As crónicas de Miguel Sousa Tavares no «Expresso» causam-me alguns sintomas preocupantes de bipolaridade porque, ora me sinto totalmente identificado com elas e pronto a assinar por baixo (ocorreu e continua a suceder sempre que defende a governação de José Sócrates como extremamente positiva para o país e como foi torpemente atacada por detratores, que já provaram à saciedade ao que vinham!) ora as rejeito liminarmente como sectárias e destituídas de qualquer fundamento.
Na mais recente, publicada na última edição do «Expresso», ele ainda está na ressaca das autárquicas e aborda a questão do tipo de políticos de que estamos servidos: “o desprezo a que votamos todos os políticos por igual, a demagogia de lhes pagar quase ao nível do motorista e tudo lhes exigir, é a razão direta da crescente falta de qualidade e preparação da classe política.”
Temos, pois, Miguel Sousa Tavares a alinhar no mesmo discurso antipolíticos, que perpassa por quase todos os comentadores ouvidos pelas televisões - incluindo gente altamente suspeita como o anão da trofa (que continua a ser um lídimo representante desses maus políticos!), e outra com mais responsabilidades para atentar no que diz como é o caso de Pedro Adão e Silva ou António José Teixeira - mas com uma diferença: endossando às campanhas demagógicas quanto às supostas exageradas remunerações da classe política a explicação para dela se terem arredado os mais capacitados, os que poderiam contribuir para lhe dar uma solidez, que por ora só se vislumbra em alguns casos excecionais.
Os que andaram pelas redes sociais ou pelos correios eletrónicos a distribuir mensagens destinadas a exigirem a redução dos vencimentos dos políticos lembram os que, durante a 1ª República, se empenharam em conotar os afonsos costas e os bernardinos machados com a chamada «porca da política». Com o resultado, que se viu: salazar e todos os seus apaniguados instalaram-se no poder e consolidaram o regime fascista à pala desse tipo de discurso depreciativo para com os políticos. E, lamentavelmente, muitos desses entusiásticos denunciadores da equação políticos = corruptos até se declaram votantes no Partido Comunista ou no Bloco de Esquerda!
É claro que esta condenação da demagogia primária de tantos desconcertados observadores do fenómeno político, não significa qualquer complacência com os oliveiras e costas, os duarte limas, os isaltinos ou os dias loureiros, que grassam por aí. Pelo contrário, deve-se exigir à Justiça, que faça o seu trabalho, consiga coligir as provas e julgar devidamente esses maus exemplos.
Mas, ao exercício da política, deve-se exigir elevação, devoção ao exercício do dever de cidadania e a consciência social de se estar a agir para pessoas e não para folhas de excel ou para os ditames de interesses exógenos ou minoritários do universo eleitor.
No entanto, se se lhes paga ao nível do motorista, como afiança Miguel Sousa Tavares, poderemos ter líderes reconhecidamente empenhados e capazes de sacrificarem as suas vidas pessoais em sucessivas e contínuas voltas ao país - como sucede com o líder da Oposição - mas falta-lhes o tal grão de asa, que os deveria projetar para outra dimensão de convencimento quanto às alternativas de que possam ser portadores.
Ou então sucede como com os que estão atualmente no (des)governo que se sabem a receber momentaneamente menos, mas cientes de virem a ser devidamente recompensados por aqueles a quem estão a fazer o frete de executarem políticas, que lhes garantam mais dividendos e rendas ao fim do ano. Para os relvas, os passos coelhos ou os portas existirão sempre grandes empresários preocupados com os respetivos futuros e dispostos a instalá-los em conselhos de administração ou em fundações tipo pingo doce onde colherão os frutos do permanente ataque aos bolsos da maioria dos portugueses mais desabonados.
Muito há a fazer para exigir um outro tipo de classe política, mais competente e bem remunerada, de nada valendo colocar no mesmo plano todos os atuais dirigentes políticos como se, entre os de direita (com os objetivos nefastos que os norteiam) e os de esquerda (dispostos e maior ou menor grau defender uma maior redistribuição da riqueza nacional) possam ser postos todos no mesmo saco!
Ainda assim vai um abismo entre Seguro, Jerónimo, Catarina e Semedo, por um lado, e passos e portas pelo outro!
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