(Em jeito de homenagem a Patrice Chéreau, recentemente desaparecido, continuamos a traçar-lhe o percurso criativo, desta feita nos anos 80 e 90 do século transato).
Patrice Chéreau orienta-se prioritariamente para o ator e para o texto no Théâtre des Amandiers, cuja direção assume, depois de rodar, em 1982, o filme «L’Homme Blessé», cujo argumento partilhara com Hervé Guibert e onde voltara à tragédia do desejo e da alienação amorosa através de uma paixão homossexual.
Chéreau transforma Nanterre-Amendiers numa ferramenta teatral à sua medida, colocando-a à disposição de artistas prestigiados e graças á qual revela a obra de Bernard-Marie Koltés de quem encena quatro peças em seis anos.
Na primeira temporada, em 1983, assina «Combat de nègre et de chiens», um espetáculo brilhante interpretado por atores vindos do cinema e que leva ao paroxismo a tensão contraditória entre o naturalismo cinematográfico (com carros em cena e iluminação a condizer) e a teatralidade explícita.
No mesmo ano encena Os Biombos» de Jean Genet, despojando a peça da ritualidade e dos biombos desejados pelo autor, que comentou com satisfação: “Não é qualquer um o que me trai!”. Porque, em vez de conceber um cenário, é a sala que Peduzzi metamorfoseou de forma a que o espectador imaginasse-se a entrar num cinema decadente de Barbés dos anos 50. O espetáculo decorria no ecrã ou na plateia, como se os emigrantes magrebinos tivessem invadido um espaço para contarem as suas pretéritas histórias.
Na temporada de 1984, Chéreau monta «Lucio Silla» de Mozart, que dá uma imagem muito negativa do poder, com os personagens esmagados por um tirano como que asfixiados pelas convenções da Ópera.
Fiel ao seu reportório ele retoma «La Fausse Suivante», antes de se dedicar a «Quartett de Heiner Muller de acordo com Laclos. Através de um diálogo vivo e cínico, regressa aos temas favoritos - a perversão e a atração da morte! - orquestrando-os com uma simplicidade despojada de qualquer emoção como se à beira do vazio total.
Regressa, então, à obra de Koltès: apesar de um semifracasso em «Quai Ouest» (1986) persiste com «Na Solidão dos Campos de Algodão» (1987), diálogo enigmático sobre um negócio cujo objeto nunca chega a ser esclarecido.
Curiosamente esse universo que, ao mesmo tempo tanto se assemelha e distancia do seu, aborda a expressão das paixões, o gosto secreto pelo paradoxo.
Antes de deixar Nanterre, Chéreau ainda tem um enorme sucesso com «Hamlet» (1988) em que o pavimento era movediço para melhor ilustrar um mundo instável onde um príncipe via-se ameaçado pelo excesso da sua lucidez. Num espetáculo elogiado pela sua excecional limpidez, surgiram momentos antológicos: o da chegada do espectro num cavalo negro a galope ou o suspense do duelo final.
Patrice Chéreau consagra-se depois a um filme, que amadureceu durante muito tempo no seu pensamento: «A Rainha Margot» (1994) de acordo com um romance de Dumas sobre os massacres de Paris.
Na ópera encena «Wozzeck» de Berg em Paris em 1993 e «Don Giovanni» de Mozart em Salzburgo (1995).
Quando regressa aos palcos de teatro será para criar uma nova versão da «Solidão» (1995), que conta o encontro de dois homens dominados por um desejo não assumido. Essa realização, sem qualquer cenário, percorre toda a Europa só garantindo aos atores o apoio de uma banda sonora meio-realista, meio-lírica e um sofisticado jogo de luzes.
Esse pareceu significar o seu adeus aos teatros, com Chéreau a dizer-se cada vez mais cineasta...
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