Para um Engenheiro Maquinista da Marinha Mercante, mesmo que perdidas há muito as graças do mar, um documentário como o de Michael Schmidt-Olsen tem particular interesse até por haver conhecido a velha disputa entre os defensores dos navios a vapor e os dos navios a motores diesel.
Coube-me o privilégio de integrar a última geração dos que se responsabilizaram por instalações a turbinas marítimas na frota portuguesa e sempre preferi essa solução tecnológica à rival, quer pela limpeza da casa das máquinas, quer pelos decibéis aí emitidos, quer pela própria flexibilidade a que se era obrigado na condução de toda a instalação, assim se alterasse um parâmetro tão aleatório como o era a temperatura da água do mar.
No entanto, as razões óbvias do custo com combustível, tornaram obsoletos os maiores e mais modernos navios saídos dos estaleiros da Lisnave e da Setenave, quando o país se podia orgulhar da sua construção naval. Por isso, nos últimos anos em que andei embarcado - entre 1988 e 1999 - foi em instalações a motores diesel.
Nessa altura desconhecia o debate ocorrido há cem anos sobre as vantagens e desvantagens dos navios dos dois tipos e que culminou no lançamento à água do «Selandia», o primeiro a utilizar a tecnologia inventada por Rudolf Diesel. Que não só garantia uma maior economia e manobrabilidade de tais navios, como contribuiria para a aceleração do comércio mundial das mercadorias, que redundaria no atual contexto de globalização.
O filme de Olsen foi, precisamente, uma encomenda para prestar tributo ao centenário desse navio, que conquistou merecidamente um lugar na História da Humanidade.
De facto foi em fevereiro de 1912, que a dinamarquesa East Asiatic Company, que assegurava uma linha regular entre os portos dinamarqueses e tailandeses, inaugurou esse primeiro transatlântico a motor diesel.
Desde essa primeira viagem, que o «Selandia» demonstrou a superioridade da sua propulsão: os motores eram duas vezes mais potentes do que os de um navio a vapor com a mesma tonelagem, ocupavam menos espaço e exigiam menos mão-de-obra. E, qualidade não despicienda, permitiam fazer as 22 mil milhas náuticas da viagem de ida e volta até à Tailândia sem carecer de reabastecimento.
Foi, pois, o início de uma revolução, que perpassa por toda a indústria de transportes marítimos.
Utilizando arquivos, cenas ficcionadas e entrevistas com historiadores, o filme aborda a história do «Selandia» e, sobretudo, a dos três pioneiros, que lhe estiveram na origem: Rudolf Diesel, o inventor do motor em causa; Ivar Knudsen, o engenheiro incumbido da construção desse motor; e Hans Niels Andersen, o fundador da East Asiatic Company, proprietário do navio.
Uma das cenas mais interessantes recriadas por atores foram as da visita de Churchill ao navio, quando, na viagem inaugural fez escala em Londres, para inteirar-se de uma inovação capaz de perigar a superioridade marítima então assumida pelo Império Britânico, também na sua vertente comercial. E, igualmente, a abordagem das circunstâncias relacionadas com o misterioso desaparecimento de Diesel em outubro de 1913, quando viajava para Inglaterra num navio alemão. Somada essa morte à do próprio Ivar Knudsen quando, sete anos depois, viajava para o Extremo Oriente a fim de fundar uma fábrica local da Burmeister & Wain, justifica que alguns suspeitem de uma teoria da conspiração com origem nos serviços secretos alemães...
Sem comentários:
Enviar um comentário