Era ainda um miúdo, quando ouvi a história da possível vinda de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, capaz de nos livrar do «Botas», que importunava seriamente os adultos.
Os anos passaram e pude inteirar-me da dimensão de autêntico pateta assumida pelo derrotado de Alcácer-Quibir, ao mesmo tempo que ouvia gente respeitável a aludir à tentação messiânica dos portugueses, em grande parte dominados por esse sebastianismo, feito de pouco agir e muito esperar pelos acasos da sorte para verem realizados os seus anseios.
Assim se comportou a direita portuguesa nas últimas décadas, quando viu num muito sobrestimado sá carneiro um trágico Sebastião sem tempo para elevar o país aos píncaros do prometido V Império, e se pôs a ansiar pela concretização da fórmula «um presidente, um governo, uma maioria» capaz de redimir a longa travessia do seu deserto por tantos anos de governos socialistas.
Esquecido estava já o baço durão barroso ou o inconstante santana lopes, que não tinham resistido ao temível Sampaio, reconhecido descendente de cristãos-novos, e por isso suspeito de boicotar os desígnios do Senhor.
Mas eis finalmente cavaco na presidência, a maioria PSD/CDS ungida por um eleitorado convenientemente desafeiçoado da Visão de progresso e crescimento de José Sócrates e com um passos coelho convertido num novo Sebastião, porventura também ressuscitação de Moisés a quem Deus, muitos séculos atrás, transmitira as palavras depois recolhidas no «Êxodo»:
Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor por causa dos seus exatores, porque conheci as suas dores.
Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra boa e larga, a uma terra que mana leite e mel;
Mais de dois anos decorridos a terra boa e larga, onde jorraria leite e mel, converteu-se num cenário de catástrofe. O profeta passos coelho, que tantas ilusões semeara na campanha eleitoral de maio de 2011, revelou-se, afinal um noviço aparvalhado incapaz de conduzir o desaustinado povo a outro lugar, que não o profundo abismo há muito divisado pelos mais altos, mas ainda negado pelos anões, que cercam o falso redentor. E que, ainda acenam com outra explicação: além de um presidente, um governo e uma maioria ainda careceriam de outra Constituição para conseguirem vencer este inóspito deserto. Dados a miragens, até apresentam um Orçamento, que dizem formulado com grande sensibilidade social.
E nas filas de desagradados peregrinos ouve-se cada vez mais o clamor de quem vai repetindo evidências: afinal os 5,3 milhões de euros gastos em austeridade em 2013 não era para reduzir o défice de 5,8% de 2012? Agora, que nos garantem ser ele de 5,8%, senão mais, para que serviu esta longa caminhada por árida paisagem?
Neste momento a direita está perdida no meio de nenhures, sem GPS, que lhe valha. Sem Moisés, nem Sebastião, e apenas a querer conservar quanto já ganhou nestes tempos entroikados: custos de trabalho esmagados e desmantelamento do Estado Social.
É por isso que o orçamento apresentado anteontem nem tenta disfarçar as suas indignidades: 82% do peso da austeridade suportados nos cortes aos funcionários públicos, aos reformados, à educação e à saúde, enquanto apenas 4% em taxas para a banca, as petrolíferas e as redes de energia. Um pacote fiscal com redução do IRC em 2% para o patronato, que leva o insuspeito boletim do BPI a avançar com o cálculo de 2,8 mil milhões de euros na Bolsa para as cotadas no PSI20, para além do aumento de lucros, que garantirão com a nova lei. E o fim das sobretaxas de 2,5% para quem apresentasse rendimentos acima de 80 mil euros e de 5% para quem ultrapassasse os 250 mil.
Perante tudo isto vale a pena terminar citando o que ontem escreveu Pedro Lains no «Público»: Se o erro económico e financeiro é fácil de detetar, mais difícil é compreender as suas origens. Há dois anos, podia-se falar de excesso de zelo e incompetência técnica; há um ano, já se podia falar de interesses financeiros instalados. E este ano? Este ano apenas se vêem pessoas erradas, com poder e sem capacidade de mudança. O erro banalizou-se.
Que venha a esquerda virar de rumo e direcionar o país para longe do tenebroso Alcácer-Quibir para onde estes sebastianistas apatetados nos conduziram...
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