sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Escolhas prudentes em vez de ilusões

 

É este o orçamento, que eu gostaria de ver aprovado para 2023? Claro que não, mas maior é a certeza em como nenhuma das oposições seria capaz de fazer igual ou melhor se lhe competissem as responsabilidades governativas. Porque poderíamos esperar algumas melhorias se o Bloco e o PCP ainda integrassem a maioria parlamentar, mas sozinhos, de per si, não conseguiriam aliar o otimismo dos desejos ao incontornável pessimismo da realidade.

Poder-se-á considerar que o debate de anteontem teve por momentos mais mediáticos os ataques cirúrgicos, que António Costa fez às direitas e ao Bloco, agitando uma vez mais o espantalho Pedro Passos Coelho. E foi isso que mais incomodou as direitas porque, se não tiveram pejo em, durante anos a fio, invocarem abundantemente José Sócrates num enleio de mentiras e manipulações, detestam agora provar um fel similar servido como ricochete. Alguns comentadores indignaram-se com a conotação feita entre a Iniciativa Liberal e o Chega, mas parecem cegos à comprovação do ditado em como quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Ora, afinal, há muito os ultraprivatizadores desse partido praticam um fanatismo antissocialista, mesmo que com um suposto glamour distinto do trauliteirismo mentecapto dos apaniguados de Ventura.

Embora não nutra nenhuma simpatia por Fernando Medina reconheço-lhe no discurso aquilo que melhor sintetizou o documento agora aprovado: “O contexto é adverso e os riscos são elevados”, e por isso, “não vendemos ilusões. Fazemos escolhas.”

Como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, o governo muniu-se de uma estratégia política, que comporta almofadas significativas para responder à imprevisibilidade da crise, que a guerra na Ucrânia prolonga. Não se trata de um orçamento com pendor socialista, mas também não é decerto aquele que as direitas gostariam de ver consagrado. Por muito que, por preguiça argumentativa ou cegueira ideológica, as esquerdas afiancem ser o caso! 

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Cinco perguntas com algumas hipóteses de respostas

 

1. Sou eu que ando distraído ou o presidente Marcelo, sempre tão pródigo em comentários sobre tudo e coisa nenhuma, ainda não revelou o seu pensamento sobre as centenas de timorenses, que vieram buscar a concretização do seu imprudente convite no nosso cantinho, quando por ali perorou sobre os nossos encantos? Alguém é capaz de aconselhar o personagem a ter tento na língua, porque as suas palavras podem ter trágicas consequências?

2. Alguém consegue negar a relação causa-efeito entre a demissão de Liz Truss e a de Cotrim Figueiredo à frente da Iniciativa Liberal? É que uma coisa é fazer uns cartazes aldrabões sobre supostos paraísos, que adviriam de certas ideias, outra a de explicar porque elas esboroaram tão repentinamente tão-só manifestada a intenção de as levar à prática!

3. E quem poderá explicar a Paulo Rangel, que não vale tudo, quando se trata de fazer política com o que serão os interesses do país? É verdade que o eurodeputado reage pessimamente aos sucessos diplomáticos de António Costa junto dos colegas europeus, mas somar inverdades com conjeturas infundamentadas em nada abona a um político, que se tem desculpabilizado por discriminação positiva quanto às suas opções íntimas, mas para que se perde facilmente a paciência, quando entra numa histeria sem nexo.

4. E o que terá levado Ricardo Araújo Pereira a fazer de Pedro Nuno Santos o bombo da festa do seu programa dominical?

Que a direita tem um ódio de estimação ao ministro das Infraestruturas já o sabíamos, porque poderá vir a ser ele quem mais a acantonará nos labirintos da sua mesquinhez ideológica. Mas que o humorista, conotado com o PCP, se preste a tão submisso preito aos interesses do patrão da SIC só confirma que ele próprio se vai rebaixando sem qualquer hipótese de remissão.

5. E voltando à tão singular Inglaterra numa altura em que o genro de um multimilionário indiano se prepara para a deixar afundar mais um pouco à sombra dos efeitos do Brexit: faltará muito para voltarmos a ver Boris Johnson a demonstrar que a História repete-se sempre duas vezes, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa? 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Mais valeria um homem decente!

 

Excelente a crónica de Carmo Afonso na edição de hoje do «Público», que tem por tema a mensagem de felicitações de Ursula von der Leyen a Giorgia Meloni a propósito da sua indigitação como nova primeira-ministra italiana.

Sobre a política alemã, que dirige a Comissão Europeia, já tivemos sobejas demonstrações de quão impreparada é para o cargo que ocupa em tão exigente momento histórico. E esta celebração da vitória fascista em Itália em nome de uma falaciosa afirmação feminista só reitera a mediocridade do seu pensamento estratégico.

Ao contrário do que von der Leyen parece crer não existe nada de positivo no facto de Meloni ser uma mulher. Como diz a cronista do «Público» mais valia que, em seu lugar, estivesse um homem decente e não esta xenófoba fanática, que muito preza a memória de Benito Mussolini.

Há, porém, uma vertente mais acutilante na abordagem de Carmo Afonso, quando ela não enjeita a responsabilidade das esquerdas em terem aberto o flanco para este tipo de confusões. Porque, de facto, quando se isolaram as “causas fraturantes” do contexto global da luta de classes, como se a vitória de cada uma delas contribuísse para a consagração de todas no seu conjunto, nenhum ganho substancial adveio de tal “esquecimento” para a grande luta dos trabalhadores.  Constata Carmo Afonso que “quando a esquerda se esgota nessa lutas – esquecendo as suas origens de luta por um modelo socioeconómico – eclipsa-se e sobretudo abre as portas a que todos se apoderem delas”.

Daí que, ao contrário de Ursula von der Leyen ou de Hillary Clinton - outra voz que parece ter rejubilado com o sucesso de uma das criaturas de Steve Bannon na Europa! - não tenhamos nada a saudar no que acaba de se verificar em Itália. A não ser que, a exemplo de Liz Truss, Giorgia Meloni venha rapidamente a esvaziar-se enquanto fraude política, que personifica.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O bofetão antiliberal

 

Confesso que a realidade ainda me consegue surpreender apesar dos muitos anos, que já levo nesta vida. Essa constatação  decorre da estrondosa queda do governo ultraliberal inglês: penso que nem sequer a grande maioria dos mais convictos socialistas, entre os quais me incluo, perspetivava vida tão curta para quem convictamente considerava virtuosas as reduções de impostos para os ricos e das prestações sociais para os pobres! Ou seja, que os seus tão idolatrados mercados lhes aplicassem bofetão tão forte, que passaram atordoados os dias mais recentes, incapazes de iludirem a sua deceção.

O que, nesta altura, mais gostaríamos de ouvir, seriam as explicações de Cotrim Figueiredo, Guimarães Pinto ou outros ideólogos da Iniciativa Liberal para tão violenta reação às mesmas ideias que gostariam de aplicar à economia portuguesa. Embora desconfie, que as vão evitar mediante a cortina de fumo antichinesa em que se têm especializado nas últimas semanas numa versão histérica de verem em cada oriental um perigoso espião e em cada uma das suas lojas a réplica em miniatura dos campos de detenção do Xinjiang. 

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Um pífio coelho tirado da cartola

 

1. Nem o que Ana Sá Lopes designou como «coelho tirado da cartola» livrou Marcelo da angústia do ilusionista de súbito confrontado com a perda de interesse dos espectadores pela sua «magia». Embora se quisesse iludir com o jantar à beira Tejo e um gelado em Cascais, em pífias tentativas de interligar-se ao »publicozinho», só confirmou a angústia perante uma segunda metade do mandato presidencial, que António Costa se voluntariza para ver concluído com a dignidade possível. Porque, para além das contínuas viagens ao estrangeiro e das selfies tiradas com meio país, nada se recordará dos mandatos deste presidente, candidato ao cargo por mera satisfação narcísica sem qualquer Visão para um país sobre que nada decide (nem saberia decidir!), a não ser a desastrada tentativa de livrar a Igreja Católica das labirínticas contradições. Tanto mais que é surdo aos conselhos dos que pedem contenção na vontade destemperada de comentar a espuma dos dias. Competindo com os que vão fazendo disso vida nos telejornais e com igual falta de gravitas!

2. Quanto ao convidado da família de Agustina para “abrilhantar”(?) o lançamento das comemorações do seu centenário de nascimento fica a confirmação quanto ao que desejaria: a redenção do sinistro passado através da cadeira presidencial. Mas nenhuma ideia lhe iluminando a cabeça (lembremos que apenas se quis fanatizado cumpridor dos ditames da troika), deve animá-lo aquela personagem cinematográfica, que dizia umas parlapatices sobre jardinagem e acabava inquilino da Casa Branca. O problema com este coelho é nem sequer lhe sobrarem palavras sobre plantas, porque apenas no silêncio se defende para alimentar uma ambição que, a exemplo do seu agora promotor, apenas tem a ver com o medíocre ego.

3. Agustina mereceria mais do que estes convidados que a família convocou para a sua festa. Reconheça-se-lhe que escrevia bem, embora fique por saber que papel era o do marido, prestimoso revisor dos seus textos. E, por outro lado, as histórias nos morgadios do Douro têm um cheiro a mofo que, manifestamente, estão destinadas a merecido olvido. A exemplo destes seus conjunturais admiradores! 

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Insensato e mal agradecido

 

1. Será que os zelotas de Marcelo Rebelo de Sousa terão ficado satisfeitos com o seu pedido de desculpas? Ou ter-se-ão sentido incomodados por, de forma menos salazarenta, o estimado professor de António Costa nunca ter deixado grandes dúvidas quanto a constituir-se numa nova versão daquele execrável sujeito, que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas. A forma como, aliás, concluiu essa aparente retratação vai nesse sentido, porque afiança nada mudar na forma como doravante agirá! Sinal de nada aprender com esse sucessivo embrulhar dos pés pelas mãos em que, ora defendia a Igreja pedófila, ora lhe apontava a probabilidade de muitos mais crimes.

Mas, além de insensato, Marcelo ainda mais se revela mal agradecido, porque teve o primeiro-ministro a meter as mãos no fogo por ele, e lá lhas deixou, sem cuidar de lhe apagar a fornalha como se nada tivesse a haver com isso.

Para um confesso apoiante de António Costa foi incómodo vê-lo  a acusar os que encostaram Marcelo à parede. Esperaria algum agradecimento de quem possui tão enfático umbigo? Não quero acreditar, mas essa sacudidela de Marcelo a tão impressivo apoio só confirmou o que se sabe: não desiste de abandonar o palácio de Belém já com o seu partido no poder. Só assim satisfaria a ambição, que nos obriga a suportá-lo por dez anos. Mas este episódio veio revelar o quanto pode entrar numa curva descendente de apoio de quem nele votou e só confirma ter-se deixado - uma vez mais! - enganar por um produto criado nos media mas que, a exemplo da mais enganosa publicidade, não tem nenhuma das qualidades a ele apontadas. Por esta altura deverá assombrá-lo a hipótese de concluir o mandato como Cavaco Silva, que já ninguém tinha paciência para aturar, quando passeava os seus azedumes pelos jardins do palácio de Belém.

2. Raramente de acordo com Miguel Sousa Tavares não deixo, porém, de reconhecer o acerto das suas palavras a propósito da pedofilia na Igreja Católica portuguesa: “isto é apenas a ponta do icebergue de uma estrutura sinistra e submersa, que durante décadas guardou dentro de si um segredo vergonhoso, ocultando-o dos fiéis, da sociedade e das autoridades. Protegendo os seus criminosos, como as máfias fazem.”

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Uma investigação necessária e um erro de casting

 

1. Comentando as sucessivas campanhas do Observador contra ministros e secretários de Estado sobre os negócios dos seus familiares, Paulo Pedroso sugere o que seria legítimo investigar: os objetivos, que se escondem por trás dessa cortina de fumo, decerto coincidentes com os clandestinos interesses dos proprietários desse suposto «jornal». Provavelmente encontrar-se-iam fundamentos sólidos para os ver suspeitos de um conjunto de crimes de lobbing e conspiração, que mereceriam títulos tão enfáticos quantos os que têm andado a abrir telejornais por estes dias.

2. Cada vez mais viajado - aonde estão as vozes indignadas dos que apontavam a Mário Soares o perfil viajante? - Marcelo Rebelo de Sousa vai multiplicando destemperos no que vai comentando. Agora foi a relativização das crianças abusadas por padres da igreja de que é prosélito, considerando não terem sido assim tantas quantas as que motivariam o escândalo. Como se um só crime não fosse por si mesmo inaceitável!

Digo-o desde que foi eleito em vez do presidente, que mereceríamos ter tido desde 2016 (António Sampaio da Nóvoa): Marcelo sempre foi e será um erro de casting!

terça-feira, 11 de outubro de 2022

O Orçamento possível neste momento específico

 

1. Este não é o Orçamento, que gostaria ver implementado no próximo ano, porque significa perda no meu poder de compra e pouco tem de ideologicamente progressista. Dado que as circunstâncias fizeram António Costa mudar de companhias - em vez do Bloco e da CDU ei-lo a privar com os patrões e sua tropa fandanga no movimento sindical - o resultado está à vista! Mas, perante a imprevisibilidade do futuro a curto prazo, é difícil não compreender a prudência com que o governo o encara. Tanto mais que o Partido Socialista tem o trauma da experiência de há onze anos, quando a assertividade de José Sócrates para anuir aos desastrosos conselhos de Durão Barroso, levou o país à dívida pública, que daria ensejo às direitas em acederem ao pote.

No regresso à governação António Costa contou com o fervor de Mário Centeno sobre as «contas certas», que deixou escola no ministério onde os titulares vão mudando, mas a preocupação mantém-se. Daí a surpresa desconcertada de muitos comentadores das direitas - até o inefável João Miguel Tavares - quanto à descida da dívida pública para 110,8% do PIB no final do próximo ano.

Ciente dos riscos em beliscar em demasia os que manipulam o edifício financeiro internacional no sentido de preservação do sistema capitalista, António Costa vai-lhes respeitando os ditames, procurando introduzir alguns desígnios de maior igualdade social onde eles os não incomodem.

2. Sobre a insaciável vontade de tudo comentar Marcelo também não deixaria de aproveitar a oportunidade de conhecer o orçamento para 2023 para endereçar mais uma farpa ao governo, que acusa de navegar à vista. Como se, na presente conjuntura, seja possível outra alternativa. Mas a mais arguta reação ao dito de Marcelo veio do cartoonista Luís Afonso, que veio lembrar o paradoxo de tal crítica provir de quem sempre age de acordo com o lado donde sopra o vento.

3. No «Público» de ontem, José Pedro Teixeira Fernandes aborda as ameaças decorrentes da guerra na Ucrânia com uma constatação lúcida sobre o que o ocidente anda a (não) fazer a tal respeito:

“Se (...) o Ocidente continua, à sua maneira, também a demonizar a Rússia de Vladimir Putin como um mal absoluto, daqui decorrem duas consequências perversas. O espaço para uma saída política desaparece (ninguém negoceia com alguém que personifica um mal absoluto). Ao mesmo tempo, abre-se o caminho psicológico para o uso de armamento nuclear, pois o inimigo, agora desumanizado, passa a ser algo a legitimamente erradicar, seja com que meios for.”

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Se calhar não bastará deixá-los ladrar!

 

Tem sido um regabofe com epicentro quase sempre oriundo do Observador, essa coisa indigesta, que se apresenta como uma espécie de jornal, mas é, sobretudo, uma bem oleada máquina de propaganda antigoverno capaz de recorrer aos mais insidiosos argumentos para desenvolver campanhas populistas depois amplificadas pelo alarido do Chega.

Andamos a condenar Montenegro pela pressa em casar com Ventura, mas parecemos distraídos de uma metodologia, que se vem repetindo semana após semana: mesmo perante casos e casinhos, que não violam nenhuma lei da República, aquele jornal online lança anátemas contra ministros numa gritaria ululante própria de uma turba onde ninguém parece cuidar se existe alguma lógica, sequer alguma ilegalidade, no que é apresentado como algo de censurável. 

Em tempos as acusações implicariam algum fundamento de ilegitimidade, agora basta lançar um banzé em torno de um argumentário, que não resiste a um básico escrutínio por quem tem dois dedos de testa. Daí que, relativamente aos «escândalos» associados a Manuel Pizarro, Ana Abrunhosa ou Pedro Nuno Santos, nem sequer António Lobo Xavier, Pedro Marques Lopes, Poiares Maduro ou outros opinadores de direita encontraram justificação para os verberarem.

Será asizado que António Costa cumpra o prometido no último debate quinzenal na Assembleia da República: entretenham-se as direitas com esses casos de lana caprina, que o governo faz o que lhe compete: governar. Mas, desde os tempos de Guterres ou de Sócrates como primeiros-ministros, as direitas não mudam de estratégia: bastam-se ao acintoso exercício de manipularem a desinformação para avançarem com assassínios de carácter contra os ministros, que lhes pareçam mais fragilizáveis. Como se, apreciando-os pelos seus próprios pecados, os vissem capazes de replicarem-nos, prescindindo das suas muitas virtudes.

Não sei se basta dar-lhes o desprezo anunciado por António Costa para os deixar enleados nos labirintos da sua inconsequência, mas nenhum mal viria ao mundo se se lhes desse uma resposta mais musculada. 

sábado, 8 de outubro de 2022

Os passeadores de cães segundo Carlos Matos Gomes

 

Carlos Matos Gomes tem sido um daqueles comentadores da atual conjuntura que sem nutrir qualquer simpatia por Vladimir Putin - característica comum à maioria dos que leem a guerra da Ucrânia fora dos parâmetros monocromáticos pretendidos pelo mainstream mediático comandado ideologicamente de Fort Langley! - continua a colocar questões mais do que pertinentes sobre o que Biden já antevê como uma escalada com potencial apocalítico. Por isso lembra a doutrina enunciada pelo antigo conselheiro da Casa Branca Zbigniew Brzezinski, no livro «The Grand Chessboard» e que teve concretização prática no golpe da Praça Maidan pelo qual o presidente ucraniano de então foi derrubado para ser substituído por uma sucessão de mandatários da estratégia norte-americana culminada na atual «liderança» do comediante, que nos assalta os televisores em casa em todos os telejornais com uma indecorosa e demagógica propaganda.

Não é difícil adivinhar o que está atualmente em questão no sudeste da Europa: a expetativa de colocar em Moscovo um peão dos interesses norte-americanos, que franqueie a estes as enormes riquezas existentes no subsolo das estepes eurasiáticas, mormente essas terras raras tão necessárias às empresas que produzem computadores, telemóveis e outros equipamentos de ponta nos EUA. E, tanto quanto possível replicar em relação à China o bem sucedido plano de levar os mísseis da Nato até às suas fronteiras. Porque não existem dúvidas quanto ao que está em causa: nos bastidores mais secretos da política norte-americana não é a democracia ucraniana ou russa, que estão em causa como preocupação principal, mas acumular força bastante para o desafio militar mais determinante da segunda metade deste século: o confronto entre o decadente império americano e o ascendente império chinês. E, no meio disto tudo, Carlos Matos Gomes tem toda a razão, quando associa Ursula von der Leyen, Olaf Scholz e os seus cúmplices europeus a passeadores de cães, que cumprem uma função desprestigiante perante interesses, que vão muito para além daqueles que os deveriam nortear. Porque ainda sobrarão dúvidas sobre quem verdadeiramente fez explodir os gasodutos do Nord Stream? 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Hoje soube-me a pouco!

  

Que dizer dos resultados das eleições brasileiras? Talvez um verso de Sérgio Godinho: “hoje soube-me a pouco!” Com a esperança de, daqui a quatro semanas, podermos concluir o quão tanto nos saberá!

Se as perspetivas são sombrias com o bolsonarismo a eleger senadores e deputados, que se entenderiam demasiado maus para merecerem tal apoio, confiemos que o futuro governo de Lula tenha a inteligência bastante para ter aprendido as lições da anterior passagem pelo poder e aja inteligentemente para minguar a relevância de quem saiu do ovo, qual serpente, mas importa ver esmagada.

Quando Angela Merkel diz o óbvio!

 

Não deixa de ser paradoxal que os mediatizados sucessos ucranianos em territórios anexados pela Rússia - e que poderiam indiciar uma efetiva vitória do comediante de Kiev! - coincidam com o comprometido silêncio do governo alemão a respeito da sabotagem dos gasodutos do Nord Stream no Mar do Norte,«. É que a autoria dessas explosões está a ser atribuída aos Estados Unidos por vozes absolutamente insuspeitas de simpatias putinistas. O texto de Albrecht Müller, hoje citado por Ricardo Cabral na sua crónica do «Público», indicia essa possível reorientação dos obscuros interesses, que têm atirado cada vez mais óleo para a fogueira ucraniana: “Estamos realmente cientes do que isso significaria? O nosso principal aliado, que a maioria dos alemães e da Alemanha oficial consideram um amigo na política e nos media, destruiu a infraestrutura de transporte da nossa fonte de energia mais importante e com isso uma importante base da atividade industrial no nosso país. E fez isso por transparente interesse próprio!”

Então talvez comecem a ouvir-se com outra seriedade quem desconfia de quem mais tem beneficiado com essa guerra: quer com a subida abrupta do dólar, quer com a angariação de cliente bom pagador para a sua indústria de armamento, quer enfim com o benefício de novos clientes para a sua produção de gás de xisto.

 Angela Merkel intuiu-o e, por isso, é dos que mais erguem a voz para uma nova arquitetura da segurança europeia, que inclua a Rússia com quem considera imperativa a negociação. 

sábado, 1 de outubro de 2022

Para acabar de uma vez por todas com as falácias «social-democratas»

 

Não soubéssemos que atrás de tempos, tempos vêm, e os atuais prefigurariam demasiados sinais para que nos sentíssemos pessimistas, não só pelos riscos de uma escalada na guerra na Ucrânia, alcançando patamares nunca vistos desde a Segunda Guerra Mundial (as bombas nucleares enquanto ferramentas de afirmação de uma política agressiva), mas, sobretudo, pela sucessiva escalada das extremas-direitas que somam à Polónia e à Hungria, mais um país europeu em que os (des)governantes se arrogam da máxima Deus, Pátria, Família.

Quer isto dizer que, perante o ocaso colossal das esquerdas, só teríamos como saída as soluções desesperadas assumidas por Virginia Woolf ou Stefan Zweig, quando julgavam invencíveis as hordas nazis? Claro que não, mas exige-se às esquerdas, que o sejam com determinação e contrariando ativamente o que tem sido a crescente ocupação do campo ideológico contrário nos espaços mediáticos, políticos e culturais.

Uma das manifestações da tibieza nas esquerdas, e sobretudo na do Partido Socialista, é a aversão à palavra “Socialista”. Ouve-se António Costa ou mesmo Pedro Nuno Santos, e espantamo-nos com a sua assumpção como «sociais-democratas» como se tivessem vergonha de serem aquilo que o próprio nome do partido impõe que o sejam.

Queremos ou não uma mudança completa da sociedade, tornando-a mais justa e igualitária? Temos ou não amplas demonstrações em como a sustentabilidade da civilização humana no planeta não será possível com a continuação de um tipo de economia regida pelas regras do mercado? Não aprendemos já o suficiente com a ampla demonstração em como os capitalistas não conhecem freio na sua ganância, vivendo num autêntico forrobodó desde que a implosão da União Soviética acabou com o medo de uma alternativa contra a qual tinham de revelar a intenção de contruírem uma sociedade de bem-estar para todas as camadas sociais incluindo as que não se enquadravam na tal classe média para que reclamavam governar?

Teoricamente seria esta sociedade de bem-estar, que os «sociais-democratas» de hoje pretenderiam recuperar tomando por exemplo as sociedades nórdicas dos anos 70, entretanto já também elas objeto de declaração de óbito pelos putativos herdeiros dos líderes desse passado.

Parecem ser poucos os que recordam os princípios básicos da política segundo os quais as sociedades organizam-se de acordo com os meios de produção de cada momento. Ora essa social-democracia do passado tornou-se numa impossibilidade científica numa altura em que o pós-globalização não trava um tipo de economia, que assenta na precarização dos empregos e a sua exiguidade para as gerações mais novas. Que, pela primeira vez, tomam como certa a perspetiva de verem o tradicional ascensor social só aceitar como destino os pisos inferiores aos que chegaram os seus pais.

Numa altura em que as extremas-direitas andam a demonstrar que não têm soluções exequíveis para corresponderem aos desafios do futuro e em que o novo governo inglês está a partir os dentes com a tentativa de impor as receitas ultraliberais, é altura das esquerdas fincarem os pés onde estão e daí partirem, resolutamente, à conquista do terreno político e cultural perdido nas últimas décadas. Mesmo contando com a quase exclusiva ocupação do espaço de opinião pelos que a diabolizarão como verdadeiro inimigo, importa lançarem uma Revolução tão definitiva quanto as do passado quando antigos regimes davam lugar aos que coincidiam com os imperativos das épocas seguintes.