Charles Dickens retratou-o ignobilmente dando-lhe as vestes de Fagin, o vilão de «Oliver Twist». Mas a história de Ikey Solomon é bem menos maniqueísta do que o célebre escritor concebeu num arroubo de preconceito antissemita. E, sobretudo, ilustra bem as iniquidades do sistema judiciário e prisional inglês no século XIX, bem como da falta de escrúpulos do odioso governador da Tasmânia.
O documentário de Alan Rosenthal e Helen Gaynor, ao privilegiar a reconstituição histórica mediante a utilização de atores, e intermediando as cenas aonde eles intervêm com os testemunhos de especialistas dessa época, também se revela assaz interessante para aprofundarmos o conhecimento do período da Regência Britânica.
Muito embora ele seja delimitado pela doença e loucura do rei Jorge III, em 1811, e a definitiva entronização do seu filho, Jorge IV, em 1820, há quem o alargue para um período bem mais amplo, que se estende até 1837, quando a Rainha Vitória chega ao poder.
Época de excessos para a aristocracia, a Regência é também quando maiores possibilidades terão existido de ocorrer uma Revolução semelhante à da tomada da Bastilha em 1789, até porque esta poderia servir de inspiração aos milhões de miseráveis, que sofriam os efeitos de uma organização política orientada para a preservação de uma gritante desigualdade social.
Ikey Solomon cresce nesse ambiente em que a sobrevivência é dificultada por um extenso período de depressão económica. Depressa ele chega à conclusão que só através da sua atividade de carteirista conseguirá prover ao sustento da família, então composta pela esposa Anne, igualmente judia, e dos dois filhos nascidos logo nos primeiros anos do casamento.
Dickens conhece-o pela primeira vez, quando, como repórter junto dos tribunais, vê Solomon a ser julgado por roubo sujeitando-se a uma pena de seis anos num dos barcos infectos que, fundeados no Tamisa, serviam de cárcere aos condenados.
Quando cumpre a pena, ele regressa a casa e orienta o seu “negócio” de outra forma: servirá de recetor aos produtos roubados diariamente pelos ladrões, que pululam na cidade, junto de quem ganha fama de ser “honesto” nos preços, que pratica.
Aprisionado uma segunda vez, arrisca-se a ser condenado à morte, quando consegue concretizar uma mediática fuga, que inflama a imaginação dos londrinos capazes de lhe admirarem o engenho e a audácia.
Mas, se Ikey Solomon lhes escapa, a polícia inglesa decide vingar-se cruelmente conseguindo criar uma intriga, que justificará a prisão da doce Anne e a sua deportação para a Tasmânia australiana (então designada como Terra de Van Diemen).
Solomon está refugiado em Nova Iorque quando sabe pelos jornais do sucedido com a esposa e logo decide ir-lhe ao encontro apesar dos riscos em que incorre. Mas a lei protege-o: impede que as autoridades locais o prendam por crimes cometidos fora da sua jurisdição.
Mas não contava com o Governador Arthur que, à revelia do procurador real, manda raptar Solomon e enviá-lo para Inglaterra … aonde ele será condenado a trabalhos forçados na mesma ilha donde fora expedido.
Os anos seguintes serão de grandes sofrimentos, quer para ele, quer para Anne, e o casamento acabará por degradar-se. Quando sente que não deverá interpor-se na ligação por ela estabelecida com outro judeu, Solomon afasta-se e passa a viver numa sinagoga, de cuja manutenção se ocupa.
Nunca saberá que alguns dos seus descendentes serão homens influentes na vida social e económica australiana das décadas seguintes...
http://youtu.be/Eie9MusGrUY
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