligue.
Pelo contrário, os personagens humanos do filme são voluntariamente inexpressivos: vemo-los a comer ou a dormir, dotados de uma família e uma cena até evoca o problema das “necessidades naturais” em ambiente sem gravidade. Embora a sexualidade esteja quase tão ausente quanto os poucos personagens femininos.
Pela primeira vez um tema de música clássica - a valsa do Danúbio Azul - foi associada a um ambiente futurista. Esta opção original surpreendeu pela evidência e pela eficácia, permitindo, como na época do mudo, estruturar uma cena.
Obra frequente nas classificações sobre os melhores filmes de sempre, 2001 serviu de referência para muitos filmes posteriores, quer como contraponto (evocando um futuro sujo e caótico completamente oposto ao de 2001, que era ordenado e funcional), quer para os que com ele quiseram rivalizar com a sua sinfonia luminosa, como foi o caso de Encontros Imediatos do Terceiro Grau (1977) de Steven Spielberg ou O Abismo (1989) de James Cameron.
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