terça-feira, 15 de outubro de 2013

TEATRO: Patrice Chéreau e o corpo-movimento

Muito diferentes uns dos outros pela sua forma e fontes de inspiração, os filmes de Patrice Chéreau, realizados desde 1995, desenvolvem alguns dos seus temas diletos: a sujeição do indivíduo ao seu corpo, a violência do desejo e a alienação inevitável a que ele conduz, a busca iniciática.
Para «Quem Me Amar Irá de Comboio» (1997) Chéreau utiliza, pela primeira vez desde «L’Homme Blessé», um argumento original e não uma adaptação. O comboio é o que tomam os amigos, discípulos e antigos amantes do pintor Jean-Baptiste, para comparecerem nas suas exéquias e evocarem a tirania da intransigente sedução, que era a sua.
A primeira metade do filme, a mais radical, inteiramente passada numa estação de TGV, apresenta uma quinzena de personagens de forma fragmentária. Sequências rodadas com a câmara ao ombro a captar os corpos dos atores de muito perto, acompanhando-lhes os movimentos. O ritmo da montagem parece refletir o estado de alma febril desses personagens em crise.
Em oposição a esse filme, «Intimidade» (2001), realizado em inglês e rodado em Londres, numa adaptação de uma história de Hanif Kureishi, centra-se num número muito limitado de personagens. Alternando entre planos contemplativos e sequências movimentadas, Chéreau conta a paixão entre um homem e uma mulher, que só se encontram para o sexo puro e duro.
São essas cenas de sexo as que asseguram o ritmo do filme: rodadas em tempo real, formam em si mesmas uma narração sem palavras  em que o amor físico desenvolve a sua própria história.
Ganhando o Urso de Ouro do Festival de Berlim, «Intimidade» conheceu um grande sucesso junto da crítica.
Em «Son Frère» (2003), inspirado numa novela de Philippe Besson, o corpo conserva uma importância fundamental embora seja o de um jovem moribundo, afetado por uma doença misteriosa. Também aí a melancolia e a poesia emergem de uma vontade radical de não sublimar a realidade: a câmara escrutina detalhadamente a intimidade do contacto médico, rigoroso e neutro. E o olhar postado na doença é uma espécie de meditação sobre a opacidade da carne e a emoção que vai para além do erotismo.
No teatro Patrice Chéreau concebe um trabalho de ensaio sobre o «Ricardo III» de Shakespeare com alunos do Conservatório National Superior de Arte Dramática, que ficam registados numa série do canal franco-alemão ARTE.
Em 2003 encena «Fedra» de Racine, um espetáculo concebido segundo um dispositivo bi-frontal, que valoriza os personagens masculinos. A relação destruidora de Teseu com o seu filho torna-se o eixo pelo qual roda esse mundo de interdição do desejo. E a exposição final do corpo de Hipólito depois de supliciado dá a ouvir, na tragédia francesa, a crueldade do mito original.
Porque se Patrice Chéreau define-se como cineasta nos seus últimos anos, ele não exclui a possibilidade de regressos ocasionais ao teatro. E até retoma as encenações operáticas como sucede com o «Cosi Fan Tutte» no festival de Aix-en-Provence em 2005.
O projeto, que o aliciara nos últimos anos - focalizado na personalidade de Napoleão - foi inviabilizado por falta de meios e a aproximação da morte. Mas não é essa a fatalidade dos espíritos criativos: deixarem-nos a salivar com a imaginação do que seriam os seus projetos irrealizados?


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