Dias atrás um amigo das redes sociais desafiou-me a explicar a razão porque, sendo socialista, excluo totalmente a hipótese de votar em Ana Gomes, precisamente numa altura em que Pedro Nuno Santos - a quem elogio com frequência! - dava alguns sinais de o vir a fazer. Na altura, impossibilitado de dedicar algum tempo de qualidade para responder com a consistência argumentativa imposta pela questão, prometi fazê-lo mais tarde. E eis que a sessão de ontem no Teatro da Trindade só vem confirmar as razões, porque seria um perigo tremendo para o governo de António Costa - que apoio sem reservas! -, se ela substituísse Marcelo Rebelo de Sousa em Belém (e fica aqui anunciado em quem votarei numa improvável segunda volta se ela se vier a verificar entre os dois).
Na sessão de campanha em que respondeu a perguntas de Paulo Dentinho, Ana Gomes foi igual a si mesma: numa altura em que as direitas apontam fogo a António Costa por não ter reconduzido Vítor Caldeira à frente do Tribunal de Contas, ela colou-se-lhes dando a entender o escândalo que isso constitui. Mas, ainda mais populista na forma como cuida de se promover, proclamou uma frase que define a forma como agiria acaso tivéssemos a desdita de a eleger: “O Governo que "nem pense" avançar com atual proposta para contratação pública!”
Olhemos então para a realidade: temos uma economia em estado de emergência, necessitando de ver nela injetados os milhões de euros disponibilizados pela Europa. E, nos anos recentes, constatámos que a utilização dos fundos europeus sempre se revelou extremamente baixa, muito aquém do que deveria ter sido, porque os entraves burocráticos travaram-nos de forma quantas vezes kafkiana. Não sobram, pois, razões para que esses procedimentos administrativos se agilizem e a economia conheça merecido influxo de verbas depois desta severa seca suscitada pela pandemia? O que impede essa agilização de procedimentos coexistir com o acompanhamento rigoroso das verbas em causa, aliás tal qual o exige a própria União Europeia?
Que as direitas - e a réplica da caricatural Teodora à frente do Tribunal de Contas, que se chamou Vítor Caldeira - criem as dificuldades, que sirvam os seus propósitos de sabotarem a ação do governo, compreende-se. Aliás elas surgem nesta história a replicarem o provérbio popular do “bom juiz por si se julga”, tanto mais que têm a farta experiência do que foram capazes quando os fundos europeus vieram prodigalizar à corte cavaquista nos anos subsequentes à entrada na então CEE o fartar vilanagem de que não nos esquecemos. Mas que Ana Gomes, supostamente militante socialista, vá sucessivamente abrindo a boca, não para explicar pedagogicamente o que está em causa com essa lei da contratação pública, mas para a associar à campanha das direitas, fica tudo dito. E só confirma as razões porque não merece o voto dos que são verdadeiramente socialistas.
Quanto à questão posta pelo referido amigo: e se Pedro Nuno Santos formalizar o apoio a ela?
Pois temos pena! Podem-se formular razões de alguma racionalidade para o fazer, mas não coincide com o que penso a tal respeito. Porque, como sempre, Ana Gomes cola-se às direitas, de que o atual Ministro das Infraestruturas tanto discorda.
Ademais, fica uma nota final para sublinhar não ser esta a primeira vez que dele discordo: aqui o fiz quando ele se definiu como social-democrata, fórmula que fez sentido nos Trinta Gloriosos Anos, sobretudo mediante o modelo sueco dos tempos de Olaf Palme, mas totalmente desfasado deste tempo de capitalismo selvagem, completamente avesso à sua recauchutagem reformista.
Socialista me reafirmo, ponto. E é por o ser que me congratularei com a derrota de quem diz que o é, mas age sempre contra os interesses de quem deveria apoiar.
Leio sempre, mas muito, muito, raramente comento os seus textos, mas hoje não resisti e só para aplaudir, de pé, esta sua tomada de posição na qual me revejo na totalidade. O meu grande aplauso.
ResponderEliminarApoio a aplaudo como socialista o seu artido.
EliminarO problema do Partido Socialista é que tem muitos "grupinhos" à espera de subir ao poleiro e portanto é um partido dividido nas suas opiniões. Porque será que já começa a haver tanto aparato pela candidatura de Ana Gomes que é uma Mulher com "M" e que não tem papas na língua?... É experiente politicamente e sabe quem são os "mafiosos" que estão na fila para dar cabo do que já foi feito de bom. Ana Gomes incomoda muita gente que sabe que ela fala verdade contrariamente a outros que só para ocupar uma cadeira calam-se e é por isso que este País não anda para a frente. Corrupção à vista desarmada; Clientelismo; e, claro não se pode esquecer as amizades.... por isso mesmo é que Ana Gomes incomoda muita gentinha...... Desejo que a sua campanha vá até ao fim.
ResponderEliminarO Jorge Rocha não se preocupa em julgar se os pontos de vista de Ana Gomes estão certos ou errados. Ela está contra o Governo? Pois, é uma traidora, porque o Governo não erra...
ResponderEliminarEngana-se, e o fim dos Governos começa no dia em que as pessoas que os apoiam (Gomes ainda disse no recentemente que Costa estava no quadro de honra pela forma como tinha lidado com a pandemia) são apodadas de traidoras porque discordam do que eles fazem...
António Costa pode até não gostar de críticas, mas se há coisa de que ele não precisa é de yes men...
E quanto a Nuno Santos se ter declarado social-democrata, pois claro. Não há, Jorge Rocha, hoje em dia, socialistas. Da URSS, passando pela China de Mao e desembocando na Venezuela de Chavéz e Maduro, todos os programas ditos socialistas deram com os burros na água. Não produziram mais do penúria, destruição ambiental, morte e despotismo...
Para alguém se poder afirmar socialista, não basta criticar o capitalismo...