sexta-feira, 30 de abril de 2021

Quem os inimigos poupa...

 

1. Por muito que haja quem no PSD queira «traduzir» o que a sua candidata à câmara da Amadora disse a propósito de um dos partidos da esquerda parlamentar não há como dar a volta e amenizar o injustificável. Mesmo que quem ofendeu se faça de vítima e se apresente como alvo do politicamente correto. Porque o que anunciou querer foi o extermínio de quem se situa do outro lado da trincheira política embora não tenha pormenorizado se seria com zyklon B ou com método menos expedito que o daquela sinistra criação da Bayer.

Perante tais palavras podemos sempre voltar ao discurso de Marcelo no 25 de abril: será que com estes Venturas de calças ou de saias poderá haver algum diálogo?  Ou pode-se desculpar Rui Rio por prestar-se à patética condição de mera barriga de aluguer de quem acabará por o defenestrar?

Perante o despudor dos fascistas em saírem das catacumbas e reivindicarem a ocupação do espaço público, ocorre o provérbio popular que diz estar condenado quem os inimigos poupa. E eles são mesmo os nossos inimigos.

2.  Só passaram cem dias desde que tomou posse - e por isso o comentário pode ser tão precipitado quanto foi o juízo do comité norueguês que atribuiu o Nobel a Barack Obama, que se revelaria um azougado falcão - mas Joe Biden parece estar a sair melhor do que a encomenda. Sabíamo-lo muito mais à direita que Bernie Sanders ou Elizabeth Warren, mas está a implementar políticas fiscais, que aqueles teriam bastante maior dificuldade em impor, não só aos republicanos, mas também aos senadores e congressistas democratas.

É certo que Biden tem a sorte de contar com maiorias nas duas câmaras do Capitólio, mas nem sequer lhe passa pela cabeça chegar a algum acordo com as bancadas adversárias. Ele sabe que tem ano e meio até às intercalares do próximo ano para chamar a si o eleitorado operário, que Trump iludiu e arregimentou.

Ao focalizar-se na criação de empregos nas infraestruturas para o proletariado com menores qualificações e promovendo políticas que reduzam as desigualdades entre os muito ricos e a maioria dos que nada têm, Biden pode conseguir um lugar na História ao lado de Roosevelt como um dos presidentes norte-americanos com políticas mais progressistas.

Não é que acredite numa regeneração capitalista de que Biden é momentâneo provedor, mas não defenderam alguns marxistas do início do século XX, que a transformação qualitativa das sociedades depende sempre da constatação de se ter deixado o sistema anterior chegar ao seu mais negro crepúsculo?

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Com papas e bolos

 

Amigos meus, que mantém apoio, senão mesmo admiração por Marcelo Rebelo de Sousa, chamaram-me a atenção para a injustiça, que lhe fiz ao criticar o discurso do 25 de abril por pressupor o branqueamento do passado - os crimes nas cadeias da Pide, os perpetrados nas ex-colónias , etc. - em nome de uma convivência harmoniosa de todos os cidadãos para além das suas diferenças ideológicas. Uma questão de consolidar aquilo que seria uma suposta coesão social, seja lá o que isso for.

Hélas!, como diriam os franceses: entre fascistas e democratas existe uma fronteira inultrapassável, que acabará com a vitória de uns ou de outros, nunca com a sua pacífica convivência. Porque os fascistas trazem catadupas de proibições na bagageira: basta olhar para o regime de Orban na Hungria e comprova-se como, passo a passo, uma sociedade suficientemente democrática para ser aceite na União Europeia, se foi afastando dos seus valores e princípios inalienáveis até tornar-se no tipo de ditadura aí sofrida. Não faltam imitadores de Orbáns nas bancadas dos quatro partidos das direitas parlamentarmente representados.  Faltam-lhes os meios, mas quanto à vontade não há como a disfarçar...

Não significa isto que todos, ou mesmo a maioria dos eleitores e simpatizantes dos partidos de direita e extrema-direita sejam fascistas, mas o facto de se deixarem embalar pelo tipo de demagogia dos seus chefes ilustra bem a incapacidade dos democratas em desmascararem a  incoerência daquilo em que acreditam.  Porque se alegam a luta contra a corrupção para exigirem mais transparência (até há uma coisa esdrúxula que tem lugar cativo na imprensa para a propagandear), logo se insurgem contra a burocracia, que dificulta o sucesso dos negócios só por estes terem de passar pelo crivo de quem os analise e considere livres de suspeita. Se, como o Chicão apareceu a propor esta semana, se exige aos políticos uma exclusividade total num número limitado de anos, porque o número de mandatos deve ser restringido, bem podemos imaginar a (falta de) qualidade  dos que se disporiam a cumprir essas regras tendo em conta que, quando voltassem ao seu percurso profissional já há muito o comboio que lhes cabia partira da gare sem terem por garantida outra alternativa de recurso.

Se queremos melhores políticos não há como fugir à inevitabilidade de lhes pagarmos salários ao nível do que ganhariam nas empresas pelo mesmo tipo de responsabilidades e sem as limitações próprias de trabalhadores precários. Mas esta evidência é criminosamente torpedeada pelos que anseiam por ter uma classe política mal paga e desconsiderada, porque se torna mais fácil aos candidatos a donos disto tudo prosseguirem com os seus obscenos interesses. E isso é coisa que, infelizmente, não foi ainda compreendida pelos que acreditam no que as televisões ou as publicações da Impresa, da Cofina ou o Observador lhes vão transmitindo...

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Eles nem sabem, nem sonham...

 

A um mês da sua Convenção o Movimento Europa e Liberdade continua a demonstrar aquilo que são as atuais direitas nacionais: politicamente situam-se no patamar mais rasteirinho da inteligência política vivendo da chicana, do golpismo e do ódio. Ideias não se lhes conhecem, o que não é de estranhar: o passismo, que lhes serviu de ninho, limitou-se a ser o subserviente instrumento dos bancos alemães e franceses para que os investimentos na dívida portuguesa não ficassem comprometidos pondo a troika a operacionalizar a forma como seriam os contribuintes lusos a arcarem com os efeitos da crise dos subprimes. Como cortina de fumo espalharam a ideia de ter sido Sócrates a levar o país à bancarrota e, espantemo-nos!, há quem ainda acredite nessa narrativa destinada a iludir uns quantos papalvos.

Para além disso o que se soube do pensamento político do ex-primeiro-ministro, hoje absurdo professor convidado de uma universidade desde sempre conotada com o mais bolorento dos ultraconservadorismos? Que os pensionistas e reformados deveriam perder rendimentos, que a legislação laboral ficaria reduzida a deveres muitos e direitos nenhuns e que os portugueses deveriam competir em baixos salários com alguns países subdesenvolvidos da Ásia.

Como Visão de futuro ficámos elucidados!

Por não terem uma ideia digna desse nome para o país, as direitas sabem-se fracas e intentam fazer-se fortes: daí o processo de normalização da sua expressão mais extrema, a que se conota com o fascismo. Maria João Marques que transferiu-se do Observador para o Público - e é por isso mesmo insuspeita de alguma simpatia pelas esquerdas - comenta que os debates da Convenção do próximo mês prometem ser delirantes, totalmente avessos às verdadeiras preocupações dos portugueses. E, por isso mesmo, quem lhes agradecerá será o Partido Socialista. Porque, enquanto as direitas considerarem o trumpismo o modus operandis da sua ação política, o atual governo bem pode ficar descansado. Ela bem sabe o que lá pela sua casa se gasta....

terça-feira, 27 de abril de 2021

O passado não pode ser visto por lentes convergentes

 

O discurso de Marcelo neste 25 de abril foi muito elogiado em todos os quadrantes.

Que bonito ver toda a gente satisfeita com um discurso do tipo “vá lá sejam todos amiguinhos, não andem para aí a digladiarem-se só porque uns querem olhar o passado à luz dos valores de hoje e os outros querem-se ficar nos que já cheiram a mofo!”.

Curiosamente o fascismo também alinhava nesta lógica com uma coisa esdrúxula chamada «corporativismo»: os interesses dos ricos e dos pobres, dos patrões e dos operários, dos latifundiários e dos assalariados agrícolas, poderiam sempre ter pontos de convergência tão só se convencessem os segundos a aceitarem as balelas profusamente difundidas pelos primeiros com a ajuda da prestimosa Igreja Católica.

Nem mesmo quando as esquerdas se põem a elogiar o discurso, Marcelo se exime de nele meter o tipo de raciocínios que o papá e o padrinho lhe ensinaram na infância e na juventude.

Se há coisa que execro é essa ideia voltaireana de todos sermos dotados de belos espíritos fadados para se encontrarem. A verdade é que não somos! Porque a sociedade está dividida em classes haverá sempre quem quererá manter o estado de coisas atual, ou regredir para outro onde possa sentir-se ainda mais beneficiado, enquanto não faltarão quantos querem transformar a realidade e orientá-la no sentido em que julguem mais concretizadas as suas expetativas.

Uns são minoritários e tentam resistir nos respetivos fortes, os outros são maioritários, mas não sabem, amiúde, como fazer dessa vantagem uma catapulta mais poderosa para derrubar as ameias inimigas.

Bem pode pregar Marcelo em favor de todos sermos amiguinhos, que a nossa condição é olharmos à parte pelos nossos respetivos negócios. 

Falta cumprir Abril?

 

Tem razão André Lamas Leite, quando diz já não haver paciência para ouvir discursos sobre o faltar cumprir Abril. De facto basta ponderar nas várias tendências de quem fez a Revolução dos Cravos para saber como lá cabia tudo e o seu contrário. Apenas não se queria o que ficara para trás, tão insatisfatória era a qualidade de vida, tão falho de esperança o futuro dos que não arriscavam a deserção, a opção pelas estranjas.

Contraditória, a Revolução permitiu que se sonhassem formas muito diversas de utopias enquanto os habituais donos disto tudo deixavam a poeira assentar para voltarem a impor um tipo de país feito de explorados e exploradores, de ricos e de pobres, de gente que manda e outra que obedece.

Podemos sempre alegar que o nosso 25 de Abril não se cumpriu e com isso muitos partilham a ideia de se ter podido construir um país mais justo e igualitário onde a solidariedade fosse imperiosa de cumprir. Mas a luta de classes é tramada; as circunstâncias históricas e materiais para que uma sociedade progrida são bastas vezes aleatórias. E poucos tiveram a sensatez de pensar na altura, que um tal senhor Vladimir nos lembrava que, dando-se dois passos por diante, lá nos vemos obrigados a aguentar com outro que nos forçam a dar à retaguarda.

Como diria o atual secretário-geral das Nações : é a Vida! Por muito que teimemos em dar tratos à cabeça para descobrir como poderemos voltar a dar dois novos pulos para a frente!

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Um mel de contrafação e outras pestíferas novidades

Chama-se MEL, mas nada tem a ver com as laboriosas abelhas. O Movimento Europeu e Liberdade foi uma criação dos órfãos do passismo para corroerem a liderança de Rui Rio e propiciarem o regresso do sebastião de Massamá, mas reciclou-se no entretanto.

A reciclagem do MEL, arregimentando todas as direitas, desde o PSD ao Chega, também inclui alguns antigos e atuais socialistas, que decidiram branquear a estratégia com a sua participação. Os nomes: Sérgio Sousa Pinto, Luis Amado, Álvaro Beleza e Henrique Neto.

No editorial do «Público» Amílcar Correia aventa que “as direitas unidas jamais serão vencidas”. Pode-se-lhe redarguir: “in your dreams buddy!” Mas há males que vêm por bem: talvez assim as esquerdas se tornem menos sectárias e voltem a convergir.

Com outra lucidez Teresa de Sousa comenta que, nas esquerdas, “repetir o discurso populista contra as elites corruptas e indiferentes à sorte dos cidadãos não é propriamente o melhor cami
nho para o combater e fortalecer a democracia”.

O jornal da SONAE “comemorou” o 25 de Abril enaltecendo como herói um militar que, à frente da prisão de Peniche, garantiu um tratamento cordial aos pides para aí levados depois da Revolução dos Cravos. No mínimo deveria ter calado esse ultraje a quem ali foi torturado.

Sete parágrafos sobre uma mistificação deste fim-de-semana

 

1. Este foi fim-de-semana de fartar vilanagem quanto aos limites da Democracia: em letras garrafais o Expresso anunciava que só 10% dos portugueses se viam a viver numa Democracia plena mas, em letras pequenas, já eram 57% a reconhecê-lo, mesmo que com “pequenos defeitos”.

2. Definitiva, Leonete Botelho (Público) ouviu quatro “especialistas” e não fez a coisa por menos: há crise de representação, crise de Justiça e necessidade de regenerar as instituições democráticas. Esqueceu o essencial: essa «crise» tem muito a ver com a péssima imprensa ao nosso dispor.

3. Temos uma imprensa que não educa, não informa, não denuncia quem mente e quem manipula. E também um ensino em que a Educação para a Cidadania é aquilo que não deve ser: uma disciplina entre todas as outras. Porque devia ser a Disciplina com maiúscula...

4. Desinformadas e sem cultura democrática de base, as populações - não apenas as portuguesas! - deixam-se alienar e desviar do essencial: a Política é Ideologia, uma Visão de futuro. Algo coberto de denso nevoeiro por quem sabe tal evidência prejudicial aos seus negócios.

5. Os «salvadores da Pátria» querem mudar a Constituição, cujo teor tanta urticária continua a suscitar-lhes. E, no entanto, é evidente que ela não impede as tais “reformas estruturais” de que tanto falam. Mas que não sabem enunciar quais se para tal forem desafiados...

6. Pois! Querem também a reforma eleitoral, uma nova lei dos partidos? Para quê? Adivinha-se bem: facilitar a viragem à direita agora que comprovam a possibilidade das esquerdas terem longa governação mediante acordos de mínimo denominador comum.

7.Aaah! Também falam de corrupção, não é? Mas qual o regime que a não tem por muitos mecanismos de controle e de transparência, que implementem? Só que a corrupção é bem mais destemperada nos regimes prezados pelos que sobre ela levantam agitadas bandeiras.