quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Picuinhices

 

Faltando argumentos aos maledicentes do costume, eis que se agarram a picuinhices sem substância para se iludirem com a suposta capacidade para manterem o governo de António Costa sob fogo cerrado. Se quisermos utilizar metáfora apropriada é como se tivessem ido para o alto mar à procura de atuns e se contentassem com as minúsculas petingas, que mal conseguem morder-lhes o isco.

Peguemos, por exemplo no caso da disputa em Évora entre elementos da GNR e da PSP. O caso, sem ponta por onde se lhe pegue, durou meia-hora e acabou resolvido de acordo com o que mais interessava: fazer chegar as vacinas ao aprazado destino. No entanto, como poderia servir de munição contra o inamovível Eduardo Cabrita eis promovido a tema de abertura dos telejornais como se de somenos importância não se tratasse.

Tomemos como outro exemplo o das remunerações dos administradores da TAP em que o Bloco de Esquerda decidiu chafurdar com assinalável entusiasmo apesar de Pedro Nuno Santos não ser tido nem achado para o caso, já que esses valores são definidos por órgão não dependente diretamente do governo. Que a «verdade» dos detratores depressa começou a dissolver-se numa sucessão de argumentos inconsistentes de pouco pareceu interessar aos envolvidos na campanha, em aparência mais interessados em que a TAP feche definitivamente do que em garantir que ela se salve dentro dos constrangimentos inerentes ás atuais circunstâncias.

O Papa do Bloco também decidiu disparar contra o governo a partir da sua coluna no jornal da família Balsemão: em vez de reconhecer o sucesso total dos primeiros dias de vacinação veio criticar o facto de terem sido escolhidos dois diretores de serviço para simbolizarem o ato. Para Louçã era importante virar do avesso as hierarquias e dar primazia ás funcionárias da limpeza dos serviços onde estão internados os doentes com covid. Como se não fosse mais importante retirar argumentos aos negacionistas através da forte imagem de médicos reputados a submeterem-se à vacinação...

Hoje tivemos o bastonário - que todos estranhámos ver incluído nos candidatos prioritários à vacinação, já que lhe adivinhamos pouco tempo para exercer a prática da medicina tão ativo anda nas campanhas antigoverno - a «bitaitar» quanto às formas alternativas de fazer o que está a correr tão bem e como se os seus palpites ainda servissem de conselho para quem deles claramente dispensa.

E conclua-se com um outro «comentadeiro», de nome Diogo Agostinho, a vituperar o governo por não incluir os médicos e enfermeiros dos hospitais privados na primeira leva desta primeira  fase da vacinação, como se do Serviço Nacional de Saúde - que eles sabotam ou no mínimo prejudicam! - merecessem tal distinção. Ao contrário do que afiançou a ministra a quem trabalha ou se serve dos hospitais privados justificar-se-ia que fossem incluídos numa 4ª fase depois de quem trabalha ou é utente do SNS ser vacinado. É que se os serviços de saúde pública não lhes servem para trabalhar ou serem cuidados, deveriam esperar que os hospitais e as clínicas a que recorrem comprassem as vacinas diretamente às farmacêuticas que as produzem. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

No rescaldo da chacina na herdade da Torre Bela

 

Há uns anos costumava passar quase diariamente por uma estrada com um importante coberto florestal. Um dia deflagrou ali um enorme incêndio, que dificilmente teria outra explicação senão a intenção criminosa. E, de facto, um par de anos depois, numa parte desse território incendiado já estava plantada uma vasta área com painéis solares, noutra extraiam-se quantidades impressionantes de areia para alimentar a industria da construção enquanto na remanescente cresciam novas vivendas como cogumelos. Não tendo provas de nada, constatei porém a provável relação causa-efeito entre o aparatoso incêndio e os investimentos privados surgidos na área ardida.

Vem isto a propósito de um artigo de Demétrio Alves no «Público» de ontem em que ele qualifica de «mostrengo energético» à colonização de boa parte do território nacional com fins energéticos a cargo de poderosos interesses predatórios de cunho financeiro, energético e industrial. Muitos dos sítios escolhidos para plantar turbinas eólicas ou painéis fotovoltaicos não têm condições efetivas para gerarem o prometido retorno ambiental sugerido pelos investidores, sobretudo interessados nos lucros decorrentes dos apoios oficiais facultados a tais negócios.

O problema da transição energética está no facto de ser protagonizado por quem vê na urgência de a concretizar uma boa oportunidade para encher os bolsos. Daí não haver o mínimo escrúpulo em promover chacinas como a agora constatada na herdade da Torre Bela. Quando o ministro veio esconder o sol com a peneira, dissociando quem ali quer instalar painéis solares dos que dispararam cobardemente contra os veados e os javalis, não pode iludir-se em julgar tolos quem percebe estar em causa precisamente o contrário. Se os «caçadores» executaram o crime, os seus mandantes foram obviamente os que pensam lucrar muito mais do que com a venda dessas atrozes carcaças: a venda de eletricidade à rede energética nacional durante um indefinido número de anos terá justificado a ordem para acabar com a vida animal naquela área.

É triste constatar que já poucos falam de uma chacina, que deveria perdurar duradouramente nas nossas memórias. Para que o crime não compensasse frustrando muito justamente a quem maior culpa deveria ser assacada. Muito embora não possamos ter muitas ilusões: quem foi capaz de tal morticínio repeti-lo-á noutro qualquer sítio do país tão só se lhe apresente a oportunidade para tal... 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Operação de vacinação a correr sobre rodas!

 

Pode-se dizer que o ano está a acabar com bons augúrios para aquele que está ai mesmo a chegar. O primeiro dia de vacinação contra o covid-19 correu na perfeição, calando de vez todos aqueles que tinham formulado críticas ou dúvidas durante as semanas anteriores. Que não havia plano, quando os outros até já preparavam os sítios de armazenamento ou de vacinação. Que estava-se a prescindir das farmácias privadas, quando elas tanto poderiam ajudar ao sucesso da operação. Que não seriam suficientes para todos quanto quisessem ser vacinados como (não) acontecera com a da gripe como José Rodrigues dos Santos mentirosamente afiançou na RTP. Depois foi porque os mais velhos ficavam excluídos, ainda ontem ou anteontem porque os menores de 16 anos ou as grávidas também não serão contemplados. E quantas mais mentiras e suposições sem fundamento poderia aqui acrescentar? Aliás, no dia de hoje ainda sobraram alguns perfis falsos conotados com o Chega a propalar mensagens falsas com propósitos negacionistas ou gente maledicente a criticar ter sido um médico a inaugurar a vacinação, embora não faltasse quem logo contra-atacasse alegando a completa idiotice dos que insistiam em não se darem por derrotados e reconhecerem, enfim, que, uma vez mais, o governo cumprira eficazmente o plano engendrado pela comissão liderada por Francisco Ramos.

A derrota dos que pretendiam cavalgar uma onda negativa eventualmente suscitada pelo que corresse mal foi tão evidente que até se viu o bastonário dos médicos a comparecer à chamada e a usufruir de uma benesse singular, tendo em conta o quanto tudo tem feito para destruir o Serviço Nacional de Saúde de que, afinal, se aproveitou. À noite na SIC, indisfarçavelmente agastado com o sucesso da operação, Marques Mendes reconhecia que a pandemia estava a beneficiar quem ocupa o poder. O que é uma completa falsidade, porque não tivesse António Costa demonstrado nervos de aço e a serenidade bastante para vencer os imponderáveis de cada dia numa sucessão de semanas cheias de desafios inesperados e quem duvida que as televisões o defenestrariam em direto sem qualquer escrúpulo. Se o truão vimaranense poupou o primeiro-ministro foi por nada ter o que lhe apontar. E esse é, igualmente, o azar dos que ansiariam ver as direitas crescer á custa de um descalabro, afinal inexistente.

As vacinas, que a grande maioria dos portugueses, tomarão nos próximos meses, permitirão encarar o futuro com renovada confiança e a determinação de prosseguir numa dinâmica travada pela pandemia, mas rapidamente reencetada tão-só se reacenda a confiança e a vontade de construir um país menos desigual, mais ecológico e desenvolvido.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Porque considero fundamental a leitura de Thomas Piketty

 

Se tanto aprecio os sucessivos ensaios que Thomas Piketty vem publicando é por o saber apostado em recriar os contornos de um novo socialismo participativo, igualitário e universal, que supere a letargia atual, ainda demasiado contaminada pelas ideias dos que consideravam a História chegada ao seu desiderato com a queda do muro de Berlim (tal qual Fukuyama prognosticou e de que entretanto se desdisse!) ou os que consideraram estultas as divisões entre esquerdas e direitas por elas deixarem de dizer o que quer que fosse. Eu, marinheiro que há muito perdeu as graças do mar (tal qual o protagonista do romance de Misshima), olho para a Humanidade neste momento atual e vejo-a embarcada num navio meio perdido no oceano, sem ventos que lhes soprem as velas e com o sextante inadvertidamente partido pela fúria de quem o julgou imprestável.

Tão só haja vento de feição há quem o queira aproveitar para voltar para trás, julgando reencontrar o conforto das ideias testadas, mesmo que elas tenham conduzido a essa necessidade de se fazerem a outras terras por já estarem esgotados os recursos nelas existentes. Aquilo que alguns dos mareantes designam como decadente capitalismo neoliberal. Mas alguns dos defensores dessa solução até teimam numa outra, a de se retomarem as receitas anteriores, quando ditadores eram capazes de construir rápidas autoestradas e montar indústrias de guerra com que vissem facilitada a pilhagem dos vizinhos. Fascistas, extrema-direita, assim são apodados pelos que querem prosseguir na descoberta das novas índias e novos brasis.

Os que contrariam esses que ousam desbravar no desconhecido contrapõem-lhes os estalines, os pol pots e outros argumentos com que os tentam dissuadir: se todas as tentativas anteriores redundaram em desilusões, porque valeria a pena porfiar em encontrá-las mais adiante?

Piketty é um dos que, por esta altura, anunciam um novo horizonte baseado na igualdade, na propriedade social, na educação e na partilha dos saberes e dos poderes. É ele quem defende a importância de recriação da ideologia herdada do marxismo como forma de facultar respostas a um conjunto vasto de perguntas sobre a organização social mais desejável, aquela que contrariará as desigualdades em que a enorme maioria se frustra e só muito poucos aproveitam. E alerta para o facto das consequências de não se prosseguir para rotas não trilhadas: “ se não se transformar profundamente o sistema económico atual de forma a torná-lo menos desigual, mais equitativo e duradouro, quer entre países, quer no interior de cada um deles, então o populismo xenófobo e os seus possíveis sucessos eleitorais poderão amortecer a dinâmica de destruição da mundialização hipercapitalista e digital dos trinta anos decorridos entre 1990 e 2020”.

Se nesta altura as direitas não contam com nenhuma Ayn Rand ou nenhum Milton Friedman, que lhes suportem as estratégias, as esquerdas encontram em Piketty e noutros neomarxistas as orientações para um futuro tal qual os sonhadores de uma sociedade humana mais justa vêm imaginando desde há vários séculos.

sábado, 26 de dezembro de 2020

Daqui a pouco já poderemos fazer planos!

 

A pandemia ainda tardará a desaparecer dos nosso horizontes até nos devolver ao tipo de quotidiano, que não seja o de nos concentrarmos exclusivamente no presente, permitindo-nos o luxo de voltarmos a fazer planos e os vermos concretizados.

A chegada das primeiras vacinas permite-nos conjeturar a certeza de que também nós a tomaremos contribuindo para essa imunidade coletiva capaz de transformar estes últimos meses numa definitiva má memória.

Embora os números de contaminados e de mortos ainda continue elevado, de forma alguma se assemelha aos de outros países - europeus e não só! - em que assumiram dimensões particularmente avassaladoras. Muito embora o bastonário dos médicos, algumas oposições e, sobretudo, a comunicação social, tanto defendessem que o SNS não estaria preparado para corresponder à evolução da crise, esses cânticos de urubus embateram numa realidade que os desmentiu.

Preparamo-nos para entrar em 2021 com expetativas fundamentadas quanto á irreversível derrota das tentativas de promoção da medicina privada em detrimento dos serviços públicos. Mesmo com o alto beneplácito de Marcelo Rebelo de Sousa que pressentiu a oportunidade de ajudar os seus diletos empresários dos Grupos privados de Saúde com a convocação de um corrupio de “especialistas” e outros responsáveis apostados em fazerem vergar o governo à inevitabilidade de para eles canalizar ainda mais recursos do que vinha acontecendo antes da pandemia, quando 41% do orçamento do Estado para o setor lhes era invariavelmente atribuído.

Embora com atrasos de muitas consultas e operações de diversas especialidades por recuperar o SNS sairá desta crise com mais recursos humanos e equipamentos, que justificarão uma redução significativa dessa fatia, que os privados têm conseguido capturar. Muito embora a recente decisão de dar um novo balão de oxigénio à ADSE se coadune pouco com a ambição de uma saúde pública capaz de satisfazer as necessidades de toda a população com uma qualidade e uma gratuitidade, que ponha fim às ambições dos que apostam em manter a lógica de dela fazer um negócio, quantas vezes com muito de especulativo...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Uma clarividência a esvair-se?

 

Fiquei atónito ao ouvir Marcelo a dar a sua receita para que os portugueses o imitem nesta época festiva. Será que ele tem noção do que está a dizer? Não se apercebe que basta ser contaminado no almoço do primeiro dos quatro dias dedicados a sucessivos repastos com os amigos e familiares para logo comprometer a saúde dos que com ele conviverem nos três dias seguintes?

A reação dos especialistas, que vêm manifestando preocupações quanto à possibilidade de replicar-se entre nós o exponencial crescimento da pandemia verificado nos Estados Unidos logo após o feriado da Ação de Graças, coincidiu com o que percecionei: os «conselhos» de Marcelo são o absoluto contrário do que deverá ser respeitado no Natal e no Réveillon. Se queria dar o exemplo, só o conseguiu pela negativa!

Este desajustamento de Marcelo com a realidade factual só confirma o que se saldou do episódio com o diretor nacional da PSP: quis transformá-lo na rampa de lançamento de Eduardo Cabrita para a demissão e viu frustrado o intento.

Doravante deveremos estar atentos aos passos por ele dados e que deem razão à suspeita de, alguns deles, serem inesperadamente em falso. Porque, a assim ser, ele perderá as características tão temidas do escorpião que, à menor distração do governo, assestará letal ferroada. Pelo contrário poderemos constatar que o ferrão está a perder vitalidade e não terá força suficiente para penetrar na carapaça com que António Costa se blindará e aos seus ministros. Muito provavelmente veremos Marcelo dar razão à sua versão de há alguns anos, quando considerou Balsemão «lélé da cuca«. O que pressupõe um crepúsculo semelhante ao do seu antecessor que, antes de concluído o segundo mandato, já era uma espécie de morto-vivo a arrastar-se pelos corredores do palácio de Belém. O que, convenhamos, será o exato contrário do desejado por Marcelo quando viu nas funções de presidente da República a boia de salvação para a irrelevância por que passa pela História portuguesa: falhado o seu destino de político de exceção, quando fracassou clamorosamente como líder do PSD, satisfaria o inchado ego com a possibilidade de ser quem bateria records nas eleições presidenciais. Ora, estando posta de parte a superação da votação de Mário Soares para o seu segundo mandato, ele sabe que ninguém o lembrará daqui a um par de décadas. Tal qual o cavaquismo, que tão forte pareceu e hoje ninguém se atreve dar-se como seu herdeiro, também Marcelo não conseguiu impor uma qualquer forma de marcelismo. Até porque, segmentada tal qual estão, as direitas com que se identifica, não se apresentam em condições de fornecer-lhe soldados para pugnas para as quais se sabe demasiado fraco para almejar vencer.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Uma lei que me saberá a pouco

 

Quase a concluir o excelente testemunho na edição de hoje do «Público» sobre a experiência de cuidadora da mãe, a escritora Dulce Maria Cardoso anota uma dos momentos desse convívio com uma octogenária em vias de perder o discernimento, com alzheimer, ou não, consoante o parecer dos especialistas: A minha mãe vê um programa da manhã. Interrompe-me várias vezes, esquece-se que estou a trabalhar, Ando preocupada com uma coisa, filha, quem vai cuidar de ti quando fores velha?”

A questão pode-se colocar ao casal de sexagenários, que somos cá em casa: com a família mais próxima definitivamente radicada noutras paragens, com os mais velhos de um lado e de outro a chegarem ao termo das vidas  e a desimpedirem-nos a passagem para chegarmos à margem do rio Hades, donde se apanha transporte para o nada definitivo, acalentamos com expetativa o que sairá da Assembleia como lei propiciadora da eutanásia. Sem ilusões imediatas, porque o fanatismo dos religiosos insiste em impedir quem não acredita em deuses de escolher o momento da partida e de a ele aceder sem dor e com tudo preparado para que os herdeiros do moderado legado não tenham trabalhos exagerados para recolherem o que será seu de direito.

Há uns meses atrás uns vizinhos do prédio em frente tomaram essa decisão e tiveram de recorrer aos meios, que lhes estavam disponíveis. De manhã a empregada da Associação, que lhes dava apoio domiciliário não teve acesso ao interior, chamou a polícia e encontrou o cenário esperado. O casal metera mãos á obra e cuidara de não sofrer mais com a angústia de uma degenerescência, que só se agravava e não existiria forma de travar.

Demos pelo sucedido quando vimos o aparato dos pirilampos do carro da polícia e, sobretudo, um locutor da Correio da Manhã TV a fazer o direto para ser emitido nesse mesmo instante para proveito dos necrófilos. Quando pressentem a morte por perto, os abutres logo se fazem convidados para o repasto...

Por essa altura víramos um filme do Robert Guédiguian - A Casa Junto ao Mar - em que situação exatamente igual se cinematografava. Ou tínhamos o exemplo, anterior, mas sempre presente, de Mireille Jospin, a notável enfermeira e resistente antinazi que, chegada aos noventas com inexcedível saúde e lucidez para essa idade, tomou por seus os versos de José Gomes Ferreira e decidiu que viver sempre também cansa. Por isso contratou esse desiderato com a empresa suíça, que propicia a morte assistida e pediu aos filhos, que a acompanhassem nesse última viagem além-fronteira. A filha Nöelle deu-lhe todo o apoio e anuiu a fazer esse trajeto de despedida da mãe. O filho, antigo-primeiro ministro socialista, mandou às malvas o teórico progressismo, zangou-se com a mãe, quis que ela abdicasse do projeto e escusou-se a juntar-se-lhe nesse final. Provavelmente arrependendo-se depois do seu egoísmo...

Tenho-o aqui dito e redito: sou pelo direito à eutanásia sem constrangimentos preconceituosos. Se entendo justificada a oportuna finitude antes de deixar de ser capaz de tomar tal decisão, e tendo um médico compreensivo, que me possa ajudar a alcança-la, não aceito que mais ninguém tenha algo a ver com o caso. É o pleno exercício da minha liberdade, ponto. Daí que a legislação espanhola acabada de aprovar ou a que o nosso parlamento ditará em janeiro, me saiba a pouco.

E, mais ainda, desejaria que o momento final tivesse algumas semelhanças com o de Edward G. Robinson numa cena inesquecível do filme À Beira do Fim: deitado numa cama com um ecrã gigantesco à sua volta a multiplicar-se em imagens coloridas de paisagens naturais e com a música de Tchaikovsky, Beethoven e Edward Grieg. O filme em causa decorria numa Terra apocalítica, razão porque o velho Sol Roth melhores razões tinha para livrar-se de tão intenso sofrimento.

A questão da eutanásia por vontade do próprio continuará a ser uma luta para os próximos anos, traçando uma linha de separação entre os que amam a Liberdade e a reconhecem como direito dos outros e aqueles que continuarão a defender dogmas religiosos e a querer impô-los a quem os acha completamente absurdos.