sábado, 29 de maio de 2010

Da má-língua ao questionamento lúcido da realidade

O artigo que Leonel Moura assinou ontem no «Jornal de Negócios» é bastante certeiro na forma como analisa este momento português: impera à nossa volta a má-língua permanente de quem fala, fala, mas nada faz.
Pode-se dizer cobras e lagartos do primeiro-ministro nos cafés ou nos fóruns televisivos, mas quem protagoniza tais dislates, nada faz de útil para mudar os acontecimentos. Não milita em partidos, nem em associações, e quase por certo se escusa aos gestos solidários para com quem se cruza na rua. Pelo contrário: alimenta um ódio visceral pelos miseráveis, que vegetam à conta do rendimento mínimo, como se essas esmolas os privassem dos maiores privilégios.
É o Portugal derrotado, como muito bem afirma o artista plástico, ou seja aquele que perante as Índias continua a repetir os discursos balofos dos velhos do Restelo. Não querendo TGV’s nem aeroportos, muito menos estradas para facilitar a circulação mais rápida de pessoas e mercadorias.
Há, ainda assim, um ponto de viragem a constatar-se: as sondagens, que dão prometedores resultados ao novo líder da direita,  demonstram o prémio para quem se dispõe a agir construtivamente, em vez da aposta na estratégia da «terra queimada». Talvez esse facto demonstre um certo enfartamento dos portugueses por essa má-língua e se disponham, então, a questionar o que de positivo pode influir no seu futuro.
Talvez se aproximem, enfim, do que é entendido  por muitos, mas ainda insuficientes para alterar o presente estado das coisas: que na origem de todos os nossos males está um «capitalismo canibal» (designação certeira de Baptista Bastos), que privilegia o sucesso baseado nos indicadores económicos, e sobretudo nos lautos lucros das grandes corporações, mas se esquece dos milhões de desvalidos, condenados ao desespero.
Decerto que o futuro está no europeísmo, garante de paz e de desenvolvimento dos povos do continente, como passo intermédio para o grande objectivo ideológico do futuro: uma mesma humanidade, sob um governo de todos e para todos, no respeito pela vontade de um planeta de recursos limitados.
Daí que esse mesmo futuro obrigue a uma outra atitude para com a aquisição e conservação dos bens efémeros: é a sociedade de consumo desenfreado, que está a conhecer uma contestação dos factos, que não das vontades. Mas serão a circunstâncias a ditar a importância da interiorização dos bons hábitos da poupança. Até para garantir uma vida decente nos últimos anos de uma existência cada vez mais prolongada pelos sucessos da medicina.

Uma questão de educação

Numa recente entrevista, o jornalista e escritor Pedro Rosa Mendes  afirmou que  o maior problema e a coisa mais insidiosa da ditadura salazarista não era a Pide, não foi o Tarrafal. Foi o facto de termos vivido tanto tempo debaixo de uma ditadura de ignorância que se perpetua.
Pelo resultado da sondagem hoje publicada nos jornais o problema subsiste, quase sem alteração, oitenta e dois anos depois de iniciada a rebelião militar, que instauraria a ditadura fascista. É que a crise financeira, e todas as ameaças de empobrecimento da maioria da população portuguesa, criam o caldo de cultura de onde volta a emergir o tenebroso ovo da serpente.
Qual mancha de óleo a manchar a limpidez de uma água cristalina, espalham-se atoardas a respeito do exagerado número de políticos ou dos seus superlativos ganhos. Como se a actividade política não devesse ser, em democracia, a mais ilustre das funções e, enquanto tal, a melhor remunerada para a ela atrair os melhores.
Ao desenvolver o discurso niilista anti-políticos, a direita mais retrógrada volta a recorrer aos ignorantes enquanto idiotas de serviço à sua totalitária intenção. E, uma vez mais, é à educação, ao debate, à militância combativa pelas ideias mais solidárias, que a esquerda deve recorrer como contrapeso.
Têm sido tantas as derrotas ao longo destas últimas décadas, que é altura de sustentar as nossas mais efémeras vitórias. Até porque as receitas liberalizantes deixaram de constituir resposta eficaz a esta crise actual.
É preciso apostar na criação de uma nova sociedade com ideias renovadas quanto ao seu modelo de organização.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Previsões exageradas

É algo de muito complicado em cada semana: diversas pessoas vão-me contactando porque, julgando-me em situação de maior poder do que efectivamente tenho, me querem pedir ajuda para lhes encontrar emprego, seja por estarem desempregadas, seja por já não receberem ordenados há alguns meses.
Esta frequência de apelos desesperados tem-se vindo a agravar nos meses mais recentes, sobretudo a partir da altura em que a crise financeira internacional se traduziu no ataque especulador à moeda única europeia, servindo-se da Grécia e de Portugal como os elos mais fracos de uma corrente orientada para toda a União continental.
Os defensores do dólar tinham passado por violento susto, quando viram essa moeda a perder relevância num mundo progressivamente orientado para a divisa rival, razão para não deixaram escapar a oportunidade de recuperarem a dominação anterior. Infelizmente, a direita europeia personificada na atarracada chanceler alemã foi sua cúmplice, ainda se está para ver se voluntária, se involuntariamente.
Para esta situação o Governo de José Sócrates nada pôde fazer. Balizado nas receitas keynesianas apostara nas grandes obras públicas como forma de dinamizar o mercado do emprego e gerar fluxos de circulação fiduciária em toda a nossa realidade.
Pode-se-lhe assacar muitas críticas quanto à exagerada ambição do referido plano de investimentos, mas ele era o único capaz de promover a criação de dezenas de milhar de postos de trabalho e de travar a provável recessão económica.
Não lhe foi possível traduzir essa visão em realidade. Por um lado, porque um conjunto de bafientos velhos do Restelo andaram a conspirar para parar com todos os projectos, voltando á velha solução salazarenta de guardar o oiro e manter a camada mais pobre da portugalidade naquele limiar de sobrevivência mínima tantas vezes geradora de desesperos suicidas. Depois, porque se manteve essa conjugação de interesses entre especuladores, agências de rating e a direita europeia para pôr um termo ao agregador euro.
Agora resta a José Sócrates ir cumprindo os programas do PSD, sem se libertar de uma espiral de descontentamento crescente do eleitorado.
Mas quero crer o quão errados estão os urubus atentos ao estertor do primeiro-ministro para o começarem a debicar. Quem já lhe preparou o discurso fúnebre bem o poderá guardar por mais algum tempo. Como dizia Mark Twain, as notícias sobre a sua morte são bastante exageradas...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Uma questão de idiossincrasias...

Numa recente entrevista à Télérama o escritor grego Nicos Panayotopoulos refere que muitos compatriotas têm detectado um súbito embranquecimento nos cabelos do primeiro-ministro George Papandreou. E essa constatação tem suscitado uma grande admiração pela fibra estóica de um homem a contas com tão problemático destino quanto é o seu e o do seu povo. Porque enfrentar uma crise desta dimensão é para gente corajosa e de grande determinação. E, por isso, embora um multidão em pânico se manifeste nas ruas de Atenas contra as incertezas do seu futuro, a maioria dos gregos já sabe quanto incontornável é a opção seguida pelo Governo. E apoia-a.
Lamentavelmente não se passa o mesmo em Portugal aonde os sinais de envelhecimento precoce de José Sócrates são igualmente bastante óbvios. Ao pundonor com que tem procurado levar o país na direcção de uma modernidade mais competitiva,  têm respondido as diversas corporações ameaçadas por medidas previstas ou aplicadas no mandato anterior, e que tudo têm feito para o apear. Com a conivência activa desses cada vez mais desmascados mercenários do presente, que são alguns jornalistas com uma visão muito própria do seu código de conduta...
Estou em crer que, a consegui-lo, derrubam o mais brilhante político da sua geração, aquele que não se conformou, nem se conforma, com um país no diminutivo e o quis fazer ombrear com os mais avançados.
Que se tente heroicizar uma brigada do reumático, que tudo quer travar em nome de salazarentos discursos e apoiada num dos seus mais lídimos representantes (por ora ainda sentado em Belém) diz muito sobre a diferença entre gregos e portugueses. E talvez se clarifique melhor a razão, porque, na altura da grande decisão, foram eles a conquistar o Europeu de futebol em detrimento de uma selecção scolarizada, também ela vergada a valores e concepções dos tempos da outra senhora…
Ou porque uns são alegres dançarinos ao som do bouzouki e outros se deprimem ao ritmo fadista da guitarra portuguesa...

sábado, 8 de maio de 2010

Cegueiras involuntárias

É bem conhecida a tendência para nos distrairmos do que está mesmo ali à nossa frente e com que embatemos, quer se trate de um objecto ou quer de um conhecimento para os quais deveríamos ter tomado determinadas precauções. O chavão inglês, inattentional blindness (cegueira sem intenção), está a ser glosado em muitos artigos científicos, que reconhecem existir uma incapacidade humana para ver coisas que estão à frente dos olhos apesar de se tratar de algo facilmente explicável: as pessoas ou não estão preparadas para aquilo ou estão a prestar atenção a outra coisa.
Cabe-nos interrogar se, nesta altura, em que a crise financeira está tão intensa com os movimentos especulativos a abalar todas as teorias consolidadas da gestão capitalista e diversos países à beira da bancarrota, se a maioria das populações, agora condicionadas no seu bem-estar pelas ameaças de desemprego e de efectiva pauperização, não deveriam despertar para a realidade mais óbvia: depois da falência de um certo tipo de comunismo, está-se à beira de assistir à implosão do sistema de mercado livre, exigindo-se o advento urgente de uma nova via para evitar as, por ora aparentemente inevitáveis, crises sociais.
A bem da própria sobrevivência da espécie, exigem-se outras políticas e modelos de organização social em que não se esqueça a preservação dos ecossistemas e se reequilibre os abismos cavados entre a qualidade de uma minoria de privilegiados e a grande maioria dos desvalidos.
Se no início da Primavera de 1968, quem visitasse Paris, não poderia imaginar o que viria a aí ocorrer dois meses depois, pode-se estar à beira de algo similar. É que, nesta altura, não são apenas os vulcões islandeses a darem mostras de uma pressão interna ansiosa por se libertar.
Se, pessoalmente, julgava, com o 25 de Abril, já ter esgotado o direito à revolução politica correspondente ao meu tempo de vida, são os próprios especuladores financeiros a contribuir para uma reposição do mesmo filme, como já os gregos estão a protagonizar.
Uma coisa parece certa: nem à direita, nem do lado da social democracia, aparece nenhum iluminado com soluções para os dilemas presentes. O que leva a exigir muito mais à esquerda do que o actual negativismo dos ex-trotsquistas ou a cartilha desactualizada dos comunistas.
De onde poderão vir novas ideias para o renascimento de promissoras utopias? Esperemos que já comecem a clarear os pensamentos de quem se tem deixado distrair com a espuma desta crise e a escalpelize com a profundidade bastante para sugerir novos caminhos.
Estamos, pois, no dealbar de uma nova fase em que abandonando essa cegueira involuntária, os povos deverão deixar de se focalizar no que os media e os governos afirmam ser o essencial, para prestarem a sua atenção às alternativas viradas para o seu futuro...