quinta-feira, 31 de outubro de 2013

LIVRO: «A Sombra da Sereia» de Camilla Läckberg

Há uns anos a esta parte, tenho descoberto coisas assombrosas sobre os suecos, apesar de com eles ter convivido durante os anos em que andei pelas suas paragens a tripular um navio de passageiros. Desse tempo achei-os extremamente contidos, senão mesmo  austeros, só tendo como comportamentos desviantes o suicídio provocado pelo tédio e o alcoolismo de fim-de-semana, que tornava desaconselhável andar pelas ruas de Gotemburgo ou de Tromson logo que surgia a saída dos empregos para um descanso de dois dias.
Primeiro foi Stieg Larsson a mostrar-nos gente comprometida com o nazismo e outras causas pouco recomendáveis - que estiveram na origem do assassinato de Olof Palme - ou abalada por traumas infantis de cura mais que improvável.
Com os casos do inspetor Wallander, criados por Henning Mankell, essa convicção só fez com que se reiterasse: por trás da fachada de aparente normalidade, descobriam-se perfis psicóticos, capazes dos crimes mais horrendos.
Afinal, ao contrário do que defende camilo lourenço, a literatura até faz bastante sentido, mesmo não se tratando de um bem transacionável. Se algum dia voltar à Suécia estarei prevenido quanto à essência de quem for meu interlocutor.
Em «A Sombra da Sereia» temos Erika Falck híper-gravidérrima de gémeos, mas, como de costume, a bisbilhotar à sua volta procurando respostas para os mistérios, que se irão acumular sem fácil explicação.
Assim, temos Magnus, um habitante de Fjällbacka desaparecido, sem que a política faça a mínima ideia do seu paradeiro. Só semanas depois é que um velho, que passeava com o cão à beira do lago gelado, dá com o corpo escondido debaixo daquela brancura solidificada.
Nessa altura, a protagonista ainda não adivinha o elo, que interliga esse assassinado com o escritor local a quem decidira promover junto de uma editora sua conhecida e dois outros homens da região. Todos eles estão a receber cartas ameaçadoras, que começam a concretizar-se sob a forma de ataques cada vez mais inexplicáveis.
Enjeitando a opção de escrever uma história sequencial, que facilitasse a vida ao leitor, temos a abordagem de uma vingança assumida por um desses homens contra os outros três, que o tinham sujeito a bullying durante a infância e lhe tinham violado a irmã deficiente mental.
Mas as cenas mais impressionantes ocorrem na revisita do passado para lermos sobre as situações na origem da perturbação mental do assassino: não só em bebé fora descoberto junto do cadáver da mãe, quando ela cedera às drogas há pelo menos uma semana, mas também viria depois, por ciúmes, a quase afogar a meia-irmã na banheira causando-lhe danos cerebrais irreparáveis.
Existe, pois, um contexto de grande crueldade no caso descrito pela escritora sueca. E quase ninguém sai bem ao deslindar do caso: o investigador principal acaba por ter um enfarte devido à exaustão; o chefe da polícia revela-se um poltrão sem competência; o morto e os seus antigos condiscípulos não deixam de ser uns crápulas violadores; e quase todos os demais têm algo que se lhes diga quanto a caracteres mais que duvidosos. 
Manifestamente, nos livros de Camilla Lackberg, ninguém é perfeito!


FOTOGRAFIA: no centenário de Robert Capa - 3 - Lama, miséria e morte

Robert Capa tinha 25 anos, quando Gerda morreu. Todas as esperanças nela depositadas para um futuro comum esvaíram-se e ele entrega-se ao trabalho como um obcecado para encontrar alguma forma de catarse. E, como em Espanha, ele sentia que só tinha de carregar no botão, que as fotografias estavam ali à sua frente à espera de serem captadas, é para Teruel, que regressa, acompanhando uma batalha, igualmente reproduzida num célebre filme de Malraux. Depois, com a aproximação da derrota republicana, segue para Barcelona para seguir na coluna de militantes das Brigadas Internacionais forçados a passarem a fronteira para França.
No ano seguinte, quando Hitler visita Paris na sequência da sua ocupação, Capa está no México e sente o desespero das derrotas sucessivas de todos quantos o imitavam nas suas convicções. «O mundo nunca foi tão triste como agora», escreve numa carta ao irmão mais novo.
Quando os alemães bombardeiam Londres pela primeira vez, ele cobre o acontecimento para a revista «Life». E radica-se em Nova Iorque, aonde a mãe e o irmão vivem no Upper East Side.
Para a célebre revista para que trabalhava mais regularmente, enceta uma reportagem, que o leva a viajar por toda a América profunda, distraindo-se na medida do possível do que sucedia no teatro de guerra europeu. Alces, bandas de jazz e cenas de futebol americano surgem reproduzidas a partir dos seus negativos. Mas trata-se de um espairecimento forçado: bem desejaria regressar à Europa, mas não consegue um visto para tal. Ademais, quando os EUA entram no conflito, a Hungria integrava as forças do Eixo, pelo que foi considerado cidadão de um país inimigo.
Escreve, então, ao Departamento de Estado a proclamar o seu ódio ao nazismo e a vontade de fazer das suas fotografias, um instrumento de combate contra os exército de Hitler. Mas só em 1942 consegue o visto para Londres, sem a garantia de ser autorizado a acompanhar o exército americano. Mas, meses depois, já está na Tunísia, e logo a seguir na Sicília, para captar as evidências fotográficas dos avanços aliados.
Lama, miséria e morte, será essa a realidade testemunhada nos sete meses em que vai avançando na direção de Roma com o exército norte-americano. Patton é, então, um dos que surge a seu lado numa imagem captada no dia da tomada de Palermo. Mas as amizades com gente que admira vão-se diversificando: em Paris encontra Hemingway por quem sentia uma verdadeira devoção.
Ciente de que a vida era tão frágil, que se poderia apagar num instante, deu asas à sua tendência para as festas bem regadas e para o jogo. Mas, no dia D, ele estava com os milhares de soldados, que se aprestavam para tomar de assalto a praia de Omaha: ele era o único fotógrafo presente para captar esse instante histórico.
Freneticamente, vai fotografando com estilhaços de balas a assobiarem à sua volta e corpos irremediavelmente silenciados nas suas costas. Exausto física e psicologicamente, Capa acaba por desmaiar na praia.
Infelizmente de quase centena e meia de imagens, que envia para serem reveladas em Londres, apenas sobram 11 por inépcia de um assistente de laboratório, e mesmo assim desfocadas.
As imagens sobreviventes acabaram por ser todas elas publicadas na Life e são o testemunho mais assombroso daquele dia em que dez mil soldados ficaram mortos nas praias da Normandia.


POLÍTICA: e eu que me esqueci de vestir o fato domingueiro!

Agora, que já passaram umas horas sobre a cerimoniosa apresentação do guião para a reforma do Estado é que me envergonho de não ter estado à altura de tão importante momento na vida coletiva. Alertou-me o Pedro Vieira no facebook, ao informar-nos que, hoje, vestiu uma roupa bonita para a ocasião.
Bolas! Entre o fato-de-treino para fazer jogging e a roupa de trazer por casa, andei vestido como todos os dias, incapaz de me aperceber de quanto este dia 30 de outubro era mais uma data histórica a conservar  indelevelmente nas nossas memórias.
E, no entanto, não me faltam fatos, gravatas, laços e botões de punho conservados em naftalina  para me aprimorar para tais ocasiões.
Confesso até, mas bastante arrependido, que não dei ao discurso a devida atenção, já que a concorrência era forte: «Preço Certo» num lado, «Casa dos Segredos» noutro, uma telenovela aqui, desenhos animados para os miúdos acolá!
Só agora, ao chegar à net compreendi que passei ao lado dessa demonstração em como “reformar não é cortar”. Eu que já tive direito a uns quantos cortes naquilo que costumava receber, fiquei rendido: daqui para a frente chegarão, afinal, os amanhãs que cantam!
Rendido, o Pedro Lains também pergunta no facebook: “Em que outro país da Europa seria possível uma cena como a montada por Paulo Portas?”
E eu recordei a frase, que estava no topo do edifício do Grupo 2 no Alfeite, quando aí fazia tropa em 1975: «A Pátria Honrai que a Pátria Vos Contempla!”.
Ao olhar para o dileto admirador da Catherine Deneuve, a Pátria deve ter enchido o papinho com tal rebento. Levou quase três anos a escrevê-lo, mas o documento cuja apresentação foi sendo adiada desde fevereiro para que os portugueses sentissem crescer em si a ânsia de o conhecerem, e de nele admirarem o brilhantismo iluminado do redator, ficará com um lugarzinho reservado para sempre nas nossas almas contritas por, às vezes, nos atrevermos a pensar se este caminho vai dar a algum lado!


quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ARTE: os trabalhos em papel de Maryline Pomian

Nunca suspeitaria que seria possível criar tão surpreendentes esculturas a partir do papel utilizado na industria tabaqueira. Mas as obras de Maryline Pomian convenceram-me do potencial dessas mortalhas, um material quase intangível, que obriga a esculpir o próprio ar.
Como considerou a crítica Bertrande Barousky, surgem assim obras gráficas ricas em poesia onde se cruzam sombras com a luz, onde se equilibram os vazios e os volumes, obras de quase ascese e de arquiteta, com ressonâncias oulipianas até pelas condicionantes a que se impõe.
A escultora nascida na prometedora colheita de 1956 (modéstia à parte, é a minha!), deixou-se inspirar pela pop art e pela poesia sufi e começou a trabalhar neste material em 1987, primeiro em pequena escala, e depois em espaços cada vez mais ambiciosos, adequados para a sua preocupação em fazer emergir o invisível.
Numa fase posterior ela dedicou-se a instalações exteriores, de carácter efémero, já que o material por si utilizado desintegra-se facilmente por ação do vento e da chuva. Forma eficaz de concretizar a sua busca em volta do Tempo, quer na sua evanescência, quer infinitude.


POLÍTICA: cavaco foi o que de pior poderia ter acontecido aos portugueses!

Há dias, numa interessante entrevista dada a António José Teixeira, Carlos do Carmo considerava cavaco silva como o que de pior aconteceu ao povo português nestas décadas decorridas desde a Revolução de Abril. E, porque se trata de homem de fino trato, escusou-se a dar largas à indignação, que se lhe pressentia, limitando-se a aludir de passagem aos “amigos” bem conhecidos de tão execrável criatura.
É claro que não nos aliviará o fardo sabermos, que a História tenderá a denegrir cavaco com todo o merecimento pelo que de nefasto terá imposto na sociedade portuguesa nos últimos anos, nomeadamente esse obsceno enriquecimento da corte formada à sua volta em contraponto com o empobrecimento forçado da maioria dos que o tiveram de suportar durante vinte anos em cargos de primeiro-ministro ou de presidente da República.
Quando os historiadores se debruçarem sobre o caso BPN e o esclarecerem devidamente, questionar-se-ão do porquê de não ter sido dado sequência devida à indignação do Presidente Mário Soares quando este se interrogou quanto a não tê-lo visto responder em tribunal pelas suas conivências mais que suspeitas…
Mas não nos podemos sentir aliviados, quando vemos tão vil personalidade a prosseguir nos seus danos à Democracia, à Constituição que prometeu fazer respeitar e ao povo de quem deveria ser o presidente em vez de só se sentir como tal daquela cada vez mais ínfima parcela, que vive à sombra e ainda defende o atual governo. A declaração de apoio ao tenebroso orçamento que a coligação de direita se prepara para validar na Assembleia da República acrescenta mais um episódio à já longa lista de torpezas por ele cometidas .
De cavaco silva reterá a História ter sido o político capaz de agraciar pides com pensões e honrarias negadas paralelamente a Salgueiro Maia e à sua família. Recordará ter sido quem deu cobertura a santana lopes e ao seu desprezível subsecretário de Estado na censura a José Saramago e, depois, capaz de sempre ignorar e querer apagar das memórias os muitos tributos chegados de dentro e de fora do país para com o mais distinto dos nossos escritores. Estranhará como integrou o gangue, que criou um banco para conseguir a maior vigarice que os contribuintes portugueses foram obrigados a pagar, sendo um acionista rapidamente bem recompensado pelas facilidades propiciadas aos cúmplices. Não ignorará, igualmente, ter procurado por todos os meios - mesmo os mais ignóbeis! - sabotar a ação governativa de José Sócrates, não descansando enquanto não o visse substituído por um governo da sua cor política.
Nas próximas semanas tê-lo-emos a fazer coro com pires de lima sobre o “milagre” por que passa a economia portuguesa e a prever “amanhãs que cantam” com a chegada desse “programa cautelar”, que se esforçará por demonstrar nada ter a ver com o segundo resgate.
Será, pois, motivo de espanto, que ele seja dos mais odiados políticos portugueses? Que a mera referência ao seu nome, logo suscite um ruidoso coro de assobios por parte de quem se manifesta contra a troika e contra a austeridade imposta à sua pala?
Há que dar, efetivamente, razão a Carlos do Carmo e lamentar a desdita de nada termos aprendido com essa tendência para que criaturas medíocres vindas da província e oriundas de famílias de recursos reduzidos, cheguem ao poder e nele confirmem a tese de serem alguns homens os piores lobos dos homens. Porque, quem costuma vir das posições mais baixas da escala social não tem a cultura do desprendimento necessária para servir a causa pública, nada os demovendo de, avidamente, procurarem abocanhar poder e dinheiro. E isso está bem patente em cavaco silva: não se lhe pode designar uma única medida política capaz de, reconhecidamente, ter sido proveitosa para quem, na sociedade, é mais desvalido!
E ainda estamos tão longe de o ver chegado ao fim  dos seus intermináveis mandatos...




terça-feira, 29 de outubro de 2013

POLÍTICA: e não é que os ratos começam a saltar do navio a afundar?

Há quanto tempo não perdia o meu tempo a ver as elucubrações de marcelo rebelo de sousa com judite de sousa!
Ontem, porém, a curiosidade levou-me a recorrer às potencialidades da power-box para, finalizado o comentário semanal de José Sócrates na RTP, selecionar o que se passara entretanto na TVI, curioso sobre o que diria o “professor” do grande destaque dado pelas televisões ao antigo primeiro-ministro nos dias anteriores.
Mas afinal não são só os merceeiros holandeses do pingo doce ou a livraria bulhosa, quem se esforçam por negar a existência de um facto político com justificada importância para merecer capas de jornais ou aberturas de telejornais. O apagamento das personalidades incómodas não é apenas apanágio do estalinismo: na TVI os dois palradores do domingo à noite também optaram por se silenciarem a tal respeito.
Mas o tempo só não foi inteiramente perdido, porque deu para recordar o tipo de pseudojornalismo praticado pela ex-senhora seara, quando se pôs histérica a querer forçar marcelo a fazer-lhe o frete de se lhe declarar candidato às presidenciais de 2015.
Pode-se conjeturar o que se terá passado pela cabeça aloirada (no sentido pejorativo, claro!) da referida entrevistadora: a forma de retirar Sócrates das primeiras páginas dos jornais - sobretudo, quando acaba de demonstrar, uma vez mais, a essência mentirosa de passos coelho sobre as conversas tidas por ambos em 2010 -  seria arranjar uma «bomba» noticiosa na noite de domingo e nada melhor do que virar os azimutes para eleições aprazadas para daqui a dois anos.
Não sei quem ela quis convencer: a tentativa pareceu-me ridícula e o próprio marcelo assim terá, igualmente pensado ao gestualizar o enfado com a parvoíce da interlocutora. Se alguma vez terá sido profissional com algum mérito, a judite está a transformar-se num caso evidente de irrelevância sem préstimo nem para quantos desejaria favorecer.
Mas, ela não é, a esse respeito, caso único: as afirmações do antigo cardeal de Lisboa, mais do que se revelarem de alguma eficácia para o governo,  acabaram por se virar contra o próprio. Porque, como alguém notava no facebook, só existem, atualmente, duas pessoas em Portugal, que ainda acreditam nos sucessos das políticas seguidas nos últimos dois anos: d. josé policarpo e cavaco silva. Dois casos evidentes de senilidade agravada, que conviria tratar como merecem: reforma definitiva e inapelável, sem direito a voltarem-nos a indignar…
Quem, pelo contrário, anda a primar pelos flic flacs e já se prepara para surgir ajustados ás iminentes viragens políticas, são os senhores da SEDES, a virem lembrar pela voz do insuspeito campos e cunha, que “ninguém confia em quase nada que seja prometido pelo Governo".
Não é propriamente uma surpresa: para quem anda a olhar para os resultados da banca ao longo deste ano (vide os números do BES apresentados esta semana), já vai havendo muito banqueiro e empresário, que reconhece a impossibilidade de se chegar a algum lado com esta políticas. E, quando se trata de acautelar os seus lucros o capital nem tem pátria, nem escrúpulos ideológicos. Se vir que António José Seguro lhes será mais proveitoso para os seus objetivos, o grande patronato não hesitará em promove-lo, atirando passos e seus cúmplices para o aterro do lixo apodrecido.
É por isso que convirá estar atento a novos sinais de desafeições nos apoiantes do governo: sentindo a água a entrar pelos muitos rombos abertos no casco, os ratos vão começar a fugir dele em acelerada velocidade. Um sinal indisfarçável de um futuro que virá!


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

DOCUMENTÁRIO: «”Selandia", o navio que mudou o mundo» de Michael Schmidt-Olsen (2012)

Para um Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante, mesmo que perdidas há muito as graças do mar, um documentário como o de Michael Schmidt-Olsen tem particular interesse até por haver conhecido a velha disputa entre os defensores dos navios a vapor e os dos navios a motores diesel.
Coube-me o privilégio de integrar a última geração dos que se responsabilizaram por instalações a turbinas marítimas na frota portuguesa e sempre preferi essa solução tecnológica à rival, quer pela limpeza da casa das máquinas, quer pelos decibéis aí emitidos, quer pela própria flexibilidade a que se era obrigado na condução de toda a instalação, assim se alterasse um parâmetro tão aleatório como o era a temperatura da água do mar.
No entanto, as razões óbvias do custo com combustível, tornaram obsoletos os maiores e mais modernos navios saídos dos estaleiros da Lisnave e da Setenave, quando o país se podia orgulhar da sua construção naval. Por isso, nos últimos anos em que andei embarcado - entre 1988 e 1999 - foi em instalações a motores diesel.
Nessa altura desconhecia o debate ocorrido há cem anos sobre as vantagens e desvantagens dos navios dos dois tipos e que culminou no lançamento à água do «Selandia», o primeiro a utilizar a tecnologia inventada por Rudolf Diesel. Que não só garantia uma maior economia e manobrabilidade de tais navios, como contribuiria para a aceleração do comércio mundial das mercadorias, que redundaria no atual contexto de globalização.
O filme de Olsen foi, precisamente, uma encomenda para prestar tributo ao centenário desse navio, que conquistou merecidamente um lugar na História da Humanidade.
De facto foi em fevereiro de 1912, que a dinamarquesa East Asiatic Company, que assegurava uma linha regular entre os portos dinamarqueses e tailandeses, inaugurou esse primeiro transatlântico a motor diesel.
Desde essa primeira viagem, que o «Selandia» demonstrou a superioridade da sua propulsão: os motores eram duas vezes mais potentes do que os de um navio a vapor com a mesma tonelagem, ocupavam menos espaço e exigiam menos mão-de-obra. E, qualidade não despicienda, permitiam fazer as 22 mil milhas náuticas  da viagem de ida e volta até à Tailândia sem carecer de reabastecimento.
Foi, pois, o início de uma revolução, que perpassa por toda a indústria de transportes marítimos.
Utilizando arquivos, cenas ficcionadas e entrevistas com historiadores, o filme aborda a história do «Selandia» e, sobretudo, a dos três pioneiros, que lhe estiveram na origem: Rudolf Diesel, o inventor do motor em causa; Ivar Knudsen, o engenheiro incumbido da construção desse motor; e Hans Niels Andersen, o fundador da East Asiatic Company, proprietário do navio.
Uma das cenas mais interessantes recriadas por atores foram as da visita de Churchill ao navio, quando, na viagem inaugural fez escala em Londres, para inteirar-se de uma inovação capaz de perigar a superioridade marítima então assumida pelo Império Britânico, também na sua vertente comercial. E, igualmente, a abordagem das circunstâncias relacionadas com o misterioso desaparecimento de Diesel em outubro de 1913, quando viajava para Inglaterra num navio alemão. Somada essa morte à do próprio Ivar Knudsen quando, sete anos depois, viajava para o Extremo Oriente a fim de fundar uma fábrica local da Burmeister & Wain, justifica que alguns suspeitem de uma teoria da conspiração com origem nos serviços secretos alemães...


IDEIAS: Locke e a defesa da propriedade privada

Condicionados a viverem em sociedade, poderão os seres humanos escapar aos impulsos das suas necessidades? Poderá a sociedade civil permitir-lhes que se mantenham livres, apesar de implicarem inevitáveis desigualdades? Serão o liberalismo e o socialismo respostas satisfatórias?
Eis as questões para que procuraremos respostas nos próximos textos de síntese do que pensaram os filósofos no passado. A começar por Hobbes, sobre quem escrevemos em posts anteriores.
Recordemos que, segundo ele, o homem deixara a sua condição selvagem para escapar à violência potencial do seu encontro com os outros homens. O artifício de viver numa sociedade propiciava-lhe a paz e a segurança, mesmo obrigando-o a respeitar os pactos de associação e de submissão, tal qual lhos impunha esse Leviathan, monstro abstrato do que hoje chamamos o Estado.
Existia, assim, um contrato entre o indivíduo e essa organização social, que permitia àquele a forma de escapar às consequências da lei do mais forte.
Mais tarde, no século XIX, Joseph Proudhon irá aprofundar essa tese do contrato social, propondo uma autogestão federalista capaz de proteger o individualismo com uma estrutura social forte. Seria assim como que uma espécie de mistura entre o liberalismo e o socialismo. O contrato corresponderia a uma sociedade feita de federação dos interesses dos seus indivíduos.
Mas, regressando a três séculos anteriores, vale a pena determo-nos no herdeiro natural, e ao mesmo tempo opositor, das ideias de Hobbes, esse John Locke, que seria o autor dos «Ensaios sobre a Lei Natural» (1644).
Para ele existe uma lei natural decretada por Deus, que implicava três obrigações primordiais aos seus indivíduos:
· Exigiria que os homens celebrassem Deus e as suas criações;
· Que vivessem em sociedade;
· Que tivessem por imperativo a sua conservação;
A vida em sociedade não estaria, segundo ele, em contradição com o estado natural, porque dele seria parte integrante. Ao contrário de Hobbes ele não imagina o estado natural como caótico e assassino: via-o como feito de liberdade e de igualdade perante o imperativo da sobrevivência. A vida social tenderia a proteger esse objetivo do estado natural.
Locke rejeita a imagem de um estado natural equivalente a uma guerra de todos contra todos, porque isso seria admitir que Deus criara os homens sem lhes dar os meios para se defenderem em segurança. Mesmo reconhecendo que as paixões humanas poderiam levar os indivíduos ao confronto, Locke queria acreditar num Deus capaz de propiciar ao indivíduo a Razão para que priorizasse a sobrevivência.
O papel do “estado civil” consistiria em garantir uma perfeita liberdade em agir, de dispor da sua pessoa e das suas propriedades nos limites da lei natural.
Para Locke a conservação natural do indivíduo estava, pois, relacionada com a defesa da sua propriedade privada. Ameaçá-la seria colocar em perigo a existência do proprietário.
Em suma, para Locke a proteção da propriedade equivalia a obedecer à lei da natureza. As regras e leis da sociedade humana destinar-se-iam a proteger a propriedade, a organizar a sua transmissão e a punir contra quem ela atentasse…



POLÍTICA: as dificuldades de unir esforços à esquerda!

Na primeira vez que rui rio ganhou as eleições autárquicas no Porto, a falta de maioria absoluta foi remediada com um acordo, então tido como surpreendente, com o eleito pelo PCP.
Nas últimas semanas essa tendência dos comunistas para dar a mão à direita laranja tem sido demasiado frequente para não ser considerada uma regra normal na estratégia por eles seguida com o acordo do Comité Central.
Em Loures, com Bernardino Soares, em Olhão ou em Oeiras (aqui a preferência foi para se coligarem com o herdeiro de isaltino!), os comunistas trataram de marginalizar o Partido Socialista optando por quem deveriam ser os seus inimigos prioritários.
Compreende-se, assim, que o PCP não revele quaisquer problemas em ter sujeitado o país à governação de passos coelho, ao ter votado com o BE, contra o PEC IV. Nem que a vida dos professores tenha sido seriamente agravada nos últimos dois anos, sem se sentir a animosidade de Mário Nogueira para com nuno crato, que ele protagonizava quando se tratava de Maria Lurdes Rodrigues.
Para quem desejaria ver concretizada uma União de Esquerda, que mostrasse força suficiente para mobilizar a sociedade portuguesa contra os interesses instalados do grande patronato da banca, da energia e da distribuição, essa opção preferencial dos comunistas para se coligarem com a direita, mostra o quão difícil se revelará o advento desse tão necessário futuro.


LIVRO: o álbum de fotografias de Ingrid Bergman

Ingrid Bergman via-se como um pássaro migrador que, apesar de reconhecida pela indústria cinematográfica de Hollywood com três Óscares, sempre se sentiu atraída  pelo desconhecido, pela novidade de novos desafios para a sua vontade de representar.
Durante todo o seu percurso cinematográfico rodou 44 filmes em cinco línguas, sucessivamente em Estocolmo, Hollywood, Roma e Paris.
Mas ela era também uma arquivista meticulosa de todas essas experiências, já que sempre se fizera acompanhar de câmaras fotográficas. Dela e de muitos fotógrafos, que se esforçaram por captar-lhe o máximo de imagens, nomeadamente, quando viveu a sulfurosa história de amor com Roberto Rossellini.
Uma das filhas dessa relação mediática, Isabella, andou a organizar as sete mil fotografias que encontrou nos arquivos fotográficos da progenitora para dar origem ao álbum agora lançado na Alemanha pela editora Schirmer/Mosel.
A questão deixada por tal álbum é a de se saber o que fica para além desse registo de uma vida bem preenchida e que se concluiu em Londres em 1982?
Para além do seu evidente carácter comercial e icónico, que testemunho permitem de uma época definitivamente ultrapassada, mas em que muitos dos valores então equacionados - por exemplo o do direito ao amor em detrimento da fidelidade conjugal, quando encetou a relação com o célebre realizador italiano! - estiveram na origem de toda uma transformação de costumes, que deu origem à sociedade em que agora vivemos?
Mas muitas outras questões podem surgir de uma atriz, que esteve nalguns dos filmes por mim escolhidos para levar para a mirífica ilha deserta. Desde o seu papel em  «Casablanca» aos rodados no período da sua relação com Rossellini (sobretudo «Stromboli» e «Viagem em Itália») culminando na bergmaniana «Sonata de Outono» ou no entretenimento puro de «Crime no Oriente Expresso».
Definitivamente, mesmo passados mais de trinta anos sobre o seu desaparecimento, Ingrid Bergman é um rosto que permanece no nosso imaginário.


domingo, 27 de outubro de 2013

POLÍTICA: e José Sócrates continua a incomodar tanta gente!

Uma das ideias feitas, que os opositores de José Sócrates teimam em repetir até à exaustão, na expectativa de verem coroada a tese goebbelsiana da mentira mil vezes repetida, é a de ser ele o culpado da vinda da troika.
A forma mais expedita de refutar esse argumento é a de se questionar sobre qual será a sua responsabilidade nas crises por que passam  a Irlanda, a Grécia ou os bancos espanhóis. Sem falar de todos os países europeus, que dificilmente têm correspondido aos efeitos da arquitetura deficiente do euro e à crise financeira decorrente da falência do Lehman Brothers.
Querer prosseguir na lógica da culpa nacional - a obcecada repetição da tese do despesismo - ou é prova de desonestidade intelectual ou de incurável ignorância.
No primeiro caso temos os economistas, ou seus aprendizes - que enchem o suplemento de Economia do «Expresso» e integram outros paineleiros, que vão de césar das neves ao camilo lourenço, passando pelo inefável josé gomes ferreira - sabedores de quanto são cada vez mais refutadas as suas crenças hayekianas, mas a teimarem em tapar as orelhas ao que diz gente tão respeitável como o são os nobelizados Krugman ou Stieglitz.
Concretizadas na prática as suas receitas austeritárias, os resultados práticos revelaram-se completamente desviados das suas toscas previsões.
No segundo caso temos os “taxistas” de serviço nas redes sociais, que pululam em insultos ao antigo primeiro-ministro, sem conseguirem fundamentar as suas arreigadas convicções. Um exemplo mediático desse atrevimento só explicável pela ignorância é o do diretor do «Inimigo Público», luís pedro nunes, que é capaz de classificar de “trágica” a governação de José Sócrates, mas sem conseguir explicar o porquê.
Em função das emoções extremadas, que suscita, é compreensível que José Sócrates prossiga mais um ano em Paris para se doutorar no prestigiadíssimo Institut de Sciences Politiques. Vencerá definitivamente os que procuram depreciar o seu percurso académico - e que agora esbracejam ridiculamente a quererem menorizar uma das principais universidades europeias, aonde nem pela porta dos fundos conseguiriam entrar! - e dará mais algum tempo para que se clarifique o futuro do Partido Socialista, depois de definitivamente encerrado o cinzentíssimo parêntesis de António José Seguro.
Para quem o julgou politicamente morto, Sócrates ainda terá um longo futuro à sua frente! Porque, dos políticos em atividades, é dos poucos capazes de imitarem Isaac Newton, que dizia-se capaz de ver mais longe por se alçar aos ombros dos gigantes. Os demais já demonstraram uma atávica miopia, que os não deixa vislumbrar nada de focado a escassa distância dos seus longos narizes de mentirosos!


FOTOGRAFIA: Nos cem anos de Robert Capa - dois anos marcantes com Gerda Taro

No verão de 1935, Endre e Gerda apaixonaram-se e juntaram os trapinhos num apartamento junto à Torre Eiffel. Mas não conseguiam encontrar quem, em França, lhes comprasse os trabalhos jornalísticos. É, pois em desespero de causa, que ensaiam uma nova estratégia: inventam a personalidade de um fotógrafo norte-americano tão famoso e bem sucedido, que ninguém conseguia aceder-lhe à fala. Ora porque estava sempre comprometido com trabalhos excecionais, ora porque usufruia merecidas férias nalguma estância glamourosa.
Nasceu assim Robert Capa, cujo apelido evocava o do realizador norte-americano Frank Capra, que acabara de ganhar um Óscar. E, para não ficar atrás, Gerda pensou na sonoridade do nome Greta Garbo e mudou o apelido para Taro. Da associação afetiva e profissional dos dois surgiu assim uma autêntica máquina de venda de fotografias em que Endre captava-as e Gerda apresentava-as aos potenciais compradores.
Mas a lenda a respeito de Capa surgiu na Guerra de Espanha, cuja iconografia fotográfica conta logo à cabeça com a célebre imagem da morte de um miliciano em Cerro Muriano. Onde se evidencia a possibilidade de perder-se a vida, mas não a dignidade.
A Espanha de então era o vasto território para onde convergiam todos quantos pretendiam combater o fascismo, que pressentiam vir a tornar-se monstruoso na guerra mundial já vislumbrável no horizonte. E onde os alemães testavam as armas em preparação para esse futuro imediato…
Em Madrid ele capta o retrato de uma população aterrorizada , aprofundando o estilo de mostrar pessoas aparentemente banais em momentos historicamente significativos. E a autenticidade com que o faz tem uma explicação: consegue ir-lhes ao âmago das consciências por viver, lutar, comer, beber e sofrer com elas.
As fotografias de Capa chegavam, então, às principais revistas europeias, americanas e asiáticas, transmitindo eloquentemente a luta de tantos espíritos livres contra a criminosa insurreição de Franco e seus comparsas. E ele começava a ser conhecido como “o melhor fotógrafo do mundo”.
Gerda também o acompanha na condição de jornalista e começa a aprender com ele o ofício de fotógrafa de guerra. E é ela quem, perante a brutalidade do que vê ocorrer à sua volta, chega a comentar: “quando pensamos nas pessoas maravilhosas que morreram, tem-se a sensação de quanto é injusto continuarmos vivos.”
Em julho de 1937, a guerra chegou a Brunete, a oeste de Madrid, e manifestou-se numa batalha violentíssima, que durou vinte e um dias. No caos da retirada dos tanques republicanos, um deles perdeu o controle e atropelou-a mortalmente, quando ainda não fizera os 26 anos.
Capa está em Paris, quando a notícia lhe chega através das páginas de um jornal. E, de súbito, vê dissiparem-se todas as suas esperanças num futuro radioso.
Cartier-Bresson, um dos seus melhores amigos, deteta-lhe as diferenças de personalidade após essa provação: ele torna-se cínico, niilista, sempre desconsolado.


POLÍTICA: uma boa sugestão para entreter o catroga

No «Diário Económico» de 25/10, Pedro Silva Pereira faz uma abordagem sarcástica sobre o nunca vislumbrado guião para a Reforma do Estado, prometido para os idos de fevereiro e ainda sem qualquer miraculosa aparição. Daí que o deputado do PS se recorde de um figurão, que tem a supina lata de andar a debitar tolices com exagerada frequência e dê a passos coelho um sábio conselho: o que faria sentido é que o Governo mandasse chamar, a custo zero, um tal professor Catroga para que ele, na sua qualidade de autor do programa eleitoral do PSD, fosse obrigado a explicar aos ministros, ao País, à ‘troika' e ao Mundo, no intervalo entre duas reuniões do Conselho de Supervisão da EDP, como é que é possível fazer um guião da reforma do Estado assente apenas no corte das "gorduras" e cumprindo a promessa eleitoral de não agravar os sacrifícios sobre as pessoas e as famílias. 
Teríamos assim a criatura a ter menos tempo para se preocupar com os seus pentelhos…


POLÍTICA: faz sentido continuarmos no euro?

O artigo de Pedro Adão e Silva no «Expresso» desta semana demonstra a razão dos que viram na crise financeira internacional um bom argumento para Portugal sair do euro enquanto era tempo. Porque, desde 2010, já se terão verificado reduções de rendimento médio real de 25% para os funcionários públicos, de 20% para os trabalhadores do setor privado, e de entre 25 a 35% para os pensionistas. E, no mesmo período, passámos de 10,8% de desemprego para 17,4%.
Constata o articulista: A crise do euro tem sido de facto instrumental para redistribuir poder em Portugal, favorecendo uns e enfraquecendo a posição relativa de outros.


POLÍTICA: vão-se definindo as trincheiras!

A Constituição irá, dentro de muito pouco tempo, dividir a classe política portuguesa em duas barricadas aguerridas, depois de passos coelho procurar saída airosa para a enrascada em que se meteu, alegando a impossibilidade de “reformar” o país com tal Lei Fundamental. E não faltarão indicações expressas de durão barroso para o fazer, se não mesmo da chancelaria alemã. Sem esquecer, de passagem, mais uns quantos artigos do Finantial Times.
A novidade deste fim-de-semana - se bem que nestes casos não sejam propriamente de espantar! - foi a opção já definida por mais dois figurões da direita, que andam a ver os bessas e os nogueira leites adiantarem-se-lhes e temem não passar de soldados rasos, quando for a hora de encetar os disparos da artilharia, por já estarem ocupados os galões dos generais colocados a recato na retaguarda a curvarem-se sobre os mapas para debitarem novas estratégias.
Tivemos assim o conselheiro de estado, vítor bento, e o criado do merceeiro do pingo doce, antónio barreto.
Vamos vendo, pois, a trincheira dos anti formada exclusivamente por has bens encartados (embora um qualquer moreira rato também se tenha querido afiambrar a uma rodela de queijo!), enquanto os defensores da ordem constitucional perfazem notória multidão.
Esperemos que, quando chegar o momento, e Seguro se vir confrontado com as pressões para que ceda ao campo contrário, encontre suficiente coragem para saber dizer não. Sob pena de ver grande parte do Partido abreviar-lhe a liderança por manifesta incompetência para lidar com uma situação demasiado séria para ser entregue a quem tarda em se mostrar à sua altura!