sexta-feira, 25 de outubro de 2013

FILME: «O Cheiro da Papaia Verde» de Trần Anh Hùng



Tran Anh Hung nasceu em Danan, no Vietname, em 1962. Emigra para França aos doze anos, integrando mais tarde a prestigiada escola Louis-Lumière de operadores de câmara e de som, saindo dela diplomado com uma curta-metragem já da sua autoria: «La Femme mariée de Nam Xuong» (1987).
No ano seguinte encontra o produtor Christophe Rossignon, que acaba de fundar a sua empresa, a Lazennec, que lhe possibilita a realização da sua segunda curta-metragem: «La Pierre de l'attente» e, dois anos depois, desta longa-metragem, com que ganhou a Câmara de Ouro em Cannes e o César do Melhor Filme. Posteriormente Tran Anh Hung assinou outras duas longas-metragens, que passaram mais discretamente pelos ecrãs internacionais: «Cyclo» (1995) e «À la verticale de l’été» (2000), e regressou ao seu país de origem para aí colaborar no lançamento da sua própria indústria cinematográfica.
«O Odor da Papaia Verde» passa-se numa rua sombria de Saigão com lojas e casas tradicionais, em 1951.
Mui, uma rapariga na puberdade, chega do campo para servir de criada na casa de uma família de abastados comerciantes.
Nessa casa vive um casal, que perdera uma filha com a mesma idade de Mui, uma avó e dois rapazes.
Uma criada mais velha vai ensiná-la a preparar os pratos e a servir os patrões.
Nessa família o pai dedica-se à música e a mãe encarrega-se dos negócios. O rapaz mais velho diverte-se a provocar Mui e tenta atemorizá-la.
Os dias fluem, lentos e rotineiros, ritmados pelas tarefas sempre iguais.
Um dia, o patrão apossa-se do dinheiro em caixa e parte sem qualquer explicação. A mulher tenta enfrentar a situação e prossegue com o negócio, mesmo obrigando-se a racionar as quantidades de arroz às refeições.
É a doença que faz regressar o trânsfuga. E as dificuldades prosseguem com a morte da avó e a redução dos proventos da família. Já com vinte anos, a bela Mui muda-se para servir em casa de um músico, que habita numa mansão impressionante, e cuja namorada logo sente ciúmes dela. Com fundamento já que Mui engravida e acaba por casar com o novo patrão.
Apesar de rodado num estúdio francês, o realizador consegue criar o ambiente vietnamita com grande verosimilhança. As opções estéticas de Tran Anh HUng inaugura a plasticidade, que tão incensada será na década seguinte com os filmes de Wong Kar-wai, sobretudo em «In the mood for Love».
A narrativa é linear, estritamente cronológica, mesmo concluindo-se com a elipse brutal de uma dezena de anos. A música chinesa foi composta por um vietnamita e intervêm diretamente na evolução da história, tanto mais que dois dos personagens principais são músicos e os diálogos são muito contidos.
A própria Mui é caracterizada pelo seu mutismo só pronunciando algumas frases no final do filme, o que facilitou a internacionalização do filme.
A atmosfera oriental é, pois, transmitida pela língua, pela música, pela instrumentação, pela lentidão da história e, sobretudo, pelos cenários e pelo guarda-roupa dos personagens.
O filme apresenta uma óbvia sensualidade , aliás sugerida pelo seu título. O Vietname é recriado pelos seus odores, sons e sabores. Mui prepara as refeições, descasca uma papaia, testa as vagens com as pontas dos dedos. Alimenta um inseto e o filme alterna sistematicamente entre as grandes panorâmicas laterais - em homenagem aos grandes mestres japoneses, Ozu e Mizoguchi - e os grandes planos de frutos, objetos, panos e insetos.
A presença de um grilo numa gaiola simboliza a casa, mas esta metáfora tradicional insere-se perfeitamente no sistema referencial do filme. Tudo é construído através da forma como Mui olha para o mundo exterior.
É claro que o filme denuncia a exploração de uma criança, que trabalha desde o nascer-do-sol até à exaustão ao fim do dia. Mas trata-se de denúncia discreta. Tal como a da guerra colonial, a crise do regime fica em plano muito secundário traduzida nos sons dos motores dos aviões.
O final quase se assemelha a um conto de fadas: o belo pianista, que interpreta partituras ocidentais, apaixona-se pela discreta e bela criada, ensinando-a a ler e engravidando-a.


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