domingo, 27 de dezembro de 2020

Porque considero fundamental a leitura de Thomas Piketty

 

Se tanto aprecio os sucessivos ensaios que Thomas Piketty vem publicando é por o saber apostado em recriar os contornos de um novo socialismo participativo, igualitário e universal, que supere a letargia atual, ainda demasiado contaminada pelas ideias dos que consideravam a História chegada ao seu desiderato com a queda do muro de Berlim (tal qual Fukuyama prognosticou e de que entretanto se desdisse!) ou os que consideraram estultas as divisões entre esquerdas e direitas por elas deixarem de dizer o que quer que fosse. Eu, marinheiro que há muito perdeu as graças do mar (tal qual o protagonista do romance de Misshima), olho para a Humanidade neste momento atual e vejo-a embarcada num navio meio perdido no oceano, sem ventos que lhes soprem as velas e com o sextante inadvertidamente partido pela fúria de quem o julgou imprestável.

Tão só haja vento de feição há quem o queira aproveitar para voltar para trás, julgando reencontrar o conforto das ideias testadas, mesmo que elas tenham conduzido a essa necessidade de se fazerem a outras terras por já estarem esgotados os recursos nelas existentes. Aquilo que alguns dos mareantes designam como decadente capitalismo neoliberal. Mas alguns dos defensores dessa solução até teimam numa outra, a de se retomarem as receitas anteriores, quando ditadores eram capazes de construir rápidas autoestradas e montar indústrias de guerra com que vissem facilitada a pilhagem dos vizinhos. Fascistas, extrema-direita, assim são apodados pelos que querem prosseguir na descoberta das novas índias e novos brasis.

Os que contrariam esses que ousam desbravar no desconhecido contrapõem-lhes os estalines, os pol pots e outros argumentos com que os tentam dissuadir: se todas as tentativas anteriores redundaram em desilusões, porque valeria a pena porfiar em encontrá-las mais adiante?

Piketty é um dos que, por esta altura, anunciam um novo horizonte baseado na igualdade, na propriedade social, na educação e na partilha dos saberes e dos poderes. É ele quem defende a importância de recriação da ideologia herdada do marxismo como forma de facultar respostas a um conjunto vasto de perguntas sobre a organização social mais desejável, aquela que contrariará as desigualdades em que a enorme maioria se frustra e só muito poucos aproveitam. E alerta para o facto das consequências de não se prosseguir para rotas não trilhadas: “ se não se transformar profundamente o sistema económico atual de forma a torná-lo menos desigual, mais equitativo e duradouro, quer entre países, quer no interior de cada um deles, então o populismo xenófobo e os seus possíveis sucessos eleitorais poderão amortecer a dinâmica de destruição da mundialização hipercapitalista e digital dos trinta anos decorridos entre 1990 e 2020”.

Se nesta altura as direitas não contam com nenhuma Ayn Rand ou nenhum Milton Friedman, que lhes suportem as estratégias, as esquerdas encontram em Piketty e noutros neomarxistas as orientações para um futuro tal qual os sonhadores de uma sociedade humana mais justa vêm imaginando desde há vários séculos.

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