Há uns anos costumava passar quase diariamente por uma estrada com um importante coberto florestal. Um dia deflagrou ali um enorme incêndio, que dificilmente teria outra explicação senão a intenção criminosa. E, de facto, um par de anos depois, numa parte desse território incendiado já estava plantada uma vasta área com painéis solares, noutra extraiam-se quantidades impressionantes de areia para alimentar a industria da construção enquanto na remanescente cresciam novas vivendas como cogumelos. Não tendo provas de nada, constatei porém a provável relação causa-efeito entre o aparatoso incêndio e os investimentos privados surgidos na área ardida.
Vem isto a propósito de um artigo de Demétrio Alves no «Público» de ontem em que ele qualifica de «mostrengo energético» à colonização de boa parte do território nacional com fins energéticos a cargo de poderosos interesses predatórios de cunho financeiro, energético e industrial. Muitos dos sítios escolhidos para plantar turbinas eólicas ou painéis fotovoltaicos não têm condições efetivas para gerarem o prometido retorno ambiental sugerido pelos investidores, sobretudo interessados nos lucros decorrentes dos apoios oficiais facultados a tais negócios.
O problema da transição energética está no facto de ser protagonizado por quem vê na urgência de a concretizar uma boa oportunidade para encher os bolsos. Daí não haver o mínimo escrúpulo em promover chacinas como a agora constatada na herdade da Torre Bela. Quando o ministro veio esconder o sol com a peneira, dissociando quem ali quer instalar painéis solares dos que dispararam cobardemente contra os veados e os javalis, não pode iludir-se em julgar tolos quem percebe estar em causa precisamente o contrário. Se os «caçadores» executaram o crime, os seus mandantes foram obviamente os que pensam lucrar muito mais do que com a venda dessas atrozes carcaças: a venda de eletricidade à rede energética nacional durante um indefinido número de anos terá justificado a ordem para acabar com a vida animal naquela área.
É triste constatar que já poucos falam de uma chacina, que deveria perdurar duradouramente nas nossas memórias. Para que o crime não compensasse frustrando muito justamente a quem maior culpa deveria ser assacada. Muito embora não possamos ter muitas ilusões: quem foi capaz de tal morticínio repeti-lo-á noutro qualquer sítio do país tão só se lhe apresente a oportunidade para tal...
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