segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

O escorpião volta a atacar

 

Para quem possa ter alimentado ilusões sobre como se comportará Marcelo no seu segundo mandato em Belém, ele incumbiu-se de esclarecer as dúvidas com duas atitudes neste fim-de-semana.

Quarenta anos depois do acidente de Camarate nunca ninguém conseguiu provar que se tenha tratado de um atentado. Teorias da conspiração foram mais do que muitas, mas cingiram-se àquilo que efetivamente eram: elucubrações mais ou menos toscas e incapazes de se fundamentarem em factos ou provas concretas.

Durante anos o caso serviu para a direita agitar umas bandeiras e criar uma espécie de epifenómeno sebastianista, que foi esmorecendo com o tempo, porque ao defunto faltavam as qualidades necessárias para suportá-lo. Para os que viveram esses tempos, Sá Carneiro foi um homem pequenino, falho em dotes de bailarino, e sobretudo lembrado pelas reiteradas birras quando os companheiros do partido resistiam a seguir-lhe os ditames. A Inglaterra ou as Baleares serviram-lhe então de refúgio, quando o PSD elegia outros líderes e, à distância, ele cuidava de dar orientações aos esbirros incumbidos de sacanearem esses efémeros rivais.

Ao morrer poupou-se à demonstração da sua mediocridade como primeiro-ministro, cargo que exerceu por menos de um ano, mas tempo bastante para adivinhar o que implicaria: exatamente o que, depois, Cavaco Silva concretizaria ou já não tivesse sido o ministro das Finanças desse governo apostado em privatizar tudo quanto pudesse e em dar cabo da legislação laboral ainda relativamente benigna para os interesses dos trabalhadores. Advogado medíocre, Sá Carneiro nada percebia de economia pelo que se limitaria a enfeitar com estereotipada retórica de barra aquilo que os candidatos a donos disto tudo pretendiam ver concretizado.

Significa isto que as festarolas organizadas pelo partido de Rui Rio para reacender a chama a um pavio já mais do que carbonizado, resultou numa ou noutra breve centelha, que não alcançou os seus fins. Minúscula personagem do pós-25 de abril, Sá Carneiro nem sequer merecerá uma nota de rodapé na História, que se vier a consolidar sobre o acontecido nesses anos.

Duas décadas depois do acidente de Camarate um breve episódio fez tremer o governo de António Guterres: o secretário de Estado Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de uma das vítimas, fez declarações bombásticas em defesa da tese de atentado e o ministro da Justiça, António Costa pediu a demissão por considerar inadmissível que alguém no governo criticasse de forma tão leviana o setor que tutelava. O primeiro-ministro reagiu como era suposto: deu guia de marcha ao secretário de Estado e manteve o ministro.

Marcelo Rebelo de Sousa lembra-se obviamente deste incidente e decidiu reaviva-lo com a mensagem enviada a um programa da SIC em que repete a tese de Sá Fernandes. Mas com a agravante de, mesmo tomando o cuidado de alegar fazê-lo na condição de cidadão, ninguém conseguir separá-lo do cargo que ocupa. Daí a gravidade do seu ato, que não só confirma a frivolidade com que ataca a Justiça, que nunca encontrou provas dos propósitos conspiratórios, como pretende dar a António Costa uma espécie de chapada com luva branca sabendo-o firme defensor da tese de acidente.

Acontecendo isto no mesmo fim-de-semana em que veta um diploma do governo, que tende a agilizar os investimentos de recuperação da economia tão-só fluam as verbas oriundas de Bruxelas, só se podem interpretar estas bravatas de fim-de-semana como premonitórias do que será o seu segundo mandato: uma guerra permanente ao governo de António Costa, semeando intrigas e armadilhas sempre que possível. O que, no fundo, condiz bem com aquilo que o tem caracterizado ao longo de uma vida pública em que pouco fez, mas muito ainda pretende impedir que se faça. 

2 comentários:

  1. "premonitórias do que será o seu segundo mandato: uma guerra permanente ao governo de António Costa, semeando intrigas e armadilhas sempre que possível."
    Ou seja, bem ao estilo do segundo mandato presidencial do coiso de Boliqueime.

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  2. O Jorge Rocha faz os possíveis por passar por deselegante. Não só não cessa de se referir à baixa estatura de Sá Carneiro e à sua suposta falta de dotes de bailarino (o que segundo o ditado implica outro coisa, um grandessíssimo insulto) como até fala de pavio carbonizado, o que é pior ainda, dadas as condições em que o então PM morreu.

    Era ainda criança quando Sá Carneiro morreu, mas lembro-me bem da escolha pela Direita dessa personagem sinistra que era Soares Carneiro como candidato presidencial, que Cavaco depois não resistiu a fazer CEMFA para o recompensar do desaire eleitoral passado.

    Isso basta-me para duvidar das reais credenciais democráticas dessa Direita. Pessoas como Freitas do Amaral e Marcelo evoluíram, muito embora o atual PR não tenha perdido a tendência para se comportar como o escorpião da fábula, algo que Balsemão já documentou há muitos anos... Está-lhe no sangue e vira-se inclusive contra ele com frequência. Marcelo é uma criança grande...

    Normalmente abstenho-me de fazer julgamentos de carácter, mas abro a exceção a José Sócrates, que não tem cessado de mostrar que este lhe falta. Mas sobre ele, o Jorge Rocha não poupava encómios...

    Diga o que quiser, mas com todos os defeitos que tinha, Sá Carneiro (ou Marcelo) era bastante melhor pessoa...

    Por isso, se nada tem de bom para dizer de Sá Carneiro, não diga nada... É mais coerente...

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