quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O problema da economia lusa reside na baixa qualidade dos seus gestores e acionistas


Eles comem tudo, é o que escreve Marco Capitão Ferreira no «Expresso», e refere-se aos já denunciados pelo Zeca na sua célebre canção. É que ouvimos as “eminências” do costume, formatadas pelo pensamento ideológico das direitas, a considerarem como problema maior da falta de competitividade das empresas portuguesas a produtividade dos que nelas trabalham. Mas, como assim, se basta mudarem de país para, logo, os mesmos trabalhadores “improdutivos” logo se baterem, de igual para igual, com os novos colegas desses destinos de emigração? Ou como assim se a produtividade na Autoeuropa é muito maior do que na generalidade das empresas pertencentes a acionistas nacionais? Conclui o autor da crónica: “parte (talvez mesmo a maior parte) da falta de competitividade da nossa Economia não vem do fator trabalho, vem do fator capital.”
Ou seja: mais ainda do que os trabalhadores, que carecem de formação (e já agora de melhores meios de produção!) para aumentarem as competências, deveriam ser os gestores e os acionistas a recebe-la para se tornarem aptos a solucionarem as disfuncionalidades na organização das empresas e decidirem melhores estratégias para as alavancar. E, no entanto, são eles quem reivindicam bónus e dividendos muito acima do que mereceriam. Como acaba de se comprovar num estudo hoje divulgado, que denuncia as excessivas remunerações dos acionistas portugueses, só superados na tabela em causa pelos congéneres russos...

A desonestidade de quem usa a CGD como arma de arremesso (por não ter outra)


A obsessão das direitas com a Caixa Geral de Depósitos já dura há tantos anos, quantos os por elas gastos na ânsia de tudo privatizarem em nome do lema «menos Estado, melhor Estado», que é mero logro por significar, de facto, «quanto menos Estado, mais lucro para os donos disto tudo», ou, noutra versão igualmente simplificadora «quanto menos Estado, menor será a força sindical dos comunistas».
Passos Coelho andou a querer afundar o remanescente banco estatal o mais que pudesse, porque a crise levara muitos dos seus apoiantes a desaconselharem-lhe a intenção explicitada no livro, que publicara ainda Sócrates era primeiro-ministro, razão para se convencer que, quanto mais falido ele estivesse melhor o transferiria para um daqueles fundos-abutres do tipo do que viria a contratar a sua ministra das finanças, quando ela se tornou uma anónima deputada.
Agora que, a pretexto da auditoria publicitada no canal da Cofina, quer Rio, quer Cristas, julgam ter filet mignon a que se agarrarem até às eleições, explorando a ideia de um forrobodó de indevidos créditos a uns quantos vígaros, que acabaram por ali legar escandalosos calotes, é altura das esquerdas alterarem o tpo de reação que vêm tendo sobre o assunto.
Não sei se secundam a intenção de Passos em tudo fazerem para acabarem com o que resta de um setor público bancário (desconfio que, pelo menos em Cristas, o desejo se mantém!), mas motiva-os o oportunismo de uma tese, que tudo esquece: essa estratégia de facilitação de créditos ter ocorrido antes da falência da Lehman Brothers em 2008, que precipitou a crise global, e ter até havido ordem da Comissão Europeia, então liderada por esse expoente de «competência» chamado Durão Barroso, para que se investisse nas economias tanto quanto possível enquanto paliativo para responder a esse súbito tsunami financeiro.
Mas seria de esperar que houvesse alguma honestidade intelectual em quem continua a defender que fora o governo de então, e não a crise de 2008, a obrigar o país a recorrer à troika?
Talvez se revele, pois, judiciosa a iniciativa do PS em propor a Comissão de Inquérito no Parlamento, mesmo sabendo-se que nada de novo irá apurar. Mas, pelo menos retira capacidade de iniciativa às direitas e pode impor o âmbito do que vier a ser inquirido, nomeadamente as mesmas políticas de crédito noutras administrações, que não a liderada por Santos Ferreira. Ou o papel assumido pelos que o PPD e o CDS impuseram como jokers em tais administrações, como foram os casos de Celeste Cardona ou Nuno Fernandes Thomaz, ex-deputados do CDS cujo curriculum não seria mais adequado que o do tão diabolizado Armando Vara.
Como propunha Louçã na sua crónica de ontem, no «Expresso», este é o tempo em que as esquerdas só contrariarão as dinâmicas das direitas mais extremas, se se deixarem de mesuras e partirem decididamente ao ataque.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Quem não se sente não é filho de boa gente!


Excelente o texto de Marisa Morais, hoje inserido no «Público», em que a autora declarou ter ficado deliciada com a resposta de António Costa a Assunção Cristas na Assembleia da República. Porque, embora o CDS continue a pretender usar o despique em seu favor - e esse inenarrável Telmo Correia assim o fez para as televisões no dia de ontem! - a verdade é esta: quem não se sente, não é filho de boa gente. Ora se há apontamento interessante na biografia do primeiro-ministro é o de ter tido por pais um escritor e uma jornalista dos mais meritórios entre os que combateram o salazarismo-marcelismo. Já dos pais de Assunção Cristas pouco mais se sabe do que o terem sido retornados de Angola, sem imitarem muitos dos que de lá vieram e se integraram no pensamento democrático e anticolonialista, que a Revolução de Abril consagrara.
O fulcro da questão é, porém, outro, aquele que Marisa Morais aborda: António Costa respondia a uma pergunta indecente, claramente provocatória, da interlocutora, porque alguma vez se vira um primeiro-ministro ser interrogado no parlamento quanto a apoiar ou desapoiar atos de vandalismo, quando eles ocorreram? Porque haveria António Costa de ser o primeiro? Que tem ele de diferente em relação aos predecessores? A resposta quanto à cor da pele surgiu como perfeitamente natural perante quem nasceu e cresceu num ambiente colonialista, em que a supremacia dos brancos sobre os «indígenas» - como o Estado Novo crismou as populações efetivamente naturais no seu suposto império! - era o discurso e a prática oficial.
O comportamento mal-educado da criatura só pode ter esse recôndito preconceito na mente: por muito que procure iludir o racismo, que procura ocultar nas meninges, ele surge inevitável, quando depara à sua frente com um primeiro-ministro que a irrita por ser muito inteligente, irrepreensivelmente competente e, ainda por cima, com um tom de pele que não tem o seu imaculado tom.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Eu, ex-utente da Medicina privada, me confesso...


Confesso a incoerência de, apesar de defensor do Serviço Nacional de Saúde, ter frequentado a medicina privada nos últimos dezoito anos, a pretexto de ter no meu package remuneratório como diretor da última empresa para que trabalhei, esse complemento. Posso, pois, falar com toda a propriedade do que ali se passa, já que fiquei surdo do ouvido direito numa operação, que deveria ter-me apenas solucionado o problema das vertigens (reposicionando os respetivos cálculos no ouvido interno) ou vivi muitas situações hoje empoladas pelos media quanto ao que se passa em hospitais públicos - consultas desmarcadas, médicos que faltam ao serviço, esperas exageradas nas salas a tal dedicadas. Nalgumas dessas situações preenchi a reclamação no respetivo livro, recebendo depois os correspondentes pedidos de desculpa e a promessa de tudo irem alterar. A definitiva defeção dessa opção. enquanto serviços prestadores de saúde, ocorreu em finais do ano transato, quando preenchi a mais recente dessas reclamações e, violando a legislação em vigor, nem resposta obtive.
Estamos, pois, conversados sobre a qualidade da Medicina privada. Falta falar dos custos, porque nela somos pressionados a multiplicar-nos em exames desnecessários, que acabam por esgotar a verba assegurada pelos seguros de saúde na segunda metade do ano, altura em que o pagamento de consultas e exames cresce exponencialmente. E isto apesar de, enquanto casal, pagarmos mais de mil euros anuais para sermos detentores desse ilusório cartão, que nos prometia englobar quase tudo quanto fosse necessário em caso de doença! Sendo ambos saudáveis (apesar dos achaques próprios da idade!), quanto tempo nos duraria a verba autorizada pelo seguro de saúde em caso de uma qualquer doença grave?
Somos, pois, testemunhas do negócio indecoroso que os grandes grupos privados fazem com a saúde de quem lhes cai na rede. Mas pior ainda é a tentativa porfiada de, além de esvaziarem a carteira dos clientes, os quererem duplamente espoliar através do Estado, para tal dificultando a aprovação de uma Lei de Bases da Saúde, que lhes possa fazer infletir o esbulho atual de um em cada quatro euros de encargos do Orçamento Geral do Estado com o setor, ir-lhes parar invariavelmente às mãos.
Compreende-se, pois, o estímulo que Marcelo sente em recandidatar-se a um novo mandato: tendo o setor privado perdido os seus grandes lobistas dentro do Partido Socialista (Maria de Belém e Óscar Gaspar) só de Belém pode vir o travão a que a Constituição se cumpra e a universalidade da prestação pública de serviços de saúde continue condicionada, quer pelas PPE’s - grande preocupação de Assunção Cristas no mais recente debate quinzenal no Parlamento - quer pelos exames clínicos, que o Estado ainda tarda em ter (e quando os garante logo há quem os vá roubar como sucedeu há dias!).
A luta por um verdadeiro Serviço Nacional de Saúde tal qual António Arnaut o concebeu, e continuou a defender, irá continuar a estar na ordem do dia nos próximos meses, e quase por certo na legislatura que se seguirá. Porque o maná é demasiado suculento para que os interesses privados dele prescindam e contam com a prestimosa colaboração de Marcelo para que assim continue...

O homem de mão de Trump para acelerar o golpe na Venezuela


Verdadeiro circo de horrores é o que continua a desenrolar-se na Venezuela com o sucesso do golpe de Estado, ou da intervenção militar dos States (caso aquele falhe!), em contagem decrescente. Agora a Administração Trump nomeou um reconhecido biltre para ser o seu enviado especial - eufemismo para homem de mão - nos assuntos relacionados com um dos escassos países latino-americano, que ainda escapam ao seu expansionismo imperialista.
Elliot Abrams trabalhou com Reagan na época do escândalo Irão-Contras, no qual esteve ativamente comprometido, e por isso mesmo chegou a ser condenado por crimes de omissão de informação ao Congresso. Indultado por Bush-pai, que recorreu aos seus «especializados» serviços durante a guerra contra o Iraque, confirmou dar-se-bem com missões de sabotagem e conspiração contra países exportadores de petróleo. Prova disso mesmo foi o seu envolvimento no golpe contra Hugo Chavez em 2002, que se saldou por rotundo fracasso.
Trump dá-lhe agora a oportunidade de obter a desforra...
(Singularmente muitos dos que me leem ainda continuam a achar que tudo se resume à luta de irrepreensíveis democratas contra um ditador, dissociado do seu povo. O que não admira se as televisões ocidentais só transmitem imagens das manifestações contra Maduro, escusando-se a revelar as de igual dimensão de quem o apoia!).

domingo, 27 de janeiro de 2019

Que levará pessoas inteligentes a defenderem o mesmo que Trump?


Um tweet da Bárbara Bulhosa é de particular acuidade no atual momento político venezuelano: tendo sido Trump o primeiro a reconhecer a «legitimidade» do golpista Juan Guaidó, fica tudo dito. Pelo menos para quem segue a regra - o meu caso! - de ser correto tudo quanto for o exato contrário do que o pato-bravo da Casa Branca defende. Que pelos vistos não é o que pensam alguns amigos que, no facebook, têm discordado da aqui denunciada evidência de tão súbito afã pela democracia por parte dos EUA e da União Europeia só se dever ao oceano de petróleo oculto nas profundezas do solo venezuelano.
Julgam porventura que a pobreza é menor nas Honduras ou na Guatemala, onde mandam ditadores por conta do tio Sam e que até justifica as caravanas de desesperados a porem-se a caminho da «terra dos sonhos», porque lhes venderam a ilusão de ali encontrarem alternativa à miséria em que vivem? Porque mostram tanto ódio por Maduro e total indiferença pelo guatemalteco Jimmy Morales ou pelo hondurenho Juan Orlando Hernandez, cuja reeleição foi assegurada por um escrutínio muito mais fraudulento do que os realizados na diabolizada Venezuela, ademais tendo por irmão um comprovado chefe das redes de narcotráfico da América Central?
Pessoalmente custa-me a compreender que pessoas inteligentes esqueçam a natureza expansionista do imperialismo norte-americano, e predatória dos respetivos capitalistas, adotando posições políticas, que vão a contracorrente do que significa maior justiça e igualdade para os tais 99%, desapossados da escassa riqueza para maior acumulação de lucros dos 1% restantes. Quando farão aquele tal pequeno esforço para serem, um niquinho que seja, mais revolucionários?
(Porque quase por certo os que manifestam ódio por Maduro não conhecem os dois fantoches acima referenciados aqui ficam os retratos para que prestem alguma atenção a quem merece ainda maior indignação do que àquele votam. Acrescenta-se também uma reportagem televisiva sobre a repressão militar exercida há cerca de um ano sobre o povo hondurenho e pelo qual não vi aquilo ninguém libertar umas lágrimas, nem que fossem de crocodilo).

A manipulação do «Correio da Manhã» e da SIC a encontrar eco em quem não esperava


No artigo de opinião de hoje no «Público» João Miguel Tavares assume algo, que, para espanto meu, subscrevo por inteiro: se tiver de escolher entre Mamadou Ba, que foi alvo de uma campanha soez de assassinato político nos últimos dias, e os dois energúmenos de um partido fascista, que andaram a segui-lo e a provoca-lo numa atitude de assédio inaceitável, a opção é óbvia: pôr-me-ei ao lado do assessor do Bloco de Esquerda. Porque se a sua expressão a respeito da polícia não foi a mais feliz, não podemos esquecer que os Observatórios Europeus sobre a Segurança dos cidadãos estão de olhos postos em Portugal, porque são demasiados os casos de violência perpetrada pelos seus agentes sem que as autoridades os investiguem devidamente e sancionem os culpados. O exemplo verificado uns anos atrás em Guimarães, com um homem  (branco) a ser barbaramente agredido por um polícia, junto ao filho, com quem se deslocara para ver um jogo de futebol, vai-se replicando nos dias que correm, embora sem as câmaras das televisões ou os smartphones a testemunha-lo.
Não escamoteemos o facto de existirem infiltrados de movimentos neonazis nas polícias ou nas forças armadas. Identificá-los e expulsá-los é tarefa urgente para impedir que o veneno se propague mais do que até aqui. Porque a situação agrava-se: ao partilhar um post de Uma Página numa Rede Social em que se denunciavam as fake news espalhadas pelo «Correio da Manhã» e pela SIC sobre os rendimentos do referido Mamadou Ba, deparei-me com amigos, que considero ponderados e aparentemente dissociados de simpatias pró-neonazis, a reagirem emotivamente contra a vítima de tais notícias falsas sem se deterem um momento que fosse na razão de ser da desinformação dos dois órgãos de (des)informação social. E aí volto ao texto do escolhido por Marcelo Rebelo de Sousa para as comemorações do 10 de junho: ele tem todo o direito a manifestar o que pensa sobre violência policial, porque a liberdade de pensamento é um direito constitucional, que lhe está reconhecido. Ao invés, os fascistas que o ameaçam, o insultam, o assediam, não podem reivindicar-se de idêntico direito, porque a sua ideologia está taxativamente proibida pela nossa Lei Fundamental. Desconheço o que o Ministério Público anda a fazer a tal respeito, mas só espero que, muito rapidamente, esses defensores de ideologia criminosa sejam rapidamente confrontados com a ilegalidade dos seus atos.
Consola-me o facto de continuarem a ser tão poucos que, na manifestação por eles convocada anteontem para o Terreiro do Paço, apenas trinta tenham comparecido à chamada. Até ver, nem eles, nem os simpatizantes do Ventura, conseguirão respaldo eleitoral com o mínimo significado nas eleições deste ano. Mas, se nada for feito para esmagar a serpente enquanto está no ovo, ela sairá da casca e mostrar-se-á letal, quando muito mais dificilmente for contrariada.

sábado, 26 de janeiro de 2019

(S) Homenagem a Michel Legrand no dia da sua morte

Como é possível ainda nele (com assumida minúscula) crer?


A minha desafeição de Deus ocorreu tão cedo, que nem a primeira comunhão fiz, apesar de, regularmente, acompanhar a família ao deprimente espetáculo da fé interesseira em torno da Senhora de Fátima. Quantas vezes ouvi o discurso de lá ir para que a saúde melhorasse ou um sobrinho passasse sem mazelas pela guerra em África? Quem lá se deslocava - e presumo que quem o continua a fazer - não pede aos transcendentes poderes, que o mundo melhore, se torne mais justo. Olha para o umbigo e, em função dele, acende velas ou repete preces.
Vem isto a propósito do confirmado desenlace da tragédia de Málaga. Ao fim de treze esforçados dias os mineiros e os bombeiros resgataram o corpo sem vida da criança de dois anos, que caíra num profundo poço. E perante os que se continuam a dizer crentes num qualquer deus monoteísta - católico, protestante, muçulmano, judeu ou qualquer outro! - importa colocar a pergunta: não é esse deus omnipotente, omnipresente  e onisciente? Não tem poderes ilimitados, não está em todo o lado e de tudo sabe? Como poderia tal entidade, se acaso existisse, conformar-se com o triste fim de uma inocente criatura, que deveria merecer-lhe acrescida proteção?
Não careço destas perguntas para me afirmar ateu. Negar a existência de Deus é facílimo se nos situarmos numa lógica científica, racional. Mas, acaso viesse a depreender quanto ao meu erro, só poderia considerar que esse deus não é de confiança, mente, incita à violência, arrecada riqueza, discrimina uns povos em detrimento de outros, entre outras patifarias, como no-lo apresentou Saramago, que concluía: "Deus rancoroso, vingativo e má pessoa".