sábado, 8 de maio de 2010

Cegueiras involuntárias

É bem conhecida a tendência para nos distrairmos do que está mesmo ali à nossa frente e com que embatemos, quer se trate de um objecto ou quer de um conhecimento para os quais deveríamos ter tomado determinadas precauções. O chavão inglês, inattentional blindness (cegueira sem intenção), está a ser glosado em muitos artigos científicos, que reconhecem existir uma incapacidade humana para ver coisas que estão à frente dos olhos apesar de se tratar de algo facilmente explicável: as pessoas ou não estão preparadas para aquilo ou estão a prestar atenção a outra coisa.
Cabe-nos interrogar se, nesta altura, em que a crise financeira está tão intensa com os movimentos especulativos a abalar todas as teorias consolidadas da gestão capitalista e diversos países à beira da bancarrota, se a maioria das populações, agora condicionadas no seu bem-estar pelas ameaças de desemprego e de efectiva pauperização, não deveriam despertar para a realidade mais óbvia: depois da falência de um certo tipo de comunismo, está-se à beira de assistir à implosão do sistema de mercado livre, exigindo-se o advento urgente de uma nova via para evitar as, por ora aparentemente inevitáveis, crises sociais.
A bem da própria sobrevivência da espécie, exigem-se outras políticas e modelos de organização social em que não se esqueça a preservação dos ecossistemas e se reequilibre os abismos cavados entre a qualidade de uma minoria de privilegiados e a grande maioria dos desvalidos.
Se no início da Primavera de 1968, quem visitasse Paris, não poderia imaginar o que viria a aí ocorrer dois meses depois, pode-se estar à beira de algo similar. É que, nesta altura, não são apenas os vulcões islandeses a darem mostras de uma pressão interna ansiosa por se libertar.
Se, pessoalmente, julgava, com o 25 de Abril, já ter esgotado o direito à revolução politica correspondente ao meu tempo de vida, são os próprios especuladores financeiros a contribuir para uma reposição do mesmo filme, como já os gregos estão a protagonizar.
Uma coisa parece certa: nem à direita, nem do lado da social democracia, aparece nenhum iluminado com soluções para os dilemas presentes. O que leva a exigir muito mais à esquerda do que o actual negativismo dos ex-trotsquistas ou a cartilha desactualizada dos comunistas.
De onde poderão vir novas ideias para o renascimento de promissoras utopias? Esperemos que já comecem a clarear os pensamentos de quem se tem deixado distrair com a espuma desta crise e a escalpelize com a profundidade bastante para sugerir novos caminhos.
Estamos, pois, no dealbar de uma nova fase em que abandonando essa cegueira involuntária, os povos deverão deixar de se focalizar no que os media e os governos afirmam ser o essencial, para prestarem a sua atenção às alternativas viradas para o seu futuro...

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