quarta-feira, 28 de outubro de 2020

(I)maturidade e clarificação

 


Na edição diária do «Expresso« li a crónica de Francisco Louçã na sequência do acatamento que o seu partido fez das orientações que, pela televisão, pelos jornais, e provavelmente por via direta, deu a quem o dirige. O texto não traz nenhuma novidade a não ser aquilo que já intuíramos: não satisfeito em ter reduzido o Bloco dos 9,82% para os 5,17% depois de facilitar o acesso de Passos Coelho ao poder em 2011, Louçã confirma a ilação de ser burro velho, que não aprende latim. Ao conhecer a tomada de posição de algumas pessoas de reconhecido mérito, que colaboraram com o partido em diversas ocasiões e agora o censuram, confirma-se a ideia de uma significativa distinção entre os dirigentes do Bloco e os seus eleitores. Como aludia Pedro Adão e Silva num programa televisivo os eleitores do partido apoiam-no para pressionar o Partido Socialista a ir mais à esquerda do que pressupõe a sua atual direção, ficando órfãos dessa perspetiva ao vê-lo levantar-se em sintonia com os partidos da direita com que nunca deveriam encontrar afinidades.

É claro que pode justificar-lhes a decisão aquilo que outro comentador aventa como a aposta de todas as fichas no que possa acontecer nos hospitais nos próximos três ou quatro meses.  O problema é que podendo sempre vangloriar-se de - como diria Cavaco Silva! -, «ter avisado» no caso de tudo correr mal, acabará por ficar sozinho na fotografia se a o contrário acontecer. Nesse caso nunca conseguirá dissociar-se da imagem de ter sido o partido que desertou e se juntou á direita. O que confirmará a tal clarificação que António Costa referiu na sua intervenção na Assembleia da República: pondo-se à margem da confluência das esquerdas, o Bloco torna-se irrelevante, devolvendo ao Partido Comunista - que deu mostras de sentido de responsabilidade neste momento político! - o protagonismo que procurou sonegar-lhe.

Nestes dias já me lembrei muitas vezes do saudoso João Semedo. O que pensaria ele desta situação? Ou o igualmente saudoso Miguel Portas, cuja morte também possibilitou este imerecido ascendente de Louçã sobre os que, só aparentemente, lhe sucederam à frente do Bloco?

Há uns anos atrás numa das universidades de verão da revista «Manifesto», a Ana Drago entusiasmou-se com a possibilidade de, caído o impopular governo de Passos Coelho, haver espaço para que o partido, de que era ainda dirigente, assumisse responsabilidades governativas.

Olhando para ela com o sorriso irónico de quem se enternece com tal candura, Semedo perguntou-lhe: «e a camarada sente-se com maturidade para assumir essas responsabilidades?»

Todo este lamentável episódio demonstra que Catarina Martins, Mariana Mortágua ou Pedro Filipe Soares continuam sem ter essa imprescindível qualidade!

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Quando o possível é preferível ao desejável

 


Há uma frase de Muhammad Ali com que muito me identifico. Orgulhava-se o conhecido pugilista de nunca ter sido derrubado, porque sempre se soubera levantar do tapete. E assim me comportei toda a vida: mesmo nos dissabores sempre me convenci de serem meramente conjunturais, deles havendo que recolher os conhecimentos e a experiência para, quando circunstâncias semelhantes ocorressem, melhor as soubesse superar.

Um documentário de quase duas horas, que diversas cadeias televisivas estão a emitir, mostra ser essa a melhor característica de Joe Biden, aquela que porventura lhe dará acesso a um cargo para o qual lhe faltam evidentes qualidades. Mas, quando do outro lado está apenas um personagem, uma marca sem substância a não ser na da mais execrável maldade, convenhamos que será preferível quem se foi, década após década, reinventando depois de ter perdido entes queridos em momentos-chave da sua vida ou dececionando quem dele esperara atitudes determinantes quando estavam em causa valores hoje inquestionáveis para quem os quer ver traduzidos em políticas concretas nos próximos quatro anos.

Convenhamos que Kamala Harris, que o acompanha como candidata à vice-presidência, também não é um modelo de virtudes. Nas suas contradições sobre a justificabilidade ou não da pena de morte ou na vertente arrivista, que a fez introduzir-se habilmente nas mansões de Pacific Heights, existem limitações de carácter, que quase por certo replicarão as censuras devidas a Barack Obama por ter estilhaçado o capital de esperança de que se vira investido - e até consagrado com um Nobel da Paz! - e depois esteve ao nível do mais tenaz falcão imperialista.

Um e outro não se equiparam a Bernie Sanders ou Elizabeth Warren, que constituiriam o tandem de sonho para a Casa Branca e, ironicamente sonhando mais alto, com Michael Moore à frente da Fox News, mas é o que há e a mais não os sabemos obrigados conquanto nos livrem de quem tanto dano fez às relações internacionais e, sobretudo, a causas urgentes como as do clima.

A ganharem, Biden e Harris confirmarão que, na política, mais valerá ficarmo-nos pelo que é, em cada momento, o possível, porque o desejável está longe de ser a opção mais sensata. Mas isso é lição ainda não aprendida pelos atuais dirigentes do Bloco de Esquerda...

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Declaração de mudança de voto

 


Com muita pena minha vejo-me obrigado a mudar o anunciado voto em Marisa Matias para as presidenciais. Excluindo-se naturalmente Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes ou André Ventura como merecendo o meu apoio - mesmo reconhecendo que correspondem a níveis diferentes de virulência! - dispunha-me a votar num dos candidatos dos partidos, que tinham possibilitado o governo de António Costa durante a legislatura anterior e mantivessem a predisposição para prosseguirem a convergência à esquerda mesmo em condições de mínimos denominadores comuns. Nesta altura da vida em que vejo minguado o conteúdo da parte superior da ampulheta, não me apetece aturar novos governos de direita. Por isso mesmo exijo dos partidos de esquerda que se entreajudem em vez de darem oportunidades absurdas aos que estão do outro lado da barricada.

Durante as últimas semanas fui assistindo aos sinais de progressivo afastamento do Bloco de Esquerda dessa convergência atribuindo-a aos ardores retóricos dos seus dirigentes. Na hora da decisão, e cumprindo aquilo com que Ricardo Araújo Pereira ironizara num dos seus programas, acabariam por evitar aquilo que acabam de fazer: juntarem-se a toda a direita. Nesse sentido dão razão àquela ilação histórica de, em condições determinantes, haver quem se queira tão de esquerda, que dá a volta a si mesmo e acaba tombado na direita.

É pois com profundo pesar que vejo definitivamente morta e enterrada aquela bela realidade criada logo após as eleições de 2015 e que Paulo Portas quis depreciar com o termo de «geringonça». A haver algo de semelhante é essa disparatada atitude do Bloco numa nova unidade com a direita e que, essa sim, resulta numa vera geringonça. Daí que, seguindo a lógica de dar o meu voto a quem prossegue no espírito de então, resta-me depositá-lo em urna com a cruzinha no candidato do Partido que continua a preservar o que resta dessa defunta convergência. Quanto ao Bloco fico curioso sobre o efeito que esta posição acabará por lhe custar nas próximas sondagens...

domingo, 25 de outubro de 2020

Eles continuam por aí, sempre prontos a bicarem

 



Conhecemos bem demais a história: quando Passos Coelho fez do seu governo um fartar vilanagem para quem pretendia privatizar tudo quanto ainda fosse pertença do Estudo, incluindo o ensino público, o Serviço Nacional de Saúde e a Segurança Social, divulgaram-se algumas notícias destinadas a facilitar a aceitação dessa completa rendição ao capitalismo selvagem pelos eleitores nacionais. No respeitante às pensões de reforma teciam-se loas aos PPR’s, que poupariam aos seus detentores a evidência de não haver como as pagar daí a poucos anos. Quando fundamentou os dados para a aprovação do Orçamento Geral do Estado de 2015 o governo de Passos Coelho previa para daí a quinze anos a total falência do sistema de pagamento das pensões de reforma então existentes. O que justificava outra estratégia de comunicação dos bancos e seguradoras no aliciamento dos mais jovens: para quê descontarem para as suas futuras reformas se nunca as iriam receber?

Desde então muito mudou: com as medidas tomadas pelo governo de António Costa para desmentir esses cenários catastróficos o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social viu robustecido o seu valor constituindo almofada suficientemente graúda para, nas condições atuais, ou seja sem se recorrerem a outras fontes de financiamento, suprir os eventuais défices entre as receitas e as despesas do sistema até meados da década de 50 deste século.

Agora vêm os defensores dos cenários apocalíticos propor títulos de primeira página com o facto de, em apenas dez meses, ou seja, tantos quantos já vivemos neste ano muito peculiar em que a economia caiu e as prestações sociais tiveram de aumentar significativamente, essa almofada ter-se perdido em dez anos. Ou seja, regressando às estimativas feitas pelo governo aquando da fundamentação para a aprovação dos Orçamentos de 2018 e 2019.

Se olharmos para a realidade de acordo com essas projeções estamos agora ao nível do previsto então, não se cumprindo as que no ano passado eram mais otimistas. Mas, acreditando-se que esta crise sanitária tem fim e o mesmo governo prosseguirá o rumo competente dos anos anteriores logo a inquietação pretendida pelos autores dessas notícias voltará a revelar-se sem fundamento. Mas elas revelam uma evidência, que nunca poderemos ignorar: os defensores dos que manipulavam Passos Coelho e seus ministros de acordo com os seus interesses, continuam muito ativos e têm na imprensa quem lhes secunde as intenções.

sábado, 24 de outubro de 2020

Birras à parte, tudo como dantes, quartel-general onde já estava

 


Esta foi a semana em que diversos partidos pretenderam entalar o governo com o Orçamento e sucedeu-lhes o mesmo que se costuma designar pelo provérbio de ir buscar lã e sair tosquiado. Nesse sentido António Costa manteve a prudência de quem só sabe dar passos de acordo com o tamanho da perna e o Partido Comunista pôs em xeque o Bloco de Esquerda, tornando-o irrelevante para a superação da crise iminente com que se deleitavam todos quantos pretendiam ver repetido o filme do chumbo do PEC IV em 2010.

Quando se pensaria já terem acontecido circunstâncias bastantes para aprenderem a lição e agirem à revelia dos ditames do Papa Louçã, as moçoilas do Bloco vão desafinando ao som da canção do Sérgio Godinho: Há-de-alguém ser quem não é? E de facto Catarina, as irmãs Mortágua ou Pedro Filipe Soares continuam a não ter a necessária sensatez para que sejam considerados como pouco mais do que meninos embirrentos.

Poder-se-á dizer que de Política com maiúscula, Jerónimo sabe mais a dormir do que os que se sentam à sua direita (à nossa esquerda enquanto espectadores!) no hemiciclo. Não será por acaso, que se prevê a recondução como secretário-geral no próximo Congresso. Ele tem a tal consistência com quem se podem fazer acordos e saber que eles serão cumpridos até ao fim.

Mas, se à esquerda, já tudo se terá decidido - mesmo que o Bloco acabe por anunciar abstenção para não ficar colado às direitas, essa posição será vista como forçada e não de livre vontade! - também nas direitas haverá quem sinta o comprometimento do passo em falso. Só assim se compreende que o PSD tenha avançado com a possibilidade de mudar do voto contra para a abstenção se António Costa lhes apresentasse um absurdo pedido de desculpas. Terão querido assim insinuar que, afinal, sempre levam em conta a grave situação do país justificada pela pandemia e seus efeitos colaterais no empobrecimento de tantas famílias, quando a intervenção de Rui Rio se assemelhara ao mesmo tipo de birra protagonizado pela liderança do Bloco. Com a agravante de o antigo autarca do Porto ter na cabeça muitos mais cabelos brancos e por isso se lhe exigir outra temperança na tomada de posições.

Passando por cima do CDS ou da Iniciativa Liberal, que valem o que valem - ou seja quase nada! - importa referir o apagamento progressivo do Aldrabão. Faltará muito para que os seus financiadores consciencializem a impossibilidade de recolherem qualquer retorno de quanto nele têm investido e deem-lhe o mesmo desiderato que ao efémero Aliança, criado por Santana Lopes para voltar a ser primeiro-ministro, e afinal transformado num fétido moribundo condenado a iminente passamento?

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O drama, o horror!!!

 


Haverá ainda quem se lembre dos tempos em que Artur Albarran era uma das caras mais conhecidas da televisão enaltecendo o dramatismo do que noticiava com alongadíssimas expressões bombásticas: qualquer situação equivaleria ao «drama», ao «horror» e quase ejaculava de prazer ao transmitir às audiências essa dimensão das tragédias quotidianas.

Nunca soube se verdadeiro aquilo que dele se chegou a dizer sobre as reportagens diretamente do Golfo Pérsico, quando o pai Bush encetou a guerra para «libertar» o Koweit depois da embaixadora norte-americana ter, implicitamente, convidado Saddam Hussein (afinal bem mais tolo do que teríamos julgado possível!) a avançar para a invasão do emirato vizinho. Em vez de rodadas no deserto da Arábia Saudita as reportagens teriam  por cenário o areal do Guincho, sempre depois de Albarran ver as reportagens da então lançada CNN como canal capaz de dar notícias 24 horas por dia.

Quando os nossos locutores - reparem que dispenso-me de os qualificar de jornalistas! - entusiasmam-se com a dimensão das catástrofes - acabam por replicar o estilo desse quase esquecido antecessor. E quase adivinho que, esta noite, com mais de três mil novos infetados com o covid vai ser um autêntico regabofe.

Dirão os que aqui são visados; mas que alternativas nos deixam, quando já toda a gente esqueceu o que Rui Rio disse na véspera sobre a posição do PSD quanto ao Orçamento ou poucos terão paciência para as birras infantis de Catarina Martins? À falta de incêndios ou inundações, os telejornais servem-se da pandemia para darem substância aos discursos com que pretendem atiçar as emoções dos que consomem a publicidade dos intervalos e que, a bem de ver, lhes pagam os ordenados.

Poderíamos contrapor o sucesso, que teriam se cuidassem de, por exemplo, perguntarem aos senhores bastonários pelas suas efetivas ligações com a medicina privada e se a sua intransigência para com o governo não teria a ver com pressionarem no sentido de se destinar parte substancial dos dinheiros europeus, que serão despejados daqui a pouco nos cofres estatais, em quem faz da saúde dos portugueses um proveitoso negócio. Marcelo que tanto tem-se afadigado a dar tempo de antena a esses provedores dos interesses privados, confirma as razões porque quis ocupar o cargo e o pretenderá manter no próximo quinquénio.

Conclua-se com a novidade do discurso do papa quanto à união entre pessoas do mesmo sexo. Embora o meu indefetível ateísmo me faça sentir algo à margem do mundo católico sempre dá para imaginar o que andam por esta altura a remoer Nuno Melo e os que pretendiam acabar com a disciplina de Educação para a Cidadania nas nossas escolas públicas. Aquela cuja importância ficou patenteada pela morte do professor francês, que a lecionava no seu liceu e se converteu num mártir adicional na interminável luta em prol da liberdade de expressão.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Gastou-se muito, pois gastou-se! E então?

 


O jornal da Sonae dá honras de capa aos contratos  do grupo Luz Saúde com o Estado por causa da pandemia. Em princípio não viria qualquer mal ao mundo por se ter feito uma investigação aos contratos feitos por ajuste direto para suprir o país daquilo que as circunstâncias impunham que se comprasse com urgência: ventiladores, equipamentos de proteção individual e desinfetantes.  No entanto o tom de toda a peça é hábil em sugerir motivos de censura a quem adjudicou - o governo, algumas câmaras municipais e outras instituições tuteladas pelo Estado - e em relevar o facto de terem sido empresas chinesas a beneficiar com o negócio.

Rui Barros, Claudia Carvalho Silva e José Volta e Pinto não dizem preto no branco, que houve corrupção, se privilegiou a China como fornecedora ou que o SNS se sangrou de 47 euros por cada português, mas também não se dá a devida importância ao facto de, na altura de se tomarem decisões, a crise crescer exponencialmente, os materiais e equipamentos faltarem e não se justificarem procedimentos próprios das situações normais. Nem, por outro lado, se afere o facto de, no tocante ao coronavírus, a China levar grande dianteira relativamente á concorrência quanto ao necessário para responder à crise.

Para um leitor apressado, que não se dê ao trabalho de aprofundar o que está em causa, a capa do «Público» e a forma como se tem replicado nas notícias matinais na rádio e na televisão, instila a suspeição de existir um conúbio entre quem manda e o grupo Luz Saúde, traduzido em malbartar dinheiro dos contribuintes.

E assim se vai fazendo uma certa forma habilidosa e manipuladora de jornalismo em Portugal!