quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

ITÁLIA: Como Bersani falhou o alvo


A situação económica italiana está numa situação muito crítica. O desemprego dos jovens situa-se nos 33%. As dívidas públicas atingem 126% do produto interno bruto. Mensalmente cerca de mil pequenas empresas fecham as portas, devido em grande parte a uma carga fiscal particularmente elevada. Mesmo em plena recessão, as empresas estão obrigadas a pagar os seus impostos sem acederem a qualquer flexibilidade temporal.
Pelo seu lado, o Estado demora a desbloquear os seus fundos. Durante a campanha eleitoral falava-se de um atraso nos pagamentos do Estado em cerca de 70 mil milhões de euros. Será, pois, necessário fazer economias nos salários muito elevados e nas medidas infraestruturais inúteis. O fosso entre os mais pobres e os mais ricos vai aumentando.
Existem, pois, muitos problemas, que explicam o sucesso dos populistas, que argumentam com disfuncionalidades concretas, que se multiplicaram nos últimos dez anos, a que se acrescenta a perceção de numerosos italianos em como a esquerda não estará em condições de iniciar uma mudança credível.
Trata-se, pois, de uma questão de confiança: a Itália conheceu numerosos casos de corrupção, que envolveram quase todas as formações políticas. O Partido de Sílvio Berlusconi foi sacudido por escândalos muito violentos. Personalidades políticas e altos funcionários embolsaram somas indecentes, em forma de salários, de reformas e de outro tipo de remunerações singulares. Tudo contribuiu para arruinar a confiança dos cidadãos na classe política.
Alguns dos altos funcionários ganham cerca de 50 mil euros mensais, podendo acumular até 94 mil em remunerações complementares. Uma estenógrafa no parlamento consegue ganhar mais do que o presidente português.
Além dessas vantagens conferidas pela lei soma-se à corrupção. Na época em que a economia estava em alta tudo isso se tolerava, mas em período de crise e de recessão, o desagrado aumenta e a população dá sinais de não querer continuar a financiar esse sistema, tanto mais que os impostos aumentam consideravelmente. Os cidadãos questionam-se, então, se devem ser eles os únicos a respeitarem a lei.
Para reconciliar os italianos com a política, Bersani preferiu apostar no seu fraco carisma do que num programa concreto. Ciente da sua credibilidade enquanto homem político de passado irrepreensível, ele acreditava numa viragem determinante … que não chegou a acontecer. Agora vê-se na iminência de ter de fazer coligação. Só não se sabe com quem.

BANDA SONORA: «Azzurro» por Adriano Celentano


Foi por aqui que Paolo Conte apareceu: a compor um grande êxito para o Adriano Celentano. E que canção excelente ainda continua a ser passados tantos anos!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

POLÍTICA: As palhaçadas de um Grillo


Uma das principais razões para o resultado comprometedor da esquerda italiana nas eleições desta semana foi um fenómeno igualmente presente na sociedade portuguesa: a equação políticos = corrupção.
Beppe Grillo conseguiu através de um tipo de discurso antipolíticos e anti partidos bloquear qualquer solução de governabilidade da Itália com as consequências, que se adivinham. Infelizmente o seu discurso encontrou eco numa camada de jovens dissociados de qualquer preocupação ideológica, e nos que, mais velhos, já viram tanta promessa esgotada em sucessivas campanhas eleitorais, que se tornaram permeáveis  a um tipo de lógica terrorista baseada na ideia da terra queimada sobre cujas cinzas se poderão forjar possibilidades de ressurreição.
A exemplo dos anarquistas do século passado, que, mediante o mesmo propósito em desconstruir todas as ideologias e propostas políticas, abriram espaço para a afirmação dos movimentos fascistas, o sucesso de Beppo Grilo inscreve-se na mesma tendência, que explica os fenómenos Aurora Dourada na Grécia, Frente Nacional em França ou  Jobbik na Hungria. Não se assumindo como de extrema-direita, possui, porém, os ingredientes ideológicos, mesmo mascarados de avessos a eles, que caracterizam tais movimentos antidemocráticos.
É por isso que, intramuros, sempre contrariei as argumentações de quem, mesmo supostamente apresentando-se como de esquerda, tanto contribuíram para o sucesso das campanhas contra o Governo de José Sócrates, nomeadamente através da exploração até à exaustão do exemplo de Armando Vara. Assim como  olho, atualmente, com natural suspeição para a ação  de Paulo Morais e da sua Associação Transparência e Integridade, que encarnam objetivos semelhantes ao endossarem a todos os políticos um manto de suspeição. Espanta-me o entusiasmo com que, nas redes sociais, gente que se afirma alinhada com o PCP, com o BE e com o PS se apresta a divulgar as mensagens de tal gente, esquecendo a ligação desse mesmo Paulo Morais, que foi vice-presidente da Câmara do Porto pelo CDS.
Se existem casos bem fundamentados de  corrupção por parte de gente oriunda do cavaquismo,  ou na corte de Alberto João Jardim, que justificam algumas dessas suspeitas, é injusto, imoral e profundamente reacionário  generalizar tal atitude a toda a classe política. Sobretudo, porque não se pode comparar a ética com que a generalidade dos responsáveis dos partidos de esquerda assumem responsabilidades perante os seus eleitores, em contraponto com o larvar oportunismo e arrivismo evidentes na maioria dos políticos de direita. Comparar Ana Drago ou João Galamba com os inconcebíveis Luis Meneses ou Francisca Almeida, é o mesmo que considerar a água cristalina do óleo sujo que a tenta contaminar. Enquanto aqueles denotam evidentes preocupações de cidadania, os dois últimos denunciam uma participação na política enquanto forma de terem emprego que, de outra forma, lhes seria bem mais difícil encontrarem com sucesso nas suas competências profissionais.
É por isso que, quando se fala de corrupção da classe política deveremos ter sempre a preocupação de a  contestar, por se circunscrever a uma minoria relativamente à qual se deverá exigir uma maior vigilância das entidades de regulação, essas sim a verem os seus poderes reforçados para inviabilizarem recorrências das situações, que redundaram no BPN ou nas negociatas de Duarte Lima.
O sucesso de Beppe Grillo corresponde, pois, a uma enorme derrota dos italianos, que julgaram possível a salvação através de gente até agora desconhecida do cenário político.
Na realidade rostos novos não significam necessariamente ideias novas, nem, sobretudo, gente impoluta. A ocasião faz o ladrão e cá estaremos para constatar os casos de manifesta corrupção por parte das novas vedetas do Movimento Cinco Estrelas, se este for mais do que um fenómeno fugaz, uma espécie de cometa nos céus, que surge muito brilhante, mas não tardará a desaparecer nas anónimas profundezas dos mistérios siderais...

POLÍTICA: A Itália perdida no seu labirinto - a importãncia dos media


O dia seguinte aos dois por que se prolongaram as eleições italianas foi fértil em comentários de todo o género por quem quase coincidiu a 100% com o veredito: com estes resultados o país fica ingovernável. A esquerda ganha o parlamento, mas perde no Senado, e o Movimento Cinco Estrelas, que recusa qualquer aliança com as demais forças políticas, consegue uma votação de 1/4 do eleitorado.
O impasse daí resultante tem, no entanto, origem em três diferentes ordens de razão, das quais iremos aqui abordar a primeira, deixando as restantes para abordagem posterior: esses resultados dificilmente se verificariam se, acaso, a grande maioria dos jornais, revistas, rádios e televisões não estivessem na posse de Berlusconi ou dos seus amigos e aliados. Da facto, o eleitorado italiano mostra-se demasiado permeável às mensagens emitidas por esses meios de (des)informação, que normalizam o comportamento do organizador das festas bunga-bunga e promovem as palhaçadas aparentemente irreverentes do comediante Beppo Grilo. Assim se explica a votação significativa de um traste que, em condições normais, já deveria estar atrás das grades e  a significativa adesão de uma não-ideologia assente na qualificação por igual de todos os políticos e de todos os partidos a que eles pertencem.
Extrapolando essa realidade para aquela em que vivemos, podemos avançar com a presunção de não ser por mero empreendedorismo ou por paixão pelo jornalismo, que relvas tanto se esforçou por entregar a RTP aos amigos. Com a SIC nas mãos de um Balsemão, que confia os seus noticiários económicos à grotesca influência de um josé gomes ferreira e com a TVI liderada por uma judite de sousa, que promove os discursos manipuladores de marques mendes e de medina carreira, relvas só precisava de uma RTP completamente correiodamanhãzável para garantir as habituais campanhas de sarjeta em que esse matutino se especializou.
À distância compreende-se o nervosismo com que tal direita encarou a possibilidade de José Sócrates estar a cuidar de manobra similar na TVI e que gerou toda a polémica enfatizada por manuela moura guedes e por mário crespo para denegrir a liberdade de informação da época. E, no entanto, mesmo se sucedesse esse eventual alinhamento do canal de Queluz com os interesses do Largo do Rato ainda persistiria um enorme desequilíbrio quanto à posse dos meios de informação disponíveis e do controle dos conteúdos por eles transmitidos. 
Voltando a Itália, compreende-se, pois que os resultados tivessem sido condicionados pela incapacidade de grande parte do eleitorado italiano adquirir informação fiável e objetiva sobre a situação da sua economia e das propostas para a alterar. Bem se esforçou Pier Luigi Bersani por o conseguir, mas foi torpedeado, por um lado, pelo discurso mentiroso, demagógico e criptofascista de Berlusconi e, pelo outro, pelo terrorismo argumentativo dos seguidores de Beppo Grilo. E, no entanto, se existe alguém em Itália capaz de, hoje em dia, ter algumas respostas para infletir a conjuntura, o provável, mas muito fragilizado primeiro-ministro é um deles...

BANDA SONORA: a Sinfonia nº 8 de Dvorak em sol maior, B163, opus 88



Na década dos anos 80 do século XIX, Dvorak adquirira uma vivenda em Vysoká, localidade situada a cerca de 150 kms de Praga. Nela costumava passar os verões, dedicando-se à columbofilia e à composição musical.
Esta sinfonia foi ali criada em 1889 e compõe-se de quatro andamentos:
· Allegro com brio: vigoroso e com recurso significativo à percussão.
· Adagio: inicia-se com um solo de violino, mas com um ritmo pouco condizente com essa designação.
· Allegreto grazioso - Molto vivace: compõe-se sobretudo de uma graciosa dança em compasso 3/4, mudando depois para 4/4 com que se conclui de forma muito semelhante ao segundo andamento.
· Allegro, ma non troppo: é o andamento mais turbulento. Começa com uma fanfarra e logo evolui para uma melodia encantadora iniciada com os violoncelos. A tensão cresce e liberta-se quando uma catadupa de instrumentos que tocam o tema inicial cedem espaço para o trinado de uma trompa. A peça termina com uma coda cromática em que os metais e a percussão sobressaem.
Embora menos tocada do que a famosa Nona Sinfonia, esta Oitava também conhece grande sucesso graças à inspiração suscitada pela música tradicional daBoémia.
Dvorak estreou-a em 1890 em Praga,  encarregando-se de dirigir a respetiva Orquestra.


LIVRO: «l’Invention de la pauvreté» de Tancrède Voituriez


Numa altura em que 24,2% da população europeia  está ameaçada pela pobreza ou pela exclusão social, o próximo orçamento plurianual entre 2014 e 2020 da União Europeia irá ter uma redução de 30% na ajuda prevista para os mais desfavorecidos.
Neste contexto de crise, o escritor e economista Tancrède Voituriez, especialista do comércio agrícola e do desenvolvimento, publica este romance sobre a “mundialização feliz”, em que acompanha a história de Rodney, um brilhante economista do Banco Mundial, professor na Universidade de Columbia e conselheiro do secretário geral da ONU.
Através das aventuras económicas, financeiras, políticas e até eróticas desse especialista mundial da pobreza, o autor denuncia com um ácido cinismo, a falsa boa consciência das elites internacionais na luta contra a miséria no mundo.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

DOCUMENTÁRIO: «Os últimos carvoeiros romenos» de Vincent Froehly


Nas montanhas da comuna de Lupeni, na Transilvânia, tem-se a impressão de estar noutro continente, quiçá noutra época. É aí que vivem os carvoeiros romenos. Durante dez meses por ano, trabalham com pó, calor, sujidade e esgotamento. Por um salário miserável, alimentam os barbecues das sociedades prósperas da Europa ocidental.
Essas montanhas dos Cárpatos têm densas florestas, que deram origem a tantas lendas e contos. Esses milhares de hectares de madeira formam uma autêntica caverna de Ali Baba, que suscitam o interesse dos investidores estrangeiros. É que as pessoas da região conhecem bem esse material: cada aldeia conta com o seu carpinteiro, o seu marceneiro e o seu carvoeiro. Este último, o «homem da floresta» está no nível mais baixo da escala social. O seu quotidiano roça a indigência, sem nenhuma das vantagens da vida moderna.
Numa zona em que se fabrica o carvão de madeira, o documentário mostra dois homens a retirarem das brasas o carvão acabado de produzir. Sem qualquer proteção contra os fumos e contra as partículas tóxicas voláteis.
Lajos Balint passou a vida a transformar madeira em carvão. E integra essa classe de carvoeiros romenos, que são os mais pobres de entre os mais pobres dos seus concidadãos. Eles formam o escalão mais baixo da sociedade rural. E, no entanto, eles são detentores de um conhecimento especializado, que mais ninguém possui. É necessária muita experiência, coragem e domínio de conceitos da física para manter aceso o forno de cinco metros de altura durante semanas a fio e saber quando se deve facilitar ou impedir as correntes de ar. Porque deve evitar-se a inflamação dos materiais se se quiser obter, ao fim de algumas semanas, o tão desejado carvão de madeira. Que é exportado na sua maioria para os barbecues europeus sem que ninguém se interesse por saber donde ele vem ou como é obtido. E, no entanto, em pleno coração da Europa, os mestres carvoeiros têm uma vida rude e miserável, sempre a questionarem-se por quanto tempo ainda conseguirão resistir.

FILME: «A Child’s Pose» de Calin Peter Netzer



O entusiasmo que este filme romeno suscitou em Berlim foi suficiente para lhe ser atribuído o Urso de Ouro. Mas, por muito que a interpretação de Luminita Gheorgiu tenha recolhido a quase unanimidade de opiniões positivas por parte da crítica, a efetiva valia do filme está aquém da consagração de que se viu merecedor.
A história é a de uma mãe superprotetora da classe média de Bucareste, decidida a ilibar o filho imaturo dos seus problemas com a justiça: devido ao excesso de velocidade ele atropelou mortalmente um miúdo e é passível de ser condenado por homicídio.
A mãe tenta inocentá-lo, nem que para tal tenha de corromper polícias e testemunhas e obter a clemência da família da criança, que legitimamente levou por diante a ação judicial mas cuja pobreza constitui um forte argumento para se tornar mais facilmente comprável.
Se o filme anterior do realizador, «Maria» (2005) não suscitara grande entusiasmo, este vai no mesmo sentido, mesmo que pretenda satirizar a fratura social hoje constatável no antigo país de Ceausescu. Mas, logo na confrangedora cena inicial, imitação canhestra do estilo Mungiu, se sente que a dimensão de obra-prima está muito longe de passar por aqui...

POLÍTICA: o inamovível gaspar


Aí temos uma vez mais os representantes da troika, prontos a eximirem-se de culpas quanto às consequências das estratégias por eles combinadas com gaspar, já que a responsabilidade política do programa de «ajuda» será sempre do governo, que lhes dá guarida.
Não é que passos coelho mereça alguma condescendência por todo o mal, que tem feito aos portugueses, mas a obsessão ideológica em levar até ao fim um programa, que se vira inevitavelmente contra os seus próprios apoiantes, parece tender a obnubilar-lhe a mente. E a dar demasiada credibilidade a um mago das finanças, que não consegue acertar em nenhuma das suas previsões. E daí a teorizar de forma absurda sobre todas as consequências colaterais da sua ação vai um passo facilmente dado como o demonstra João Galamba na sua página do facebook: Passos Coelho acha que o desemprego é elevado porque (ainda) não há mobilidade/flexibilidade no mercado de trabalho. Exemplo disto é a tese de que parte do nosso desemprego é explicado por haver quem tenha comprado casa e, por isso, está geograficamente limitado na sua mobilidade, não tendo disponibilidade para aceitar, por exemplo, um emprego longe da sua área de residência.
Se Passos se abstivesse de reproduzir em público disparates teóricos sussurrados por Gaspar e olhasse para a realidade, talvez percebesse que, quando o IEFP tem 740 mil desempregados inscritos e apenas 10 mil empregos por preencher, isso é sinal que não estamos perante um desfasamento entre oferta e procura de emprego.
Passos pode flexibilizar e desregular o mercado de trabalho e obrigar os desempregados a 'sair da sua zona de conforto', mas nada disto resolve o problema de base, que é de escassez do volume de empregos disponíveis.'
Mas que gaspar já há muito que mostrava a habitual incapacidade para fazer com que os seus números batessem certos com a realidade, lembra-o Eduardo Pitta no seu blogue («Da Literatura») aonde se serve para o efeito de uma singular revelação inserida no insuspeito pasquim matinal: ontem, o editorial do Correio da Manhã recorda o célebre discurso do Oásis, proferido por Jorge Braga de Macedo quando era ministro das Finanças de Cavaco Silva.
A novidade do texto de Paulo Fonte está na revelação de um episódio que a maioria da opinião pública ignora. Braga de Macedo fez o famoso discurso com base na informação que recebeu de Vítor Gaspar, à época (Setembro de 1992) director do gabinete de Estudos Económicos do ministério das Finanças. 
Portugal é um oásis, disse o ministro. Fez a afirmação apoiado na informação recebida de Gaspar, que previa um crescimento do Produto Interno Bruto de 2%.
Sucede que, em vez de crescimento, a economia recuou 0,7%. Cavaco não perdeu tempo a mudar de ministro das Finanças. Ontem como hoje, Gaspar erra todas as previsões. É bom lembrar o episódio de 1992.
Quando até um veículo de propaganda a favor da direita vem contribuir para a defenestração do ministro das finanças, justifica-se a pergunta de Pedro Lains na sua página na net: onde estão os economistas apoiantes de Vítor Gaspar? O que lhes aconteceu? Como explicam o que se passou? Ou, perguntado de outro modo, alguém ainda consegue ter dúvidas de que a fórmula não funciona? 
No entretanto, Paul Krugman continua a repetir incansavelmente a sua tese óbvia, aqui reportada a partir do «Câmara Corporativa»: “Austerity, Italian Style é o título do artigo ontem publicado por Paul Krugman. O Diário Económico cita o artigo de Krugman: “As nações que impuseram políticas de austeridade severas sofreram crises económicas profundas; quanto mais severa a austeridade, mais profunda foi a recessão. E na verdade, esta relação tem sido tão forte que o próprio Fundo Monetário Internacional, num impressionante mea culpa, admitiu que havia subestimado os danos infligidos pela austeridade”. Que mais à frente sublinha que “a austeridade não serviu sequer para atingir as metas mínimas de redução dos encargos com a dívida”, porquanto o rácio da dívida em relação à dívida subiu. Como é o caso de Portugal.
Façamos votos para que comece enfim a ser ouvido!





ARTE: Yayoi Kusama e a expressão da liberdade



Para Kusama a pintura é a única alternativa à sua loucura: algo de instintivo e de primitivo, mas bem longe da arte. As suas enormes pinturas (algumas com mais de dez metros de comprimento) valeram-lhe um lugar de direito na corrente vanguardista, embora ela apenas as considere uma espécie de cortinas que a separam das pessoas e da realidade. A sua minuciosa concretização conduzi-la-á, pouco a pouco,  a mudar de escala e a virar-se para a criação de ambiências.
Existem vários símbolos a aparecerem com frequência nas obras de Kusama. A ervilha, sua imagem de marca, surgiu-lhe aquando das suas primeiras alucinações e antes de lhe servirem de «ferramenta visual».
Ela vê na ervilha a forma do sol que simboliza o arquétipo feminino da reprodução. O macaroni simboliza o universo feminino (ligado á cozinha) e permite-lhe denunciar a sociedade de consumo em que a alimentação é industrializada. E há o falo, essa verdadeira obsessão de Kusama. Por exemplo  Accumulation #1, apresenta um sofá coberto de protuberâncias, que coseu à máquina e encheu de tecidos.
Numerosos outros objetos conhecerão a mesma lógica, frequentemente relacionada com um universo caricaturalmente feminino. A sua obstinação em explicar esse tipo de obra será interpretado como o desejo de submeter o símbolo do opressor, o próprio pai.
A noção de infinito é um fio condutor em toda a obra de Kusama. Os espelhos desmultiplicam o espaço, as ervilhas colonizam o espaço sem limites, as escadas luminosas não têm princípio nem fim.
Kusama combate o mal pelo mal: os gestos minimais, que ela repete sistematicamente nos seus quadros são um remédio para cuidar das obsessões alucinatórias, que a invadem.
O feminismo está presente em toda a sua obra de forma crítica ou simbólica. Os seus happenings dos finais dos anos 60 colocam a mulher no centro da atenção enquanto símbolo da paz e do amor: realiza-os sobretudo entre 1967 e 1972 com a colaboração de bailarinos ou de hippies. As reivindicações eram sociais, libertárias ou pacifistas e eram apresentadas estrategicamente em locais públicos (sobretudo em Nova Iorque). Frequentemente os participantes estavam nus, pintados com ervilhas e distribuíam-se panfletos antes que a polícia chegasse.
Outros happenings, organizados em espaços fechados, e intitulados «Orgias», abordavam a liberdade sexual.
O filme Kusama’s Self-Obliteration,  realizado por  Jud Yalkut, mostra essas iniciativas. A nudez é a única coisa que nada custa, dizia Kusama. Esse tema é recorrente, quer para abordar a liberdade sexual, quer para denunciar uma sociedade hiperconsumista.
E mostra-a fascinada pela capacidade dos media em fazerem circular rapidamente as suas ideias e imagens. Por isso cuida de garantir a presença da imprensa nesses happenings, consciente da sua importância...

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

POLÍTICA: Israel ameaça comunidade palestiniana com quatro milénios



São milhentas as lutas em curso na Palestina para resistir à permanente agressão israelita. Para quem é de esquerda e se comove com o sofrimento dos judeus ao longo da sua História, particularmente durante o Holocausto, o presente gera sentimentos ambivalentes, quando vê os descendentes das vítimas do passado a transformarem-se nos algozes das do presente.
Mas a luta palestiniana não diz apenasrespeito à defesa da dignidade e do direito de sobrevivência do seu povo. Há também a luta pela sua cultura milenar, sempre ameaçada pela arrogância ignorante do ocupante.
Uma dessas lutas mais pertinentes nesta altura passa-se no pequeno vale de Battir a sudeste de Jerusalém, cuja população solicita a urgente classificação da região como Património Mundial da Humanidade pela Unesco para evitar a sua total destruição.
Justifica-o a existência de um milenar e engenhoso sistema de irrigação, que está ameaçado pela construção do apregoado muro de segurança de mais de 700 quilómetros de extensão pretendido por Israel.
A paisagem, única no seu género, integra os socalcos nas colinas, que possibilita as ricas plantações agrícolas com mais de quatro mil anos de existência, alimentadas pelo sistema de canais construídos com pedras, que levam a água desde os poços da aldeia até às vinhas e aos olivais das encostas ali ao lado.
A construção do muro seria fatal para o equilíbrio ecológico do vale. E os habitantes, camponeses na sua maior parte, deixariam de poder aceder aos seus campos sem terem de passar por um controle de identidade.
Em vez de se conformar com a prepotência do seu agressor, o povo de Battir insiste em defender o seu direito a continuar a existir…
Luta difícil face a um inimigo poderoso, que não hesita em espoliar para si as melhores terras e as raras nascentes com que conta irrigar as suas próprias culturas.

ARTES PLÁSTICAS: Yayoi Kusama


É uma das mais singulares artistas do nosso tempo por ser autora de uma obra de sucesso particularmente vistosa e de nós aqui desconhecida.
Nascida em 1929 em Matsumoto, perto de Nagano, Kusama cresceu numa sociedade de raiz patriarcal, aonde a precoce vocação artística foi muito mal entendida. A mãe, por exemplo, não conseguia compreender a necessidade de, através da pintura, ela exorcizar os efeitos dos seus distúrbios mentais. O que explicaria o tom anti machista, igualitário e provocador de toda a sua obra futura, assumidamente orientada para as exigências de liberdade e de justiça.
Tudo começou com alucinações, explica ela enquanto origem da sua obra. Tinha cerca de dez anos e, um dia, depois de ver na mesa uma toalha decorada de flores vermelhas, olhou para o teto e viu-as reproduzidas por toda a volumetria circundante. Ela própria, a exemplo do universo, estava decorada com essas mesmas flores vermelhas. Doravante, alimentará essa impressão de se ver integrada no cenário.
Nos anos 50 surgem as suas primeiras obras, constituídas por desenhos e aguarelas a reproduzirem temas recorrentes e oriundos das suas alucinações infantis.
Em 1957 troca o Japão pelos EUA e irá integrar-se nas escolas artísticas então aí dominantes: o psicadelismo, a pop art…
Com sucesso, já que as suas Infinity Net Paintings, expostas na Galeria Brata, valem-lhe novos e prestigiados convites para novas mostras da sua obra, entre as quais se destaca a que - One Thousand  Boat Show  - ocorre em 1964 na Galeria Gertrude Stein.
Em 1966 participa na Bienal de Veneza sem ser convidada e sem autorização, lançando com a ajuda de Lucio Fontana - que lhe emprestara o seu atelier nessa altura - mil e quinhentas bolas espelhadas para os canais. Regressará à Bienal em 1993, mas nessa altura enquanto representante oficial do Japão.
Em 1973 decide voltar ao país natal, ao confessar-se mentalmente esgotada. Quatro anos depois é internada num hospital de Tóquio, aonde são criadas condições para que continue a trabalhar com o apoio da sua equipa. Será já nesse novo quadro de vida que se virá a celebrizar com as suas instalações de espelhos, bolas encarnadas e brinquedos, no meio dos quais ela se coloca em cena. Mais recentemente dedicou-se a pinturas naïves em cartão.
Ao longo destes últimos quarenta anos, Kusama tem feito exposições um pouco por todo o mundo, mas realce-se de entre elas a retrospetiva apresentada há cerca de um ano no Centro Georges Pompidou. Nessa altura puderam-se apreciar cerca de 150 obras concebidas e concretizadas entre 1949 e 2010.

POLÍTICA: preparar as guilhotinas?


Como de costume uma das crónicas mais interessantes da edição do «Expresso» desta semana é a de Pedro Adão e Silva, que começa por lembrar o texto de um memorando redigido em  1786 por Jean Charles–Alexandre de Colonne, então ministro das Finanças do rei Luís XVI: "É impossível aumentar impostos, desastroso continuar a pedir emprestado, e cortar despesa, é simplesmente desadequado".
A história, como se sabe, acabou mal para quem era então o detentor do poder: Luís XVI e os seus principais apoiantes acabaram por perder a cabeça no engenhoso mecanismo do senhor Guillotin.
Conclui o conhecido professor do ISCTE: "Infelizmente para nós, enquanto acharmos que é possível pagar dívida externa com os recursos que resultam da atividade económica doméstica, estamos condenados ao fracasso".

FOTOGRAFIA: As ruínas modernas de Julia Schulz-Dornburg


Há tão só cinco anos milhentas gruas apontavam aos céus espanhóis. Por quilómetros infindáveis estendiam-se lotes em construção, terrenos urbanizados já dotados de infraestruturas, incluindo de iluminação pública…
Era a época em que, por toda a União Europeia, um em cada três projetos imobiliários tinham a Espanha como local de implantação.
A um programa de urbanização logo outro se sucedia nas planícies à volta das cidades. Mais a sul, nas costas mediterrânicas, os índices de urbanização rivalizavam com os da capital, para que se tornasse possível o sonho de uma Flórida europeia, uma espécie de Miami Beach, que se alongasse por todo esse litoral.
A bolha  não tardou a estoirar e milhares desses projetos acabaram por falir. Os promotores tiveram de renunciar aos seus lucros especulativos e os compradores a uma residência principal ou secundária à beira-mar.
Construía-se para os turistas, para os espanhóis abonados e para os reformados do norte da Europa, que desejassem passar os seus anos crepusculares ao sol.
Segundo as estatísticas oficiais existem 800 mil residências desocupadas na Península Ibérica, alguns que valiam mais de 2 milhões de euros. Essas casas simbolizam a «ruína» nos dois sentidos do termo - o financeiro e o arquitetural.
A arquiteta e fotógrafa Julia Schulz-Dornburg nasceu em Dusseldorf, mas vive em Barcelona, e tem estado bastante ocupada na imortalização desses cenários pós-apocalípticos, que transformou no álbum «Ruínas Modernas. Una topografia de lucro».
Nas suas imagens vêem-se avenidas a desembocarem no vazio, linhas de fuga  definidas por postes de iluminação que jamais serão eletricamente alimentados e filas de construções abandonadas, que lembram esqueletos de dinossauros.
Fotografias que, nalguns casos, possuem inegável beleza, mas espelham uma catástrofe política, social e ambiental.




domingo, 24 de fevereiro de 2013

LIVRO: «Ego - Das Spiel des Lebens» de Frank Schirrmacher


Acabado de publicar na Alemanha, o livro mais recente do diretor do diário conservador alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, suscita justificada controvérsia por constituir uma crítica contundente ao capitalismo e a reabilitação do pensamento marxista na análise presente.
Se os próprios conservadores já têm de se curvar perante os modelos de pensamento do marxismo, é porque a conjuntura atual está, de facto, a confrontá-los com o fracasso dos axiomas até agora seguidos pelos seus mais extremados defensores.
Para Schirrmacher, vivemos no tempo do Homo Economicus, um monstro egoísta, desconfiado, temeroso e sempre a julgar o vizinho capaz das piores ruindades.
Trata-se de um ser calculista, que sacrifica as relações de amizade e profissionais em proveito do altar do lucro e que, quer na vida amorosa, quer em todos os demais aspetos da sua existência, tenta sobrepor-se aos demais.
Essa corrida permanente contra os potenciais concorrentes acaba por lhe roer a alma e destruir a democracia.
Agenda política, ações na bolsa, lista de contactos: na nossa sociedade da informação tudo se vende, tudo se compra, e favorece essa nossa condição de egoístas.
O Michael Douglas dos filmes de Oliver Stone sobre Wall Street é o paradigma desse homo economicus, que apressa as conjeturas marxistas sobre o estado final do capitalismo: aquele em que a acumulação de capital num número cada vez menor de gananciosos cria as condições favoráveis para uma reviravolta total em que todos os valores voltam a estar em equação. Em que o realismo volta a ser o pedido do impossível!
Não tanto pela justeza da análise (Schirrmacher continua a ser um ideólogo situado politicamente à direita!), mas pelos sinais de impasse em que essa área política se vê enredada, o livro em causa merece a nossa atenção.


POLÍTICA: mais um amigo do relvas


No editorial desta semana o diretor do «Expresso» lamenta a suposta agressividade dos protestos contra relvas, porque, no seu entendimento, só contribuem para o manter no seu posto: Passa a vítima e mantém-se no Governo porque nenhum governo pode afastar um ministro quando está a ser acossado desta forma.
Resultado: o falso ingénuo Ricardo Costa preferiria que se calassem as vozes, porque seria essa a forma de ele se denunciar no que é (como se ainda precisássemos de mais provas!) e seria assim mais fácil correr com ele.
E, por isso, ameaça: se o atacarem de forma rasteira, ele mantém-se e será defendido por muita gente, a começar por mim!.
Temos, pois, o temível Ricardo a liderar a liga dos amigos e defensores de relvas.
Ficámos esclarecidos!

ARTE: Faten Rouissi


Não é apenas no teatro, que as mulheres tunisinas estão a lutar pela defesa dos seus direitos na ambígua Revolução em curso no seu país.
Nas artes plásticas, temos Faten Rouissi, que ocupa em Sidi Bou Saïd o mesmo espaço onde outrora viveram numerosos escritores e pintores, entre os quais Chateaubriand, André Gide e Paul Klee.
A temática da obra de Faten é a da condição feminina, tanto mais que a assusta a cada vez maior utilização da niqab enquanto vestuário das mulheres tunisinas. Algo que era tão raro ainda há pouco tempo.
Impedir o recuo civilizacional da condição feminina no seu país constitui a preocupação quotidiana da artista, que para tal cria novas peças e organiza incansavelmente exposições para as revelar.