Todas as semanas, no «Expresso», as opiniões de Miguel Sousa Tavares têm sido - pelo menos nas últimas semanas - das mais lúcidas análises sobre a forma como vão decorrendo os acontecimentos políticos e económicos em Portugal.
Não existe nele o sectarismo de uma posição colada a um partido, porquanto todos lhe merecem críticas quanto à forma como têm gerido a sua agenda própria. Que tem a ver com os seus interesses específicos, independentemente de coincidirem ou divergirem dos do próprio país.
Não havendo, pois, vacas sagradas, muito menos se poupa o actual inquilino de Belém, que terá sido o fundador de uma dinâmica desastrosa cujos efeitos se explicitam agora sem qualquer ilusão, quanto aos seus benefícios futuros.
Facto primeiro: tudo começou com os governos de Cavaco Silva e a aposta na trilogia obras públicas e construção/negócios para as empresas do betão/lucros para a banca.
Foi nisso que gastámos o grosso das ajudas europeias a partir dos anos 80, e por aí continuámos, alegremente. Estavam todos satisfeitos: os governos, porque mostravam obra e ganhavam eleições, para mais fingindo que criavam emprego; as grandes construtoras do regime, financiadoras dos partidos políticos, porque tinham oportunidades de negócio a perder de vista, com um dono de obra sempre disponível para rever os preços das empreitadas em alta e pagar acima do mercado; os bancos, porque emprestavam sem risco, com a mais sólida das garantias - a do Estado - e assim satisfaziam os seus accionistas e melhores clientes; e os portugueses em geral, porque deste modo conseguiram a proeza de se transformar no povo europeu com maior capitação de casa própria (além de tudo o resto, também comprada a crédito e garantida pela futura riqueza, deles e da nação: televisores HD, carros, férias no Nordeste brasileiro).
Se se pode criticar Sócrates numa altura em que ele se vê obrigado a superar-se a si próprio para evitar males maiores prometidos pela direita ultra-liberal, é ter iniciado guerras sucessivas contra alguns dos interesses corporativos, que tanto prejudicam o desenvolvimento do país, e ter sido travado pela inacreditável sucessão de campanhas difamatórias, que o remeteram para uma posição defensiva, que não era a sua quando alcançou a maioria absoluta.
Agora que se concretiza a chegada do FMI, mais ou menos acobertado por outras siglas, que Cavaco utiliza para escamotear a realidade dos factos, todos teremos de mudar a forma como consumimos os nossos cada vez mais parcos recursos. E quanto desejável seria que Sócrates voltasse às condições de seis anos atrás para realizar o seu programa com menores constrangimentos quanto ás resistências dos interesses corporativos, que o foram corroendo…
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