quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

LITERATURA: Ciclo Lawrence Durrell, 3 - «Caderno Negro» (livros II e III)


O Livro II apresenta-nos alguns dos colegas de Lucifer na escola de Honeywoods, entre os quais Miss Smith, uma estudante negra que dá ao mundo uma grandeza de pura sensação.
Esses personagens parecem-se tão heráldicos quanto as cartas do Tarot, captados nesse instante nos atributos e papéis respetivos. Insaciáveis, dedicam-se intensivamente aos jogos do amor e da carne.
No Livro III, Gregory casa com Grace e liga-se depois a Kate  a quem nada tem a dizer. O diário conclui-se com o seu testamento em que lega aos amigos algumas parcelas da sua personalidade. Cabe a Lucifer a tarefa de emitir as conclusões. É inverno, fica em paz com os demais personagens, começa a compreender Chamberlain, amadureceu.
Nenhum resumo conseguiria ser fiel a uma obra tão laboriosa: o «Caderno Negro» apresenta, em forma de ficção, o ano passado por Durrell em Londres no início dos anos 30, período de marasmo, de esterilidade numa Inglaterra exangue. Com uma ação que se projeta num espaço, enquanto o tempo é aniquilado, criam-se elos simbólicos, que prefiguram «O Quarteto de Alexandria».
Esboça-se aqui a via original escolhida por Durrell: escrever confissões de uma forma «heráldica» (é assim que ele qualifica assim o seu universo romanesco).
Ficam aqui demonstrados elementos chave da obra do autor: narradores múltiplos, diários, cartas, análises, descrições destinadas a criar uma atmosfera, estruturas complexas, que se desenvolverão posteriormente.
Durrell sempre se confessou bastante ligado a «Caderno Negro»: ao escrevê-lo, ouvi pela primeira vez o som da minha voz ...trémula, talvez insegura, mas ainda assim, a minha. (O livro) encorajou-me a pensar na possibilidade de conseguir tornar-me num escritor a sério.
Romance de aprendizagem em todos os sentidos do termo, conta a luta de Lawrence- Lucifer-Durrell contra a resignação, fatalismo, niilismo (que simboliza o universo inglês) e o acesso à vida, à criatividade (que encontra no calor, na cor, na fertilidade do mundo grego aonde acaba por se radicar).
Precursor do «Quarteto» ele inova na linguagem, fluidifica-o, de alguma forma desconstrói-o até lhe conferir o sentido de um presente intemporal figurando o Tempo.
Pela sua narração ao mesmo tempo naturalista e poético, pela riqueza da linguagem e do estilo, «Caderno Negro» constitui uma etapa maior no percurso literário de Durrell bem como um desenvolvimento não negligenciável da técnica romanesca contemporânea.

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