Os jornais continuam-nos a dar leituras interessantes destes dias de expectativa.
Pedro Lains, por exemplo, escreveu um texto no «Diário Económico», em que mostra como o nosso talibã das Finanças é um filho ideológico dos Chicago Boys chamados por Pinochet para darem um empurrão ao Chile e que tão maus resultados provocaram:
Afinal, Portugal não é a Grécia. É o Chile. De há 30 anos. Não vamos apenas recuar no rendimento per capita, mas também na História, na integração europeia e, seguramente, na qualidade da democracia. Em prol de quê? - Em prol de uma fé. E a troco de quê? - A troco de uma mão cheia de nada.
O plano de Vítor Gaspar já chocou muita gente, porque é chocante assenta numa carta que não estava no baralho: a contracção sem limites de salários - e mais aumento de impostos. Assim qualquer um sabe governar.
O actual Governo, uma vez por todas, tem de assumir as suas opções. As suas opções radicais. E profundamente anti-europeias.
Nos anos 1980, um grupo de rapazes de Chicago entrou pela ditadura chilena adentro e "cortou com o passado", fazendo um "ajustamento profundo". Os pormenores não cabem aqui, mas quatro questões importantes cabem: o país era então uma ditadura; não estava integrado num espaço económico e monetário alargado; havia uma enorme taxa de inflação; e os mercados internacionais não estavam de rastos. E o desemprego subiu a perto de 25%, sem subsídios, claro, que isso é para os preguiçosos.
A estratégia de Vítor Gaspar, sufragada por Passos Coelho, é profundamente desactualizada e mesmo errada. Ela insere-se num quadro mental em que os gastos do Estado provocam inflação, quando estamos numa fase de baixíssima inflação; pressupõe o financiamento nos mercados internacionais de capitais, quando estes estão retraídos em todo o Mundo.
E, apesar de ainda pouco lidos em relação ao coro de comentadores, que entoa hossanas aos ditames dos «amigos do Gaspar», já surgem uns quantos a confrontar Passos Coelho com as mentiras descaradas com que enganou os portugueses. É o caso de Miguel Sousa Tavares no «Expresso»: foi a medida emblemática do programa eleitoral do PSD e o tema principal do decisivo debate televisivo entre Sócrates e Passos Coelho. Passos garantia que descia a TSU em 7 ou 8 pontos e financiava a descida através da subida do escalão de algumas taxas intermédias do IVA. Afinal o que aconteceu é que a TSU desceu zero, mas, em contrapartida, subiu o IRC para as empresas, os trabalhadores vão ser forçados a trabalhar mais meia hora diária grátis e quase todas as taxas intermédias do IVA subiram para o máximo! Digam-me lá quantos votos teria tido o PSD se tem anunciado isto em campanha?
No mesmo jornal até o insuspeito Fernando Madrinha aprecia o trabalho de Passos Coelho na mesma linha do total desfasamento entre as promessas de ontem e os actos de hoje: Precisávamos de um primeiro-ministro que pudesse apresentar-se aos portugueses de consciência tranquila e não como alguém comprometido que diz hoje e subscreve, medida por medida, rigorosamente o oposto de tudo o que disse nos dois anos em que liderou a oposição.
Para Fernando Sobral este Orçamento de Estado para 2012 põe-nos num trilho inquietante: Avançamos por uma ponte, mas não vislumbramos a outra margem. Não sabemos se chegaremos à outra margem ou se a ponte será dinamitada a meio da viagem.
Os portugueses vão ficar mais pobres. E vão ter de se habituar a isso. Vítor Gaspar é o cobrador sem fraque. Sem anestesia. Sem sorrir.
Por isso mesmo sou daqueles socialistas para quem não existe espaço para contemplações com este Governo e com este Orçamento. Votar contra é legítimo, depois de ter sido esta gente quem agravou drasticamente o presente com a pressa de chegar ao poder. E, lá chegado, ter ido muito além do negociado entre Sócrates e a troika...
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