domingo, 24 de abril de 2011

Uma esquerda racista?

Num jornal leio a entrevista com um ex-deputado comunista de Coimbra e cantor da Brigada Vitor Jara, a reclamar uma certa mudança de opinião nos seus mais cristalizados valores desde o dia recente em que, com um amigo, foi agredido violentamente e roubado por uma horda de bandidos ciganos sem que ninguém o acudisse. Apesar de não faltarem testemunhas dessa agressão…
No canal franco-alemão ARTE vejo uma reportagem sobre a imigração clandestina de tunisinos para as costas europeias, ansiosos por encontrarem o impossível: empregos seguros e bem pagos. E fica o paradoxo: o Ocidente apoia com entusiasmo as revoluções do norte de África e os beneficiados com essa mudança política borrifam-se na democracia e vêm para a Europa aumentar a já enorme oferta de mão-de-obra barata em concorrência directa com os enfraquecidos operários locais.
Da Palestina surge a notícia de um italiano, que para aí fora militar pelos direitos do povo local, assassinado pelos mais radicais de entre os radicais islâmicos ali existentes, que o odiavam pela sua condição de ocidental.
Em Braga há a notícia de um homem espancado até à morte por um bando de cabo-verdianos, que considerou provocatória a sua oferta de um cigarro.
Ando às compras na zona onde vivo e a maioria das pessoas com que me cruzo são negras. Uma hora depois um carro com dois jovens dessa cor ultrapassam-me em atitude de desafio, que inquieta.
É claro que a minha desconfiança perante essa diferença de cor ou de raça não pode ser mais incorrecta do ponto de vista político. Mas o contraponto é vermos a extrema-direita a avançar em toda a linha por toda a Europa porque está a canalizar com sucesso a progressiva desconfiança dos seus compatriotas para essa invasão descontrolada de emigrantes.
Os operários franceses, por exemplo, passaram-se ideologicamente do Partido Comunista para a Frente de Le Pen, porquanto todos os seus direitos sindicais tendem a ser revogados perante tal maré de gente disposta a vender a força do seu trabalho por custos cada vez mais baixos. E os patrões esfregam as mãos de contentes perante tal facilidade em aumentarem escandalosamente os seus lucros. Com os Governos de direita a atiçarem sempre que possível os ódios para com os estrangeiros.
A globalização está a obrigar a esquerda a rever os seus valores e princípios. E, em certa medida, o que se justifica é vê-la a tomar posição eficaz sobre esta matéria, abandonando a estúpida postura de defender esses valores e princípios em abstracto sem os relacionar com a ponderosa realidade em que eles perdem qualquer viabilidade de afirmação.
Não admira por isso que o próprio SPD alemão esteja a passar por activo debate interno sobre esta matéria depois de um dos seus mais influentes membros ter denunciado a quebra da inteligência colectiva à conta da miscigenação com estrangeiros.
Se não quer ser definitivamente afastada da condução dos acontecimentos a esquerda europeia tem de encontrar uma forma eficiente de limitar seriamente essa migração humana, que não dá mostras de refrear...

sábado, 23 de abril de 2011

Maioria relativa ou absoluta?

Nos jornais deste fim de semana continuam muitos comentários a respeito da cada vez mais anunciada derrota eleitoral do PSD no escrutínio de 5 de Junho. Até Vasco Pulido Valente, na sua crónica do «Público», não se coíbe de comparar a manifestação de pujança do PS no Congresso de Matosinhos em comparação com as inseguranças diárias do líder da oposição nas suas intervenções quotidianas. E, no «Expresso» Clara Ferreira Alves põe em título do seu texto semanal a espantosa incapacidade de Passos Coelho ao arriscar-se a perder um combate para que partira vencedor indubitável.
Em tempos de crise, os eleitores querem sentir-se governados por quem mostra determinação. Não quem se revela imaturo, inseguro, demasiado explicativo dos avanços e recuos a que se entrega nas suas confissões para as câmaras.
Quando, logo após a demissão do Governo, bradei aos quatro ventos - e para escândalo de uns quantos! - que as próximas eleições estariam ganhas pelo Partido Socialista, tinha uma pequena esperança em que isso se verificasse.
Hoje, com tantos erros dos seus opositores, já começo a acreditar que José Sócrates não andará muito distante da maioria absoluta...

Um banho de realidade

O Diário de Notícias de hoje aborda um dos grandes problemas com que se confronta a sociedade portuguesa actual: com mais de oito milhões de cartões de crédito em circulação, Portugal é um dos recordistas da Europa no endividamento.
Essa irá ser uma das grandes mudanças comportamentais a que os portugueses se irão sujeitar nos próximos anos: refrear a ilusão criada pela entrada na União Europeia de já estarmos próximos dos padrões de consumo dos demais povos europeus. Pelo menos dos que nos serviam de modelo de referência: alemães, franceses, quiçá mesmo os espanhóis.
Porque não se ganhava o suficiente para tal, surgiram milhentas oportunidades para comprar já e pagar depois. E não foram só as casas tão necessárias porque as não havia para arrendar. Viagens, férias, automóveis, mobílias, aparelhagens e outros gadgets electrónicos, etc.
No fim desse delírio colectivo, milhares de pessoas descobriram-se sem emprego, sem os bens que haviam utilizado provisoriamente e entregues ás mãos de uma divina providência, que prima pela sua natural ausência. Mesmo que, em terra de pastorinhos, a mistificação religiosa ainda vá temperando a queda abrupta na realidade
Por estes dias só o recato a que os jornais e as televisões se remetem na matéria é que não se noticiam os suicídios, que para muitos significa o final do caminho. Para a grande maioria começa agora aprendizagem de uma vida em moldes muito mais comedidos do que o tinham sido até então.
A festa acabou, como diria a canção do Chico Buarque. E o despertar para a realidade anuncia-se angustiante, porque imprevisível nos seus obrigatórios contornos…

Evocação de Churchill

Não tenho grande simpatia pela personalidade de Winston Churchill: se lhe reconheço a capacidade de liderança para ganhar a Batalha de Inglaterra contra a Alemanha nazi, não esqueço o seu conservadorismo ideológico, que o lançou numa verdadeira cruzada anticomunista logo após a 2º Guerra Mundial, que redundou nas tensões da Guerra Fria. Mas sobra ainda outro aspecto positivo na balança: o de possuir dotes de retórica, que traduzia em discursos interessantes do ponto de vista da sua riqueza linguística.
Veja-se como exemplo disso mesmo a seguinte citação: Nunca, nunca, nunca acreditar que qualquer guerra será fácil, ou que qualquer pessoa que embarque nessa estranha viagem pode medir as marés e furacões que encontrará.
Um discurso, que também se enquadra bem nesta conjuntura em que desconhecemos todas as consequências do pedido de ajuda ao FMI, nomeadamente no que dirá respeito às políticas de emprego ou de segurança social. Questões que se prenderão com a nossa própria sobrevivência...

Porque não devemos consumir salmão oriundo do Chile

Na sua participação no Festival de Literatura em Viagem, o escritor Luís Sepúlveda explicou a quem o ouviu as razões porque deveremos evitar o salmão chileno na nossa ementa.
O relato é extraído do artigo, que a jornalista Isabel Coutinho conta na edição de ontem do «Público»:
O Chile é o primeiro exportador de salmão e para produzir um quilo é preciso pescar dez quilos de outros peixes. Não importa a qualidade, o tamanho - desde a pequena sardinha até aos golfinhos, todos acabam transformados em alimento para os almões.
A essa comida juntam uma enorme quantidade de químicos para que os salmões cresçam rapidamente e a sua carne não se deteriore. Desde corantes artificiais, para que fiquem com uma cor rosa apetitosa, até hormonas, para que cresçam mais depressa. (…) O excesso de produção dos salmões é deitado simplesmente ao mar e as empresas que fabricam o salmão pertencem todas a grandes consórcios estrangeiros, fundamentalmente empresas japonesas e espanholas, que têm uma licença de pesca gratuita sem limite, sem quota para a quantidade de peixe pescado.
Resta acrescentar que Luís Sepúlveda constatou essa realidade na sua mais recente visita ao arquipélago de Chiloé na Terra do Fogo, que conhecera outrora como imensamente rico em peixe, e agora se lhe apresentou rapado por tal depredação gananciosa. Um exemplo mais de quanto o capitalismo é um sistema criminoso, que urge derrubar...

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Espíritos sem Vergonha

Das leituras dos jornais de hoje sobram três artigos, que ajudam a relativizar muito do que se vai dizendo nas notícias de abertura dos telejornais. Por exemplo, num texto do «Jornal de Negócios» sobre a Itália de Berlusconi revela-se que a dívida italiana ascende actualmente a 120% do PIB, ou seja a um índice muito superior ao da Grécia, da Irlanda ou de Portugal, quando solicitaram a ajuda do FMI.
Donde se conclui que estes ataques a dívidas soberanas pouco têm a ver com as dimensões do problema, mas quanto à (in)capacidade dos pequenos países resistirem a contínuos ataques dos especuladores financeiros.
Noutro texto, publicado no «Diário Económico»  conclui-se que Portugal (…) passou de um país de aforradores para um país de consumidores endividados em poucos anos. Entre 1966 e 1985 a taxa de poupança dos portugueses em percentagem do rendimento disponível situou-se sempre acima dos 16,5%, atingindo o máximo histórico de 30,5% em 1972. O fim do século XX e o início do século XXI assistiram a uma degradação da capacidade de poupança dos portugueses que atingiu o ponto mais baixo em 2007, quando a taxa de poupança se situou em 7.9%. Pensou-se que a poupança poderia aumentar com a crise, mas tal não está a acontecer. Sinal disso é o facto de as famílias estarem a poupar quatro vezes menos no final do primeiro trimestre deste ano do que em igual período do ano passado.
Mas, muito embora, persista a falta de valores enunciada por Vítor Bento no seu ensaio «Economia, Moral a Política» como uma das causas para os desequilíbrios estruturais da economia portuguesa e que urge recuperar (de preferência sem recurso ao ópio religioso!), as pessoas estão tão descapitalizadas por tantos créditos assumidos, que dificilmente encontrarão capacidades acrescidas de poupanças. Ora, sem poupança não há investimento e sem investimento não há desenvolvimento da economia nem se diminui o défice externo. É, por isso, urgente quebrar este ciclo vicioso e fazer com que os portugueses voltem a poupar.
Nos tempos, que aí vêm, os governantes terão de dar provas significativas de criatividade para inventarem as soluções minimizadoras das sequelas das medidas impostas de fora. De nada valerão os que se limitam a criticar, sem se mostrarem capazes de enunciarem alternativas credíveis.  Restar-nos-á a determinação de Sócrates, mesmo que muito dado á poesia criativa. Mas como dizia Confúcio, é próprio de um espírito sem vergonha preferir o papel do crítico que censura ao do poeta que cria.

domingo, 10 de abril de 2011

Crimes capitalistas

São duas as principais consequências da aplicação das receitas neoliberais, que não tardarão a ser aplicadas em Portugal por parte do FMI: a regressão social e a exploração laboral.
Os principais direitos adquiridos com o 25 de Abril e com a entrada na União Europeia (saúde, educação) serão seriamente postos em causa, ao mesmo tempo que, quem trabalha, viverá continuamente subordinado à precarização já conhecida por quem já fez dos recibos verdes um modo de vida.
No «Le Monde Diplomatique», Sandra Monteiro alerta para o que pressupõe esse neoliberalismo levado à prática: esse programa, que constrói sociedades cada vez mais marcadas por desigualdades económicas (…) é indissociável de um processo de financeirização das economias no âmbito do qual os Estados desistiram do controlo político dos mercados e aceitaram ser seus dependentes.
No mesmo dia em que os islandeses referendaram a recusa em pagar, através dos seus impostos, as aventuras dos seus banqueiros, agora traduzidas em dívidas aos estados britânico e holandês (que se substituíram aos privados, que as começaram por financiar) talvez venhamos a ter de incensar essa atitude rebeldia perante os ditames desse poder financeiro e que oxalá possa prenunciar uma revolução mais ambiciosa em que o capital venha, enfim, a ser derrubado enquanto abstracção criminosa culpada de tanta infelicidade humana.

Cavaco: o primeiro responsável por este estado das coisas

Todas as semanas, no «Expresso», as opiniões de Miguel Sousa Tavares têm sido - pelo menos nas últimas semanas - das mais lúcidas análises sobre a forma como vão decorrendo os acontecimentos políticos e económicos em Portugal.
Não existe nele o sectarismo de uma posição colada a um partido, porquanto todos lhe merecem críticas quanto à forma como têm gerido a sua agenda própria. Que tem a ver com os seus interesses específicos, independentemente de coincidirem ou divergirem dos do próprio país.
Não havendo, pois, vacas sagradas, muito menos se poupa o actual inquilino de Belém, que terá sido o fundador de uma dinâmica desastrosa cujos efeitos se explicitam agora sem qualquer ilusão, quanto aos seus benefícios futuros.
Facto primeiro: tudo começou com os governos de Cavaco Silva e a aposta na trilogia obras públicas e construção/negócios para as empresas do betão/lucros para a banca.
Foi nisso que gastámos o grosso das ajudas europeias a partir dos anos 80, e por aí continuámos, alegremente. Estavam todos satisfeitos: os governos, porque mostravam obra e ganhavam eleições, para mais fingindo que criavam emprego; as grandes construtoras do regime, financiadoras dos partidos políticos, porque tinham oportunidades de negócio a perder de vista, com um dono de obra sempre disponível para rever os preços das empreitadas em alta e pagar acima do mercado; os bancos, porque emprestavam sem risco, com a mais sólida das garantias - a do Estado - e assim satisfaziam os seus accionistas e melhores clientes; e os portugueses em geral, porque deste modo conseguiram a proeza de se transformar no povo europeu com maior capitação de casa própria (além de tudo o resto, também comprada a crédito e garantida pela futura riqueza, deles e da nação: televisores HD, carros, férias no Nordeste brasileiro).
Se se pode criticar Sócrates numa altura em que ele se vê obrigado a superar-se a si próprio para evitar males maiores prometidos pela direita ultra-liberal, é ter iniciado guerras sucessivas contra alguns dos interesses corporativos, que tanto prejudicam o desenvolvimento do país, e ter sido travado pela inacreditável sucessão de campanhas difamatórias, que o remeteram para uma posição defensiva, que não era a sua quando alcançou a maioria absoluta.
Agora que se concretiza a chegada do FMI, mais ou menos acobertado por outras siglas, que Cavaco utiliza para escamotear a realidade dos factos, todos teremos de mudar a forma como consumimos os nossos cada vez mais parcos recursos. E quanto desejável seria que Sócrates voltasse às condições de seis anos atrás para realizar o seu programa com menores constrangimentos quanto ás resistências dos interesses corporativos, que o foram corroendo…

sábado, 2 de abril de 2011

O pote


Há quinze dias António Vitorino escrevia no «Diário de Notícias»: Convém não esquecer que as organizações internacionais e os mercados não se relacionam com concretos governos mas sim com Estados. Ora, por muito emocionantes que sejam as picardias da nossa vida política e por muito sensíveis e calculistas que sejam os seus protagonistas, é todo um povo que estará presente na hora de prestar contas. E os tiros nos pés pagam-se caro.
Depois da queda do Governo sucedem-se as más notícias: agências de rating a descerem a classificação do País e das empresas nacionais, juros a baterem recordes, pressões para aceitar o que vai sendo tido cada vez mais como inevitável. Mas a estupidez da oposição vai ter danos terríveis para quem nada fez para os sofrer. Assim saibam penalizar nas eleições quem foi o verdadeiro responsável pela crise: o PSD de Passos Coelho na sua avidez para chegar ao tal pote...

Liberdade vs. grilhetas da tirania

Na Líbia os combates entre apoiantes e adversários do coronel Kadhafi eternizam-se de pouco valendo o apoio da CIA e da NATO aos rebeldes. Ao mesmo tempo que, no Afeganistão, funcionários da ONU são chacinados por turbas de fanáticos islâmicos.
Uma vez mais o Ocidente parece estar a perder o fôlego aonde nunca deveria permitir que isso ocorresse, enquanto dá força a movimentos contra ditadores pouco simpáticos para com alguns dos seus baralhados intelectuais de opereta (o tenebroso Bernard Henri Lévy), mas abrindo campo a outros fanáticos islâmicos ali controlados.
As piores consequências destas «revoluções» poderão advir para as mulheres: não era por acaso que elas ocorreram nos países aonde possuíam mais direitos face à misoginia promovida pela visão preconceituosa facultada pela religião muçulmana.
Em linha com a minha própria perspectiva sobre o assunto, escrevia hoje Paulo Varela Gomes no «Público»:
Na Tunísia, Egipto, Líbia, Síria, as mulheres têm ou tinham uma presença social incomparavelmente mais alargada do que noutros países muçulmanos. Convirá recordar o que sucedeu no Iraque onde o derrube da ditadura de Saddam Hussein representou o regresso à escravização de muitas, se não da maioria das mulheres. (…)
É bem possível que tudo tenha ficado muito pior para as mulheres do Egipto e da Líbia, como ficou para as do Iraque. As malhas que a liberdade tece podem ser também as grilhetas da tirania.