domingo, 30 de outubro de 2011

Compreender a Dívida Pública

Quem ganha e quem perde com esta crise

No «Diário de Notícias» o antigo deputado bloquista José Manuel Pureza publicou um artigo com o título «A Revisão da História», que conclui da seguinte forma: Só um tão geral esquecimento, de como foi que chegámos até aqui permite que o primeiro-ministro diga ao País, sem que isso cause escândalo social, que «só vamos sair da crise empobrecendo». Passos Coelho afecta milhares de milhões de euros dos nossos impostos, dos nossos salários, dos cortes nos nossos serviços de educação ou da saúde, ao buraco sem fundo do BPN e é a nós que diz que temos de empobrecer se queremos sair da crise. Garante aos bancos que nos empurraram para os braços da troika e aos compradores dos nossos melhores bens públicos que terão sempre o Estado a ajudá-los mas sem os incomodar, e é a nós que diz que o caminho certo é o do nosso empobrecimento. Reconstruir a história como ela realmente foi tornou-se uma ameaça para os que ganham com esta crise...

Uma perspectiva assumidamente marxista-leninista

António Vilarigues despediu-se enquanto colunista do «Público», que ficou assim sem o colaborador, que mais se reivindicava como representante da linha de pensamento marxista-leninista.
No seu derradeiro texto ele não deixa de recordar alguns factos, que são pertinentes para interpretar a realidade presente:
· esta é uma crise do sistema capitalista clássica de sobreprodução e de falta de mercados, Marx explica, mas não o estudam;
· Em 12 meses, o crescimento da fortuna dos mais ricos foi duas vezes superior ao aumento da riqueza mundial como um todo. Os milionários no mundo (que representam menos de 1% da população mundial) controlam 38,5% da riqueza mundial;
· Só nos últimos cinco anos, entre 2005 e 2010, os cinco maiores bancos arrecadaram 15 mil milhões de euros de lucro. As duas maiores empresas do sector energético (EDP e GALP) 10 mil milhões aproximadamente e PT cerca de 9 mil milhões. O stock oficial nos paraísos fiscais das entidades portuguesas em 2009, referenciados pelo FMI, era de 65 mil milhões de euros.
Conclui Vilarigues: Há muito que se percebeu que os programas de austeridade ditos de combate à crise e ao défice, são pretexto para uma ofensiva com um objectivo muito concreto: obrigar as populações que vivem do seu trabalho a trabalhar mais e a receber menos.

Uma mudança geopolítica em curso

Acabamos a semana na ressaca do acordo conseguido na zona euro para a  sobrevivência da moeda única. Os mercados e as bolsas reagiram, entretanto, com alguma euforia.  Mas a maioria dos comentadores alerta para o facto de estarmos longe do fim da linha desta crise do euro. Diz Isabel Arriaga e Cunha no «Público»: Este tipo de reacção é no entanto recorrente sempre que a zona euro dá sinais de querer atacar a crise da dívida, embora por regra seja sol de pouca dura..
Mas Teresa de Sousa aprofunda mais este contexto político no mesmo jornal, começando por demonstrar a «sagacidade» dos eurodeputados perante uma China considerada essencial para o reforço do Fundo Europeu de Estabilização Financeira: ontem, o Parlamento Europeu resolveu manifestar publicamente a sua «profunda preocupação» com a falta de liberdade no Tibete e apelar às autoridades chinesas «para que respeitem os direitos dos tibetanos.
A razão para que a Europa veja na China uma solução potencial para a sua crise é fácil de explicar: A China é detentora de reservas em divisas de cerca de 3200 mil milhões de dólares. Detém qualquer coisa como 500 mil milhões de euros em dívida soberana europeia. Nada de mais tentador do que «tentá-la» a ajudar a financiar o fundo de resgate europeu, via FMI.
No «Le Monde» Michel Sapin considera que  a Europa colocou-se numa posição de fraqueza perante um país com o qual só se pode negociar numa posição de força. Ideia subscrita por Daniel Cohn Bendit, que acrescenta: Escolhemos colocar-nos nas mãos dos países emergentes (…) em vez de emitir eurobonds.
Na conclusão do seu artigo, Teresa de Sousa constata a reconfiguração acelerada do poder mundial, com a riqueza a mover-se de Ocidente para Oriente. Citando Joschka Fischer: A fraqueza americana e a crescente dependência das exportações europeias  (sobretudo alemãs) do mercado chinês podem alimentar uma nova e promissora perspectiva euroasiática, enquanto a relação transatlântica declina.
Para a autora do texto estamos perante uma hábil estratégia das autoridades de Pequim: A Europa ainda tem um grande poder económico. O problema é que não consegue pensar-se estrategicamente. E a China marca pontos nesta mudança geopolítica colossal…
***
Portugal vai pagar 655 milhões de euros em comissões pelos empréstimos concedidos pela troika até 2014, revelou ontem o ministro das Finanças Vítor Gaspar, no início da discussão da segunda proposta de orçamento rectificativo para este ano. (…) O valor das comissões a pagar este ano corresponde a 10% do chamado «desvio colossal».

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Um Orçamento que merece um chumbo

Os jornais continuam-nos a dar leituras interessantes destes dias de expectativa.
Pedro Lains, por exemplo, escreveu um texto no «Diário Económico», em que mostra como o nosso talibã das Finanças é um filho ideológico dos Chicago Boys chamados por Pinochet para darem um empurrão ao Chile e que tão maus resultados provocaram:
Afinal, Portugal não é a Grécia. É o Chile. De há 30 anos. Não vamos apenas recuar no rendimento per capita, mas também na História, na integração europeia e, seguramente, na qualidade da democracia. Em prol de quê? - Em prol de uma fé. E a troco de quê? - A troco de uma mão cheia de nada. 
O plano de Vítor Gaspar já chocou muita gente, porque é chocante assenta numa carta que não estava no baralho: a contracção sem limites de salários - e mais aumento de impostos. Assim qualquer um sabe governar.
O actual Governo, uma vez por todas, tem de assumir as suas opções. As suas opções radicais. E profundamente anti-europeias. 
Nos anos 1980, um grupo de rapazes de Chicago entrou pela ditadura chilena adentro e "cortou com o passado", fazendo um "ajustamento profundo". Os pormenores não cabem aqui, mas quatro questões importantes cabem: o país era então uma ditadura; não estava integrado num espaço económico e monetário alargado; havia uma enorme taxa de inflação; e os mercados internacionais não estavam de rastos. E o desemprego subiu a perto de 25%, sem subsídios, claro, que isso é para os preguiçosos. 
A estratégia de Vítor Gaspar, sufragada por Passos Coelho, é profundamente desactualizada e mesmo errada. Ela insere-se num quadro mental em que os gastos do Estado provocam inflação, quando estamos numa fase de baixíssima inflação; pressupõe o financiamento nos mercados internacionais de capitais, quando estes estão retraídos em todo o Mundo. 
E, apesar de ainda pouco lidos em relação ao coro de comentadores, que entoa hossanas aos ditames dos «amigos do Gaspar», já surgem uns quantos a confrontar Passos Coelho com as mentiras descaradas com que enganou os portugueses. É o caso de Miguel Sousa Tavares no «Expresso»: foi a medida emblemática do programa eleitoral do PSD e o tema principal do decisivo debate televisivo entre Sócrates e Passos Coelho. Passos garantia que descia a TSU em 7 ou 8 pontos e financiava a descida através da subida do escalão de algumas taxas intermédias do IVA. Afinal o que aconteceu é que a TSU desceu zero, mas, em contrapartida, subiu o IRC para as empresas, os trabalhadores vão ser forçados a trabalhar mais meia hora diária grátis e quase todas as taxas intermédias do IVA subiram para o máximo! Digam-me lá quantos votos teria tido o PSD se tem anunciado isto em campanha?
No mesmo jornal até o insuspeito Fernando Madrinha aprecia o trabalho de Passos Coelho na mesma linha do total desfasamento entre as promessas de ontem e os actos de hoje: Precisávamos de um primeiro-ministro que pudesse apresentar-se aos portugueses de consciência tranquila e não como alguém comprometido que diz hoje e subscreve, medida por medida, rigorosamente o oposto de tudo o que disse nos dois anos em que liderou a oposição.
Para Fernando Sobral este Orçamento de Estado para 2012 põe-nos num trilho inquietante: Avançamos por uma ponte, mas não vislumbramos a outra margem. Não sabemos se chegaremos à outra margem ou se a ponte será dinamitada a meio da viagem.
Os portugueses vão ficar mais pobres. E vão ter de se habituar a isso. Vítor Gaspar é o cobrador sem fraque. Sem anestesia. Sem sorrir.
Por isso mesmo sou daqueles socialistas para quem não existe espaço para contemplações com este Governo e com este Orçamento. Votar contra é legítimo, depois de ter sido esta gente quem agravou drasticamente o presente com a pressa de chegar ao poder. E, lá chegado, ter ido muito além do negociado entre Sócrates e a troika...

Um Governo mentiroso e um eleitorado desorientado

Um destes dias o «Diário Económico» dava uma notícia, que não tem o condão de surpreender, porque, desde há muito se percebeu a obrigatoriedade do país comprar o TGV se quiser contar com o apoio dos seus parceiros europeus: afinal, Portugal não vai ter uma, mas duas linhas de velocidade alta ou de alta prestação. Portugal terá de garantir que a viagem Lisboa-Madrid se fará, no máximo, em 2h30, para que o comboio seja competitivo com o avião. Em suma, o Governo terá agora de arranjar uma boa desculpa para justificar a construção das duas linhas que os técnicos sempre disseram ser necessárias.
Afinal, era melhor que tivessem estudado o problema antes de se pronunciarem contra o projecto. Pelo menos, evitavam ziguezagues políticos e ter de desmentir amanhã o que afirmaram ontem com grande veemência.
Mas os desmentidos entre o que o PSD de Passos Coelho se propunha fazer na oposição e ao que corresponde a realidade na governação, não se queda por aí. Um texto de Bruno Proença recorda bem como Passos Coelho e os seus apaniguados fustigaram o Governo Sócrates por nada fazerem para a redução dos chamados consumos intermédios. Mais ou menos há um ano, Passos Coelho explicava a receita de resolução de tal problema: Antes de qualquer outra medida, deviam-se atacar as gorduras do Estado. Nos ministérios, nas empresas públicas, nos hospitais, nas escolas viviam todos com enormes desperdícios da água, da luz, de papel e todos os outros materiais. Resolvendo isto, estava meio caminho andado para consolidar as contas públicas. Na altura, Carlos Moedas, hoje secretário de Estado responsável pelo acompanhamento do memorando com a ‘troika', citava estudos que falavam de cortes de milhões e mais milhões nos célebres "consumos intermédios". E não foi o único a defender essa teoria. O actual ministro da Economia, ainda na pele de professor universitário, também falou abundantemente sobre a mesma teoria no seu último livro - "Portugal na Hora da Verdade".
Pois bem, no primeiro Orçamento do Estado da responsabilidade deste Governo, o que é que aconteceu aos consumos intermédios? Nada. Literalmente tudo na mesma.
Será que alguém se esqueceu dos cortes nos consumos intermédios? Num ano, passou de prioridade à irrelevância.
Há óptimas ideias no papel que morrem aí.
É por isso que Octávio Teixeira, vê no Orçamento do Estado para 2012 uma inadmissível brutalidade, própria de quem tem uma notória aversão aos trabalhadores, quer aos que estão no activo, quer nos que se reformaram:  Não é admissível que o Governo há mais de três meses encha a boca com as "gorduras" do Estado e no concreto faça incidir 80% da brutal redução da despesa sobre os salários, as pensões e a saúde. 
Não quer dizer existam condições para uma revolução política. Como diz José Carlos Barradas, impera por agora a desorientação e angústia: Hoje em dia, na Grécia insolvente ou num Portugal recessivo abundam desorientação e angústia e a falta de tacto político, de mero bom senso, que exaspera e confrange, em nada contribui para dissipar um justificado cepticismo quanto ao futuro.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Uma quimera

Gostaria que Clara Ferreira Alves não tivesse ponta de razão, que as suas palavras espelhassem uma versão moderna do Velho do Restelo, mas não é assim.
Perante o Orçamento revolucionário (próprio de maoístas de direita apostados na mesma lógica de terra queimada) ela conclui a sua crónica do «Expresso» com esta previsão: Querem convencer esta gente de que há vida além deste orçamento. Não há. Quando os estabelecimentos fechados, as empresas fechadas, os serviços fechados, anunciarem ao mundo que os mais fracos e vulneráveis são os primeiros a morrer, quando o desemprego subir e a insegurança aumentar, quando as lojas fecharem, as escolas pararem, os hospitais entupirem e as falências e insolvências dispararem, quando os velhos morrerem e os novos desertarem, esta gente reparará que chegou á miséria. E que um grupo de políticos sem visão lhes vendeu uma quimera.

sábado, 22 de outubro de 2011

Experiências ideológicas


João Ferreira do Amaral já há muito considera nefasta a adesão portuguesa ao euro. E as suas previsões até têm coincidido com a sucessão de acontecimentos em que estamos mergulhados.
Agora, ao DN, ele contesta a política de Passos Coelho, explicando o que lhe está subjacente: está a ser aplicada uma fórmula para ganhar competitividade que passa por gerar desemprego, aumentar o horário de trabalho e flexibilizar a legislação, conseguindo assim baixar o nível geral dos salários. É um modelo que sempre foi discutido, mas nunca foi aplicado com esta dureza. E estou convencido de que não funciona em Portugal.
Na realidade o que está a passar-se em Portugal não é a resolução da crise económica e financeira, mas a sua transformação numa espécie de laboratório aonde se ensaiam (falsas) soluções para aquilo que já o não tem: o capitalismo enquanto sistema...

Mail enviado a Camilo Lourenço:

Caro Camilo Lourenço:
Há muita gente de bem neste país que, em relação a este primeiro-ministro, se questiona: acreditará ele candidamente na bondade das malfeitorias que anda a fazer aos contribuintes portugueses ou existirá nele a incontornável pulsão do psicopata apostado em cometer tantos homicídios quantos possíveis, na pessoa dos desesperados cuja única saída acaba por ser a corda no pescoço ou o rodado de um comboio.
É nesse enquadramento que deveremos considerar o seu recente entusiasmo pela punição criminal dos políticos, forma eufemística de inculpar José Sócrates .
Caberá então questionar: entre a eventual agressão violenta de Sócrates aos contribuintes e a presente tentativa de homicídio voluntário perpetrada por Passos Coelho, quem se deverá sentar prioritariamente no banco dos réus?
Mas, como jornalista, deontologicamente obrigado a determinados princípios, aonde anda a obrigatória honestidade de reconhecer, que se deve deixar à política o que a ela pertence, e à justiça o que lhe caberá ajuizar? Mas se comecei por questionar a ingenuidade ou a perversidade do primeiro-ministro, vale a pena situar os seus textos do «Negócios» com a mesma dúvida: acredita mesmo na legitimidade de se demonizar José Sócrates ou compreendeu ser essa a forma expedita de procurar o desvio das atenções de quanta injustiça está a ser cometida em prol da defesa de um conceito ideológico e de uma escola económica, que está a abrir fissuras por todo lado aonde se procurou afirmar?

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Desfazer os mitos ultraliberais

Poucos são os colunistas do «Público», que escapam à matriz aí imposta pelo antigo director, José Manuel Fernandes, e que os seus actuais responsáveis ainda não souberam ou quiseram alterar. Seja porque o seu verdadeiro patrão, Belmiro de Azevedo, não vê com bons olhos outras opiniões, que não as dos defensores do ultraliberalismo mais selvagem, seja porque escasseiem ainda os comentadores orientados para uma lógica delas distinta, devo reconhecer serem raros os textos de opinião aí publicados e que mereçam leitura atenta da primeira à última linha.
Não custa reconhecer quão raros são textos como o de Domingos Ferreira, na edição de ontem, em que se desmistificam algumas das principais teses dos defensores do caminho do actual Governo para modificar o rumo dos portugueses.
Por isso mesmo vale a pena ficarmos com este pequeno trecho: a austeridade é uma política ideológica mascarada de política económica. Ela assenta no mito, inteiramente falso, de que a despesa pública é um desperdício e uma perda de riqueza sem retorno e que não conduz a qualquer recuperação económica. Todavia, o mundo é muito mais complicado e os factos, indesmentíveis  são os seguintes: os países social e economicamente mais equilibrados, e que mais rapidamente saíram das respectivas crises, foram aqueles onde houve um forte estímulo económico público, dado que nas presentes circunstâncias mais ninguém o fará e são aqueles onde há mais despesa em políticas sociais e maior equidade na repartição da riqueza.

Na era da criatividade

Já sabemos que a política ou a arte são áreas tão transversais à nossa vida, que podemos estar a defender princípios numa delas, que se aplicam milimetricamente na outra.
Há uns dias esteve em Lisboa o presidente do London Design Festival, John Sorrell, que comentava os controversos tempos actuais e as suas consequências no que possamos elaborar de um ponto de vista artístico. Mas as suas palavras, adiante transcritas, ajustam-se plenamente à nossa intervenção cívica: também na política a resposta estará em sermos criativos e ensaiarmos formas diferentes de chegarmos aos mesmos objectivos: uma vida de melhor qualidade para a grande maioria dos nossos concidadãos.
Fiquemo-nos, então, com as palavras de Sorrell: não vamos sair do problema em que nos encontramos, produzindo mais objectos ou tentando ser mais baratos. Como é que vamos crescer? Temos que ser brilhantes, usar a nossa imaginação e encontrar novas formas de criar coisas, de oferecer serviços que as pessoas estão desesperadas por ter. Essa é a resposta e isso significa que temos que ser incrivelmente criativos em tudo o que fazemos em cada dia. (…) A era da tecnologia já passou, a tecnologia já está completamente integrada nas nossas vidas. Agora estamos na era da criatividade.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Carta a um jornalista do «Negócios», que focalizava as críticas em Sócrates, quando o tempo é de equacionar as maldades de Passos Coelho

Leio os seus apontamentos na rubrica «Elevador» de 14 de Outubro e embora me não espantem as opiniões subjectivas (e intensamente partidárias!) ali emitidas, lamento a desonestidade intelectual subjacente: terá o PS levado o país à bancarrota por via da irresponsabilidade do seu líder de então ou esse desiderato resultará antes da tal conjuntura internacional para a qual alguns só pareceram olhar nos últimos três meses, associada ao progressivo cerco à anterior governação culminada na recusa do chamado PEC IV?
Gostaria de encontrar nos comentadores, que costumo ler com atenção (como é o seu caso!), uma maior racionalidade, que se traduzisse numa leitura mais objectiva dos acontecimentos. O «Le Monde» continua a constituir para mim uma escola notável de rigor e de equilíbrio de análise da realidade…
Quando leio os seus textos, interrogo-me se na tranquilidade das suas horas nocturnas, quando porventura ouve um bom jazz, de que parece ser pródigo cultor, não se interrogará sobre o iminente crepúsculo do capitalismo, sobre os indícios que os movimentos dos indignados poderão pressagiar, sobre a probabilidade de se ir rebuscar o velho Marx, livrando-o da tralha totalitária, e reformulando-o na direcção de um mundo mais justo, igualitário e fraterno?
Se deixar o pensamento ir além das fronteiras estreitas, que parecem balizar o seu discurso, sentirá porventura o quanto possam fazer sentido algumas concepções por nós (quase) todos perfilhadas nos verdes anos e que estão longe de desmerecer o desprezo a que as votámos à conta de uns preconceitos alimentados pelo incompreensível enfeudamento a um dos lados da trincheira dessa luta de classes, que nunca deixou, nem deixará de existir.

sábado, 15 de outubro de 2011

Uma droga difícil de abandonar...

De entre os muitos textos, que têm sido dedicados à presente crise financeira, houve um deles, publicado há algumas semanas na «Visão» por José Carlos Vasconcelos, que mantém uma pertinente actualidade. Nele se diz existirem como que ocultos mecanismos a comandarem ou forçarem uma espécie de caminhada cega para o precipício. A dramática imagem que me ocorre é a de um dependente da droga, em estado grave, que quer libertar-se mas não consegue porque  os que lhe vendem o «produto» não o permitem, antes se aproveitam da sua desgraça para fazer crescer as vendas e subir os preços, aumentam ainda mais os lucros - seu único objectivo, sem olhar a meios. Claro que dependentes são os países obrigados a recorrer ao crédito, pelo qual pagam juros cada vez mais altos, para pagar dívidas cada vez maiores ; e os que lhe vendem o «produto» (no caso o dinheiro) são os famosos mercados.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Passos Coelho: a nulidade absoluta

O «Finantial Times» comenta: numa época com tão graves problemas, os políticos parecem liliputianos. É esse o verdadeiro motivo para termos medo.
Pelo que se depreende do resto do artigo, ele refere-se a Merkel e a Sarkozy em primeiro lugar. Já que, numa Europa onde os problemas devem ser equacionados a nível continental para que as soluções congeminadas tenham dimensão suficiente, Passos Coelho simplesmente não existe. Ao contrário do que sucedia com José Sócrates, que sempre procurava conquistar algum protagonismo para o país como quando se fez anfitrião do mais recente tratado comunitário. Mesmo que, constata-se hoje, ele não corresponda às circunstâncias subsequentemente criadas pelo encerramento do Lehman Brothers...

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Jornalismo prostituído

Esta noite, no telejornal da RTP2, a filha de Fátima Felgueiras entrevistava Carlos Carvalhas a propósito das notícias do dia procurando manipulá-lo para duas mensagens, que pretendia passar: primeiro, que os trabalhadores das empresas transportadoras, em vias de se tornarem alvos prioritários da sanha ultraliberal de Álvaro Santos Pereira, usufruem de mordomias escandalosas, como se não nos devêssemos antes escandalizar com as obscenas comparações entre a imensa riqueza de uns e o empobrecimento galopante da grande maioria. Depois, e em paralelo com a condenação da ex-primeira-ministra ucraniana a sete anos de prisão, com a possibilidade de também José Sócrates vir a ser julgado. No que demonstra a prossecução de um ódio visceral da direita mais troglodita contra o primeiro-ministro dos últimos seis anos...
A uma e outra habilidade, o ex-secretário-geral comunista furtou-se com algum incomodo, permitindo que subsistissem essas nada inocentes mensagens num patamar subliminar.
Quem tivesse dúvidas quanto ao presente enfeudamento da comunicação social ao discurso deste Governo ficaria devidamente esclarecido. E que os manipuladores de hoje sejam os propagandistas da tese da asfixia democrática do anterior Governo diz bem do despudor de toda esta gente...
Será conveniente estarmos atentos a quem se presta a esta oportunista função de reproduzir a voz do dono para que, recuperada a governação, se tenha mais cuidado do que se teve da última vez, quando se deixaram as Fátimas e as Judites a emitirem sucessivas mensagens contra o então legítimo Governo votado pelos portugueses!
Como de costume a esquerda continua a mostrar-se ingénua no que diz respeito à comunicação social: foi só esperar pela mudança de governo e constatar quantos rostos televisivos foram designados como assessores de ministros, de grupos parlamentares da direita ou de instituições estatais. Conclui-se que o Governo era socialista, mas os jornais e televisões não eram apenas propriedade de gente de direita: também os jornalistas eram, em grande maioria, gente despudoradamente vinculada às posições ideológicas mais retrógradas. No que constitui um paradoxo relativamente à grande herança da profissão que, décadas a fio, acompanhou as forças mais empenhadas em mudanças sociais favoráveis às maiorias.
O jornalismo arrisca-se a ser visto como uma espécie de prostituição ideológica ao serviço de quem lhes paga como devem «pensar»...

domingo, 9 de outubro de 2011

A quem estamos entregues?

À primeira vista estamos entregues a garotos, como parece comprovar a manchete do «Diário de Notícias» de ontem, que anuncia: Governo incomodado com Ministro da Economia. Santos Pereira prometeu levar plano à Assembleia da República, mas não pôde cumprir. As críticas foram tão fortes, que até o Governo tremeu.»
Mas Miguel Sousa Tavares, no «Expresso» inquieta-nos mais ao dar parecer ainda mais grave: Estamos entregues a uma tribo de ayattollahs do liberalismo económico, que viram nesta crise uma excelente oportunidade para desmantelar tudo o que lhe faz espécie na economia social de mercado. Duvido de que eles próprios acreditem na eficácia da sua doutrina contra a crise: mas não tenho dúvidas de que, se tudo correr mal, eles já ficarão satisfeitos por terem conseguido causar danos irreversíveis aos inimigos do liberalismo.

Eleições na Madeira: uma vitória de Pirro

Os resultados da Madeira poderão dar algum ânimo à direita, mas revelam-se bastante ilusórios quanto aos sinais neles perceptíveis.
Em primeiro lugar é bastante consolador saber que Alberto João irá contar com a maioria absoluta, que o privará de quaisquer álibis para justificar as medidas draconianas a que será obrigado por ter vazios os cofres da região. Por muito que culpe os cubanos do Continente, será ele a dar a cara por um conjunto de medidas governativas criadoras de um enorme desemprego e de um aumento drástico de impostos. Será esta, por isso mesmo, a última maioria absoluta do PSD na Região por muitos e bons anos.
Em segundo lugar a óbvia transferência de votos do PSD para o CDS só comprometerá a actual coligação em Lisboa, porquanto ambos os partidos terão a tentação de adoptar discursos políticos opostos quanto ao que se passará doravante na Região. Pondo em causa a solidez dessa momentânea coligação de interesses!
Ora, jamais abandonando a ambição de chegar a primeiro-ministro, Paulo Portas tenderá a imaginar a possibilidade de uma transferência de votos semelhante no Continente. Bastará que sinta a fragilidade do seu parceiro de coligação para o deixar cair.
E a oportunidade surgirá já nos actos eleitorais de 2013, altura provável para novas eleições legislativas.
Terceiro aspecto a reter: a quebra de votação nos partidos de esquerda, que perderam votos para candidaturas singulares, merecedoras de confiança dos eleitores mais pelo estado de confusão destes do que devido à solidez das suas propostas políticas.
As soluções populistas cumprem os seus ciclos e esgotam-se na sua própria vacuidade ideológica. E será então que o Partido Socialista, a CDU e o Bloco de Esquerda deverão surgir com propostas consistentes, capazes de convencerem os madeirenses em como o seu futuro não poderá continuar refém da truculência irresponsável do político que os terá (dês)governado durante quase quarenta anos…
Não são derrotas destas, que devem paralisar as esquerdas. Deve-as sim obrigar a iniciar desde já a preparação das vitórias futuras!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Falta de vergonha!

Numa edição recente do «Jornal de Negócios» a jornalista Helena Garrido comentava que compreender-se-ia que António Borges, antigo dirigente do PSD hoje em lugar de destaque no FMI, não favorecesse o seu país nas suas actuais funções. Mas já se compreende muito menos que ande a incendiar plateias internacionais com cenários catastrofistas a seu respeito.
Com amigos destes o país não necessita, de facto, de inimigos. Mas já não espanta este tipo de comportamentos por parte de políticos de direita, que abandonam a realidade nacional e ascendem a lugares aonde jamais os seus talentos os tenderiam a levar.
Quem não se recorda das vãs promessas de quem via na nomeação de Durão Barroso para a liderança da Comissão Europeia a possibilidade de Portugal vir a ganhar alguma coisa com isso?
Ganhou de facto? Se isso aconteceu ninguém terá dado por isso!
E os deputados do CDS com o inefável Nuno Melo à cabeça a fazer todos os possíveis para prejudicar o país nas instâncias europeias, movido pelo seu ódio a José Sócrates? E Paulo Rangel no mesmo palco com a suposta deriva totalitária do governo socialista?
A direita não tem escrúpulos nem vergonha! E António Borges é só dela o exemplo mais recente!

domingo, 2 de outubro de 2011

Os indignados chegam a Wall Street

A contestação designada por «movimento dos indignados» chegou ao outro lado do Atlântico, congregando milhares de norte-americanos decididos a exigirem a mudança de rumo de uma sociedade votada a formas selvagens de capitalismo.
É claro que existem diversas Américas e todas elas se conjugam para resultar no país de contrastes, ora a sonhar com as pífias intenções de Obama, ora a ceder ao populismo inquietante dos ideólogos do «tea party».
Se vemos o libelo de Michael Moore contra o capitalismo descobrimos uma América a despertar para a luta, para a contestação, para a exigência de uma sociedade diferente. Se, ao invés, vemos a reportagem da Sic Notícias sobre os reformados dispostos (ou obrigados) a regressarem ao mercado do trabalho depois de terem perdido as suas casas e as suas pensões de reforma, damos com gente que nos espanta por optar mais facilmente pelo suicídio do que pela luta política.
A actual revolta em Wall Street, em Chicago ou em São Francisco poderá não levar a nenhuma consequência relevante, mas também poderá ser o início de algo, que nos venha a surpreender em anos vindouros. Afinal foi o próprio Marx quem previu a possibilidade de o comunismo emergir a partir de sociedades de capitalismo avançado (e esgotado) do que das ainda demasiado ligadas à ruralidade como ocorreu na URSS ou na China...