Há uns anos a esta parte, tenho descoberto coisas assombrosas sobre os suecos, apesar de com eles ter convivido durante os anos em que andei pelas suas paragens a tripular um navio de passageiros. Desse tempo achei-os extremamente contidos, senão mesmo austeros, só tendo como comportamentos desviantes o suicídio provocado pelo tédio e o alcoolismo de fim-de-semana, que tornava desaconselhável andar pelas ruas de Gotemburgo ou de Tromson logo que surgia a saída dos empregos para um descanso de dois dias.
Primeiro foi Stieg Larsson a mostrar-nos gente comprometida com o nazismo e outras causas pouco recomendáveis - que estiveram na origem do assassinato de Olof Palme - ou abalada por traumas infantis de cura mais que improvável.
Com os casos do inspetor Wallander, criados por Henning Mankell, essa convicção só fez com que se reiterasse: por trás da fachada de aparente normalidade, descobriam-se perfis psicóticos, capazes dos crimes mais horrendos.
Afinal, ao contrário do que defende camilo lourenço, a literatura até faz bastante sentido, mesmo não se tratando de um bem transacionável. Se algum dia voltar à Suécia estarei prevenido quanto à essência de quem for meu interlocutor.
Em «A Sombra da Sereia» temos Erika Falck híper-gravidérrima de gémeos, mas, como de costume, a bisbilhotar à sua volta procurando respostas para os mistérios, que se irão acumular sem fácil explicação.
Assim, temos Magnus, um habitante de Fjällbacka desaparecido, sem que a política faça a mínima ideia do seu paradeiro. Só semanas depois é que um velho, que passeava com o cão à beira do lago gelado, dá com o corpo escondido debaixo daquela brancura solidificada.
Nessa altura, a protagonista ainda não adivinha o elo, que interliga esse assassinado com o escritor local a quem decidira promover junto de uma editora sua conhecida e dois outros homens da região. Todos eles estão a receber cartas ameaçadoras, que começam a concretizar-se sob a forma de ataques cada vez mais inexplicáveis.
Enjeitando a opção de escrever uma história sequencial, que facilitasse a vida ao leitor, temos a abordagem de uma vingança assumida por um desses homens contra os outros três, que o tinham sujeito a bullying durante a infância e lhe tinham violado a irmã deficiente mental.
Mas as cenas mais impressionantes ocorrem na revisita do passado para lermos sobre as situações na origem da perturbação mental do assassino: não só em bebé fora descoberto junto do cadáver da mãe, quando ela cedera às drogas há pelo menos uma semana, mas também viria depois, por ciúmes, a quase afogar a meia-irmã na banheira causando-lhe danos cerebrais irreparáveis.
Existe, pois, um contexto de grande crueldade no caso descrito pela escritora sueca. E quase ninguém sai bem ao deslindar do caso: o investigador principal acaba por ter um enfarte devido à exaustão; o chefe da polícia revela-se um poltrão sem competência; o morto e os seus antigos condiscípulos não deixam de ser uns crápulas violadores; e quase todos os demais têm algo que se lhes diga quanto a caracteres mais que duvidosos.
Manifestamente, nos livros de Camilla Lackberg, ninguém é perfeito!
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