terça-feira, 8 de outubro de 2013

FILME: «Os Quatrocentos Golpes» de François Truffaut



Contra todas as expetativas esta primeira longa-metragem de François Truffaut foi selecionada para o Festival de Cannes em 1959, ganhando o Prémio de Realização. Mas, aos 26 anos, Truffaut, crítico e temido polemista, não era propriamente um desconhecido. Daí ter-se visto violentamente atacado nas páginas dos «Cahiers du Cinéma» e do semanário «Arts» por todos quantos representavam o suposto «Cinema Francês de Qualidade», nomeadamente por Claude Autant-Lara e Jean Delannoy,
«Os Quatrocentos Golpes» foi concebido como uma antítese de «Chiens perdus sans collier», que Delannoy rodara em 1955, tendo por tema a delinquência juvenil. Para uma espécie de ensaio constituiu um notável golpe de mestre: com a apresentação em Cannes, o filme conheceu um enorme sucesso, quer em França, quer internacionalmente. Seduzido pela verosimilhança das personagens, o público aderiu ao filme numa dimensão, que Truffaut só voltaria a conhecer vinte anos depois com «O Último Metro».
Antoine Doinel é um miúdo de treze anos, que é apanhado em plena aula a ver uma fotografia de uma pin-up, que estava a circular pela turma. Punido, regressa ao exíguo apartamento onde mora, para se sujeitar aos maus tratos da mãe, mesmo se o padrasto se esforça por o fazer rir.
No dia seguinte, Antoine falta à escola com o seu amigo René, e, deambulando pelas ruas de Paris, descobre a mãe agarrada a outro homem. Quando regressa à escola justifica a falta com o pretexto da morte da mãe.
Convocados à escola, Antoine vê-se esbofeteado pelo sr. Doinel. O que o decide a sair de casa e encontrar refúgio numa tipografia.
Acordado pelos operários, vagueia por Paris, rouba uma garrafa de leite e regressa à escola.
Inquieta a mãe vem busca-lo. Antoine lê Balzac e copia um trecho de «A Busca do Absoluto» para a sua redação de francês, que lhe valerá a pior nota da turma e a ameaça de voltar ao gabinete do diretor.
Volta a fugir com René e, para arranjarem dinheiro, decidem roubar uma máquina de escrever do escritório do sr. Doinel. Mas, não a conseguindo vender, Antoine pretende devolvê-la, mas é surpreendido pelo guarda.
Conduzido ao posto da polícia pelo padrasto, Antoine é transferido para uma casa de correção. A mãe vai visitá-lo, mas avisa-o de que o faz pela última vez. O que leva Antoine a fugir e a correr para a beira-mar.
«Os Quatrocentos Golpes» começa por ser um filme sobre a adolescência, que suscitou amplos debates sobre o seu carácter autobiográfico. Truffaut baseara-se nas suas reminiscências infantis para descrever as dificuldades de comportamento do seu jovem protagonista, rejeitado, ora por um professor particularmente odioso, quer pelos pais, que ele atrapalha. Mas o filme decorre na Paris do final dos anos 50 e não propriamente durante a Segunda Guerra Mundial, quando o adolescente Truffaut vivera sob a Ocupação alemã.
O sucesso do filme muito deve ao encontro do realizador com o seu jovem alter ego: Jean-Pierre Léaud.
Truffaut soube captar o discurso e o comportamento dos rapazes nessa idade difícil entre a infância e a adolescência. A Paris popular da praça de Clichy é mostrada com realismo e minúcia, mas potenciada pelo Cinemascope e pela banda sonora de Jean Constantin.
Truffaut também inscreve o filme numa certa tradição do cinema francês dos anos 50 ao escolher para os papéis de adultos alguns dos mais conhecidos atores de então: Albert Rémy e Claire Maurier, como pais, e Guy Decomble no papel de professor.
E se entra em rutura com o referido filme de Delannoy, não deixa de inserir referências significativas da História do Cinema, como é o caso de «Anjo Azul» (1930) de Sternberg para  a primeira sequência na sala de aulas, de «Zero em Comportamento» (1933) de Jean Vigo para a ilustração do pátio da escola ou «Los Olvidados» (1950) de Buñuel  para a casa de correção.
O sucesso do filme será tal, que Truffaut deu-lhe diversas sequelas em que veremos Antoine Doinel ir crescendo e envelhecendo: «L’Amour à Vingt Ans» (1962), «Beijos Roubados» (1968), «Domicílio Conjugal» (1970) e «O Amor em Fuga» (1979).


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